Por Gabriela Nangino (gabi.nangino@usp.br)
Em maio de 2024, duas equipes internacionais de astrônomos encontraram um planeta potencialmente habitável a apenas 40 anos-luz de distância da Terra. A descoberta foi feita utilizando o Satélite de Pesquisa de Exoplanetas em Trânsito (TESS) da NASA.
O Gliese 12b realiza uma órbita completa em sua estrela hospedeira, denominada Gliese 12, a cada 12,8 dias terrestres. Ela é uma anã vermelha que possui 27% do raio do Sol e cerca de 60% de sua temperatura. Análises preliminares indicam que a estrela não possui alta atividade magnética nem comportamento explosivo, como erupções ou vento estelar. Esses resultados aumentam a chance de que o Gliese 12b consiga reter uma atmosfera estável.
Roberto Costa, doutor em astronomia pelo IAG-USP e ex-Secretário Geral da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), concedeu entrevista à Jornalismo Júnior e explicou melhor sobre a novidade da pesquisa. “O Gliese 12b é similar à Terra, ou à Vênus, para ser mais preciso, por ser um pouco menor”, conta. Ele possui semelhança com Vênus em relação à quantidade de radiação recebida de sua estrela hospedeira, colocando-o em uma categoria de planetas descritos como “Exo-Vênus”.
O principal motivo para esse forte índice de radiação é a proximidade do Gliese 12b com sua estrela. “Existe uma faixa de distância em torno da estrela denominada zona de habitabilidade, onde os planetas podem ter água líquida na superfície”, explica o astrônomo. A zona habitável do sistema da Gliese 12 é considerada pequena devido à sua baixa luminosidade. Apesar de diferenças em relação ao Sistema Solar, este pode ser o exoplaneta com temperatura de superfície mais próxima à da terrestre: sua média registrada é de 42 graus Celsius.
Até agora, ainda não foi possível detectar a atmosfera do planeta, necessária para a existência de água líquida: ela regula a temperatura superficial, protege contra radiação nociva e fornece gases essenciais para a vida, como oxigênio e dióxido de carbono.
Ainda que o Gliese 12b não consiga reter atmosfera, ele será um importante objeto de estudo devido às suas similaridades com a Terra e Vênus, ambos planetas que perderam suas atmosferas originais devido a processos violentos. No entanto, apenas a da Terra conseguiu se regenerar e abrigar água líquida. “Em algum momento da história primitiva do Sistema Solar, a atmosfera de Vênus se transformou em algo feroz”, explica Roberto. Segundo ele, em Vênus ocorre uma espécie de efeito estufa tão intenso que não há diferença nas temperaturas do equador e dos polos, que chegam a 460 ºC.
“A pressão atmosférica de Vênus é 90 vezes a da Terra. A composição química é completamente diferente, pois 96% da sua atmosfera é composta por CO₂”, exemplifica o pesquisador. “Tempestades planetárias circulam com ventos a centenas de quilômetros por hora. Por que aconteceu isso? O que mudou tanto em relação à Terra?”, questiona.
O Gliese 12b é apenas um de muitos exoplanetas descobertos recentemente, e não por acaso: esse campo de pesquisa tem crescido exponencialmente com os avanços tecnológicos. Nessa matéria do Laboratório, venha conhecer mais sobre esse mundo (ou mundos) de possibilidades que cativam os amantes do universo.
O mistério dos planetas extrassolares
Os exoplanetas são planetas que se encontram fora do Sistema Solar, em órbita de outras estrelas. Apesar desse campo de pesquisa ter aproximadamente 30 anos, a astronomia existe há milênios. Ramachrisna Teixeira, membro da União Astronômica Internacional e do Gaia Data Processing and Analysis Consortium (DPAC) — grupo de cientistas responsáveis pelo processamento dos dados do Satélite Gaia — concedeu entrevista à Jornalismo Júnior sobre o assunto.
Segundo o professor, a existência de vida fora da Terra é um tema de interesse humano desde a Antiguidade. “Falava-se de um universo infinito de estrelas, planetas e formas de vida além do Sistema Solar. Mas nunca se tinha detectado um exoplaneta até 1995, e isso ampliou muito a nossa visão de mundo e universo”, afirma Ramachrisna.
Entretanto, o senso comum de que as buscas astronômicas têm como principal objetivo encontrar vida extraterrestre é equivocado. “Descobrir vida seria extremamente importante, principalmente por questões existenciais. Mas do ponto de vista da ciência, a necessidade de descobrir outros sistemas planetários é para nos ajudar a entender melhor o próprio Sistema Solar”.
Os retratos de alienígenas, ETs e OVNIs na literatura e no cinema, que têm formas próprias de vida e comunicação, também não são fidedignos às expectativas dos astrônomos. “Quando falamos de vida extraterrestre, muitas pessoas entendem uma busca por civilização. Mas a vida é uma coisa, a vida complexa é outra completamente diferente”, pontua Roberto. Para o astrônomo, o primeiro extraterrestre a ser encontrado será, provavelmente, uma bactéria ou uma alga, seres que existem na Terra há bilhões de anos.
O Telescópio Espacial Kepler, da NASA, foi projetado para buscar exoplanetas habitáveis. Lançado em março de 2009 e aposentado em outubro de 2018, ele foi essencial para o avanço das pesquisas em astrobiologia. A sonda observou as 100 mil estrelas mais brilhantes do céu, e foi responsável pela descoberta de 2720 exoplanetas — mais de um terço do total já analisado.
Roberto explica que, apenas na Via Láctea, existem entre 200 e 400 bilhões de estrelas. Atualmente, há cerca de 5.600 exoplanetas confirmados, dentro ou fora da galáxia. “Parece muito, mas em comparação com o que deve existir por argumentos estatísticos, não é praticamente nada”, afirma.
“Para entender como o nosso sistema se formou, está evoluindo, e vai evoluindo no futuro, é fundamental entender como os outros sistemas se distribuem e evoluem.”
Roberto Costa
Táticas de detecção
O estudo de exoplanetas é um processo delicado e complexo. Para Roberto, encontrá-los, por si só, é o maior desafio atual, pois eles costumam estar localizados muito próximos de suas estrelas.
Existem duas principais formas de detecção. A mais antiga e ainda a mais utilizada é a Técnica da Velocidade Radial: “Se um planeta gira ao redor de uma estrela, ele faz a estrela se mover um pouco, pois ambos se movimentam em torno de um centro de massa comum”, explica Roberto. “O observador vê a estrela se mover com um período igual ao período orbital do planeta.”
A mais recente é denominada Técnica do Trânsito, através da qual observam-se diminuições periódicas no brilho de estrelas. “Quando o planeta transita na frente da estrela em relação à câmera, o observador vê um sutil decréscimo na luz”, diz o professor. Entretanto, é preciso um sistema muito sensível para detectar essa variabilidade e, simultaneamente, corrigi-la em relação às turbulências da atmosfera da própria Terra.
Telescópios em missão
O TESS, responsável pelo descobrimento do Gliese 12b, tem como missão principal a detecção de exoplanetas através do método de trânsito. Ele observa uma grande faixa do céu durante um mês, rastreando mudanças de brilho de dezenas de milhares de estrelas.
Há também o Telescópio Espacial James Webb, concebido para operar no espectro de luz infravermelha, sendo capaz de realizar espectroscopia de transmissão, ou seja, analisar a composição química da atmosfera de um planeta e identificar sinais de processos biológicos e geológicos. Ele foi lançado em dezembro de 2021.
Os planetas refletem pouca luz visível de sua estrela, mas são emissores razoáveis no espectro infravermelho. “O James Webb é muito interessante no estudo de caracterização dos exoplanetas, dos sistemas planetários e da própria atmosfera, porque tem uma capacidade de observação muito maior do que telescópios anteriores”, afirma Ramachrisna.
“Não se sabe ainda se o Gliese 12b tem atmosfera, nem como ela é”, diz Roberto. “Essas questões vão ser alvos prioritários do Telescópio.” Muito além de estudar planetas, o James Webb é capaz de contribuir para o estudo da cosmologia como um todo — do Universo, de sua origem e de sua organização.
Outro instrumento atuante é o Gaia, um telescópio espacial da Agência Espacial Europeia (ESA), cujo objetivo é criar um mapa tridimensional das estrelas ao longo da Via Láctea, mapeando movimentos que codificam a origem e a evolução galáctica. “O Gaia foi lançado em 2014 e revolucionou a base de dados da astronomia”, afirma Ramachrisna. Segundo ele, uma nova quantidade de dados baseados em 66 meses de observação será liberada para o público em 2026. “A expectativa é que a quantidade de exoplanetas detectados e confirmados será triplicada ou quadruplicada.”
Uma nova geração de telescópios
Para estudar exoplanetas tão distantes e de baixa luminosidade, é preciso possuir grandes áreas coletoras de luz. Para Roberto, essa tarefa é muito difícil para os telescópios atuais, que possuem aberturas de diâmetros entre oito e dez metros. “Mas existe uma nova geração de telescópios em construção de escala muito maior, que trazem um imenso potencial de crescimento para a área”, afirma o astrônomo. “Dois deles estão em desenvolvimento no Chile.”
Um deles é o Telescópio Gigante Magalhães (GMT), que está sendo construído no Observatório Las Campanas por um consórcio internacional. O Governo do Estado de São Paulo participará do projeto através de financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). “Ele funcionará como se sete telescópios de oito metros de diâmetro operassem juntos, tendo uma área equivalente a 25 m².”
O outro é o ELT (Extremely Large Telescope), que será o maior telescópio do mundo e está sendo construído no topo de uma montanha no deserto do Atacama. “Ele terá 39 metros de diâmetro e está em desenvolvimento pelo Observatório Europeu Austral (ESO)”, afirma Roberto. A construção se iniciou em 2014, e a expectativa atual é que ele esteja em funcionamento a partir de 2028.
Critérios de habitabilidade e estrelas anãs vermelhas
“Esses critérios, por razões óbvias, são antropocêntricos: a gente está partindo das nossas hipóteses de habitabilidade, do nosso corpo, da própria Terra.”
Roberto Costa
Como relatado pelo astrônomo, todos os parâmetros de busca são baseados no que se sabe sobre a história da vida na Terra. Segundo ele, existem três critérios fundamentais: presença de água na fase líquida, o planeta não pode estar nem muito perto, nem muito longe da sua estrela, e deve ser um planeta de tipo rochoso, como a Terra e Marte.
Além disso, um grande ponto de partida para encontrar exoplanetas habitáveis são as estrelas anãs vermelhas, bem menores e menos luminosas do que o Sol, fatores que facilitam a observação de trânsitos planetários. Isso ocorre pois a passagem de um planeta em frente a uma anã vermelha causa uma diminuição proporcionalmente maior no brilho dessa estrela em comparação a estrelas maiores.
A menor massa também facilita a utilização da Técnica de Velocidade Radial: o efeito da gravidade dos planetas na órbita da estrela é maior e, por isso, a reflexividade causada pelos planetas aumenta.
“O tempo de existência de uma estrela depende da sua massa. As maiores gastam o seu combustível nuclear mais rapidamente e têm um ciclo curto de existência”, diz Roberto. Ele explica que o Sol, por exemplo, completará o seu ciclo após 11 bilhões de anos. Já as anãs vermelhas chegam a permanecer no espaço por trilhões. “A evolução lenta e a luz fraca faz com que seja mais fácil procurar planetas em torno delas, tornando-as um alvo prioritário”, finaliza.
Uma vez encontrados, analisar os exoplanetas não é uma tarefa fácil. Roberto explica que é necessário procurar biomarcadores – moléculas que indicam o desenvolvimento de vida – nas atmosferas. “O estudo não seria a partir de imagens, mas de espectros, decompondo a luz nas suas componentes e procurando a marca espectroscópica de determinadas moléculas”, afirma o astrônomo.
Os principais biomarcadores são o metano, resultante de decomposição da matéria orgânica, e o excesso de ozônio, resultante da fotossíntese. “Existem biomarcadores sendo desenvolvidos para descobrir as moléculas adequadas em diferentes condições de atmosfera e de temperatura”, continua.
Para Roberto, no momento tecnológico atual, o mais importante é aprimorar as técnicas de pesquisa para ampliar a detecção de exoplanetas. “Ainda não é possível desenvolver uma teoria geral da formação de sistemas planetários, porque o único sistema que se conhece bem é o nosso”, realça. A existência ou não de uma regra geral é um tema debatido na comunidade científica, mas a única maneira de testar essa hipótese é investindo na procura.