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A confluência da arte circense tradicional e contemporânea em 2023

Atualmente, o circo se encontra em partes da sociedade que diferem do ambiente convencional da lona

Não se sabe ao certo onde e quando se originou o circo. Segundo dados da Infoescola e da SP Escola de Teatro, existem registros do início da arte principalmente na China, mas também no Egito, Grécia e Índia. 

O circo moderno, criado na Inglaterra, consiste no formato que está no imaginário de grande parte da população. Este tem um formato circular e a presença do picadeiro e da lona.  

Estrutura de uma lona de circo [Imagem: PxHere]

No decorrer do tempo, as práticas circenses passaram a não se restringir mais ao formato tradicional. O circo passou a estar em variados espaços socioculturais, invadindo os teatros, as praças e os demais espaços de arte dentro das cidades. A modalidade se faz presente também em academias, ambientes educacionais e escolares, como estratégia de desenvolvimento de diversos tipos de habilidades. 

Pesquisadores dessas diversas áreas passaram a inserir o circo em seu repertório e, atualmente, tornou-se comum a existência de espetáculos com a presença de mais de uma linguagem artística, não sendo possível enquadrá-los em uma só forma de arte.

O circo além da arte 

Robinson Camargo, artista e educador circense, foi um dos pioneiros na inserção do circo nas academias e escolas da cidade de São Paulo. Formado em educação física pela Unesp, começou a pesquisar o circo como forma de educação corporal e bem-estar durante seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). 

Robinson relata que, na época em que realizou sua pesquisa, não havia muitas fontes que tivessem o circo como objeto de estudo voltado ao desenvolvimento do corpo. “Minha monografia foi quase integralmente baseada em pesquisas de campo, eu fui pessoalmente observar o ensino nas escolas de circo já existentes”. 

Atividade circense adaptada para a melhor idade no Sesc Pompéia [Imagem: Arquivo Pessoal/Robinson Camargo]

O circense ainda relata que a modalidade traz uma riqueza muito grande de movimento. É uma forma de trabalhar os mais diversos músculos do corpo sem a necessidade de movimentos de repetição, como os que são encontrados na musculação, por exemplo. 

“O circo passou, além de arte, a significar qualidade de vida, um tipo de exercício adaptável para todos os corpos e idades. Além disso, passou a ser uma possibilidade de trabalho para aqueles que se encontram fora do ambiente da lona, sendo uma forma de expressão de arte e movimento onde quer que seja”, completa. 

O que ainda falta no circo contemporâneo brasileiro? 

A questão do circo no Brasil é envolta da falta de formação e valorização desse tipo de arte. Não há, no maior país da América Latina, universidades dedicadas ao circo, apenas escolas de nível técnico, tal como a Escola Nacional de Circo do Rio de Janeiro. As escolas estão centralizadas principalmente no Canadá, França, Bélgica, Suécia e China. 

Helena Botosso é uma brasileira de 18 anos que se mudou recentemente para Grugliasco, uma pequena cidade ao norte da Itália. O motivo foi fazer um curso superior de circo na escola Fondazione Cirko Vertigo. Ela conta que o circo sempre esteve presente em sua vida, mas que apenas no ano passado entendeu que precisava sair do país para encontrar o que queria. 

Ela relata que quando passou a ter mais referências sobre o circo no Brasil e em outros lugares do mundo, percebeu que o circo contemporâneo ainda engatinha para se institucionalizar. “No Brasil não existem formações e cursos superiores que realmente promovam a pesquisa e comprovem sua proficiência”. 

Apesar de ter se sentido perdida sobre qual rumo tomar quando escolheu sua carreira, ela diz que no meio circense as direções são muito livres, não há certo e errado. “Não tem uma faculdade pronta ou alguém que te fale o que fazer. Você molda seu próprio caminho”.

Ela justifica que, por ser ainda muito nova e por não ter muitas experiências, têm muita vontade de pesquisar e ter um estudo mais formalizado na área. “Eu queria conhecer melhor o circo em outros lugares. Sair do país não era meu objetivo inicial, foi mais uma consequência”.

Helena Botosso em apresentação no Cabaré de Fim de Ano do Galpão do Circo em São Paulo [Imagem: Arquivo pessoal/Leonardo Gallo]

Camargo fala também sobre as decorrências da falta de uma educação formal do circo. “Por um lado, a difusão do conhecimento das técnicas circenses é muito boa, uma vez que amplia o lugar de representação dessa arte. No entanto, existem pessoas que, só por saberem a execução dos movimentos, creem que estão aptas a ensinar”. Ele ressalta a importância da didática e de uma formação do professor voltada para o conhecimento da dinâmica e funcionamento corporal. 

Ele destaca ainda um efeito rebote que ocorre na contemporaneidade. Nas escolas e nas academias, o circo vem sendo muito desenvolvido como ginástica, deixando de lado a veia artística. “Percebo que os artistas mais novos são muito bem preparados tecnicamente, mas artisticamente são muito imaturos. Falta um complemento que vá além da execução dos movimentos e que parta para o campo da arte e da interpretação”.

O lugar das lonas e picadeiros 

O circo tradicional é até hoje formado por famílias. Os saberes eram e ainda são passados das gerações mais experientes para as gerações mais novas e, desta maneira, o conhecimento fica restrito aos seus integrantes.

Giovanna Robatini, artista do tradicional Circo Encantado, conta que existem registros da família Robatini no meio circense desde 1894. Ela relata que desde seus dois anos de idade já sentiu interesse por continuar na arte. “Quando era bem pequena comecei a entrar nos espetáculos com meu pai como palhacinha. Sempre foi uma vontade estar ao lado de meus pais nas apresentações”.

Circo Encantado visto de cima [Imagem: Divulgação/Épik Comunicação]

Atualmente, Giovanna tem um número individual de Bambolês, e esse interesse veio ainda quando criança. Ela e seu pai tiveram de buscar conhecimento em lugares alheios ao circo da família para montar o número, pois ninguém das gerações passadas entendia sobre a modalidade. “Vimos vários vídeos do Cirque du Soleil e de outras apresentações para montar a minha”. 

A artista comenta que, hoje em dia, apesar da maioria dos conhecimentos do circo serem passados pelas gerações, eles não são restritos a isso. “Em nossas folgas sempre vamos para outros circos para nos inspirarmos em diferentes apresentações”.

Ela conta também que, no circo de sua família, existem pessoas que não são da família Robatini. Como em qualquer emprego, os artistas são contratados de outros lugares. “Normalmente eles [os artistas] já têm os próprios trailers para trazer para o nosso circo”. Além disso, existem membros da família que optam por sair do meio do circo assim que atingem a maioridade. “Eu tenho uma tia que ama o circo mas que casou com um rapaz da cidade. Quando ela fez 18 anos, deixou o circo para fazer faculdade de direito e hoje é advogada em Campinas”. 

Giovanna Robatini em apresentação. [Imagem: Divulgação/Épik Comunicação]

O nomadismo é uma forte característica do circo moderno e tradicional, com curtas temporadas de apresentações em cada cidade. Giovanna conta que no Circo Encantado o planejamento inicial é de 30 dias para cada temporada, ou seja, um mês permanecendo em cada cidade que o circo passa. No entanto, esse tempo pode variar de acordo com o movimento e a adesão do público. 

Ela também pontua que a escolha das cidades é única e exclusivamente de seu avô, o proprietário do circo. “Muitos acham que a cidade que chama o circo para se instalar, mas não, é sempre a gente que vai atrás”. 

No Brasil, de acordo com os pesquisadores Jonathan Brites Sena e Natássia Duarte Garcia Leite de Oliveira, a educação nômade dos filhos dos circenses é um entrave social: em muitos casos, por estarem em constante mudança, as crianças circenses não conseguem ter continuidade na vida escolar.

“Em cada cidade que o circo passava eu estudava em uma escola diferente. Toda a minha vida escolar foi assim. Eu nunca fiquei um ano em uma escola só”, comenta Giovanna. A circense conta que em todas as escolas pelas quais passou, sempre seguiu o mesmo método de ensino. “É sempre a mesma apostila e os mesmos uniformes, assim fica mais fácil para a gente não se perder”. 

Ela fala também sobre uma lei que garante vagas nas escolas para filhos de circenses. O projeto de lei 6903/02 foi aprovado pela Comissão de Educação e Cultura em 2012. Este obriga as escolas públicas e particulares a garantir vagas aos filhos de profissionais que exerçam atividades artísticas itinerantes e vale para crianças e adolescentes de 4 a 17 anos de idade.

Giovanna diz que sempre conseguiu conciliar bem os estudos e as apresentações. “Sempre fomos para a escola pela manhã e os espetáculos são à noite, então sempre tivemos a tarde toda para estudar”. Ela fala também que seus pais sempre foram muito rígidos com os estudos e flexíveis perante às apresentações. “Não havia problema se eu tivesse que deixar de me apresentar para estudar”.

O circo, em pleno século 21 e com o advento das novas tecnologias, se mantém firme em sua tradição. Giovanna conta que o circo sempre “acompanhou a modernidade” para continuar atraindo o público mais jovem, apesar de manter os costumes.

Apesar do básico da estrutura do espaço circense tradicional continuar preservado, muitas coisas mudaram, principalmente por segurança. “Depois do episódio do incêndio do Gran Circo, muito mudou na vida dos circenses. A lona, por exemplo, passou a ser anti-chamas”. 

Gi Robatini, como é conhecida no mundo das redes sociais, além de artista circense, é influencer digital. Ela começou a gravar vídeos para o Tiktok sobre a rotina do circo na pandemia, um momento de muita dificuldade para os artistas. “Depois de meu primeiro vídeo, passaram a surgir muitas perguntas sobre a vida no circo”. 

Ela comenta que o sucesso na internet contribui para o resgate do público mais jovem para os espetáculos. A circense se sente muito grata com o retorno do público. “Várias pessoas vem me falar que tinham uma ideia completamente errada do circo e que, ao verem os meus vídeos, essa ideia mudou”. 

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