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A Feira do Livro: ‘Do sonho ao mito’ e o pesadelo Yanomami

A mesa que contou com a participação da antropóloga Hanna Limulja e do neurocientista Sidarta Ribeiro abordou as perspectivas do sonho na cultura Yanomami e no contexto urbano e finalizou com uma reflexão sobre a questão indígena no Brasil

Na última semana, do dia 8 ao dia 12 de junho, ocorreu A Feira do Livro na Praça Charles Miller, no estacionamento do estádio do Pacaembu. O evento gratuito, promovido pela Associação Quatro Cinco Um e pela Maré Produções, contou com palestras, estandes de diversas editoras e sessões de autógrafos. O Laboratório esteve no evento e acompanhou a mesa “Do sonho ao Mito” com Sidarta Ribeiro, professor titular de Neurociência no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Hanna Limulja, doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O evento foi mediado por Paula Carvalho com apoio do Instituto Serrapilheira.

 

A imagem mostra a mesa "Do sonho ao Mito": da esquerda para direita: Sidarta Ribeiro, Paula Carvalho e Hanna Limulja no auditório Armando Nogueira. Próximo a eles está o cartaz do Instituto Socioambiental (ISA).
Da esquerda para a direita: Sidarta Ribeiro, Paula Carvalho e Hanna Limulja com cartaz do Instituto Socioambiental (ISA) “Onde estão Dom Phillips e Bruno Pereira?” [Imagem: Arquivo pessoal/ Melannie Silva]

 

Paula iniciou introduzindo os convidados e as produções que motivaram o encontro. Sidarta está lançando um novo livro intitulado Sonho manifesto: Dez exercícios urgentes de otimismo apocalíptico, em que o autor reúne reflexões de cientistas, pajés, xamãs e mestres dos saberes populares para falar sobre a importância de sonhar com o futuro do planeta. A obra de Sidarta se relaciona em partes com a tese de doutorado da Hanna, a qual também foi transformada em um livro, O desejo dos outros: Uma etnografia dos sonhos Yanomami, em que a pesquisadora busca entender as funções sociais e políticas do sonho na cultura desse povo indígena que vive na fronteira entre Venezuela e Brasil. 

Ao serem questionados sobre o que é o sonho, em suas respectivas obras, Hanna expõe que a centralidade do sonho na cultura Yanomami é uma forma de estar no mundo: “[o sonho] é como o ar” e também é um ato político. Davi Kopenawa, xamã Yanomami, fala que os “brancos” têm escola e os indígenas têm sonhos: “o sonho é primordialmente uma forma de conhecer o mundo, tudo [para os Yanomami] passa por essa instância”, afirmou Hanna. A seguir, Sidarta comenta que o estudo dos sonhos é algo recente na biologia e que a vivência urbana desconectou as pessoas do ato de sonhar. Ele ressalta como o sonho é visto como um ruído desconexo de sentido: “as pessoas podem até sonhar no meio urbano, mas não fazem nada com isso. Não tem ninguém genuinamente interessado em ouvir.” Hanna complementa dizendo que os sonhos são compartilhados entre os Yanomamis.

Paula comenta sobre como o sonho na nossa sociedade está calcado nas ideias da psicanálise, por meio do contato com o inconsciente, enquanto na cultura Yanomami ocorre o contrário, é um processo do exterior para o interior. Ela pede para que os convidados falem sobre esta dualidade. Sidarta inicia fazendo uma defesa da psicanálise e afirma que o inconsciente não pode ser visto como uma redução do ego. Ele cita exemplos de civilizações antigas, como o Egito e os povos mesopotâmios, que utilizavam o sonho como uma forma de alcançar respostas exteriores a elas, acessando os imagos da mente. Hanna menciona que iniciou seus trabalhos em 2008 e que sempre ficou intrigada com a ausência do sonho em pesquisas sobre esse povo, ainda que esse fosse um elemento cultural muito forte: “há uma resistência muito forte da antropologia de não reconhecer a psicanálise como uma interlocução”. 

Na sequência, Paula questiona o porquê do sonho ser tão desprezado pela ciência, como forma de conhecer o mundo. Sidarta diz que esse processo ocorreu com a invenção do capitalismo e com o fortalecimento do conhecimento científico. “A ciência tomou o lugar do sonho como ferramenta de prever o futuro”. No século 19 há um movimento de resgate com Freud, mas no século seguinte, essa tentativa de união da psicanálise com as ciências biológicas, é profundamente combatida por especialistas de ambas as áreas. O sonho deixa de ser um elemento de interesse científico e perde espaço na sociedade capitalista. Para Sidarta, tem sido função do 21 romper essas categorizações que são artificiais. Hanna complementa que esse movimento de “escanteamento” do sonho está ligado ao controle sobre o indivíduo. Todos podem sonhar, independente da posição social que ocupam, remover a potencialidade transformadora dos sonhos é reduzir o caráter revolucionário do sujeito que idealiza uma realidade diferente. 

Paula pergunta de que forma o sonho é um ato político. Hanna fala que a pior coisa para um Yanomami é ser xiimi (avarento) e que nossa cultura comercial fomenta muito o não compartilhamento. A cultura de sonhos compartilhados, para os Yanomami, não inclui apenas o seu povo, mas todos os que habitam o planeta, “quando o céu cair, vai cair para todo mundo”. Sidarta comenta sobre fenômenos de sonhos coletivos e o poder de transformações que eles tiveram em sociedades antigas, salienta que nesses casos é mais relevante focar no caráter de mobilização do que na existência de elementos extra físicos. “[Sobre Dom Phillips e Bruno Pereira] estamos vivendo um pesadelo coletivo e é mais relevante pensar em como podemos alinhar vetores para mudar a realidade, do que se sonhar ou não com essas pessoas significa se elas de fato estão vivas ou não, isso é assim em quase todas as culturas humanas e deixou de ser dessa forma na matriz europeia-capitalista”. 

O debate foi finalizado com Hanna comentando sobre o “pesadelo” Yanomami, devido ao avanço do garimpo ilegal, aos altos índices de contaminação por mercúrio e à luta pela demarcação de terras reconhecida pela Constituição de 1988, contra o Marco Temporal. “Os Yanomami estão resistindo. Eles têm consciência de que o que acontece com eles, acontece com a gente. Nos falta ter essa consciência também, esse não é um problema só deles. O Brasil é o quarto país que mais mata ambientalistas e os indígenas estão entre os que mais morrem.”

Para saber sobre as mesas do dia 10 de junho, confira a cobertura feita pelo Laboratório aqui.

 

*Imagem de capa: arquivo pessoal/Melannie Silva

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