O que você pensa quando se fala em guerra? Aposto que muitas das imagens que passam por sua cabeça envolvem armas, uniformes militares e soldados…homens. Pode até se lembrar das enfermeiras na retaguarda, mas no front, com certeza, somente homens. Não te culpo, eu também pensava assim. A grande verdade é que a história das guerras, retratada em livros e filmes, nos é contada sob o ponto de vista masculino e nele, raramente, aparecem os grandes feitos das mulheres.
Em A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (Companhia das Letras, 2016), a ganhadora do Nobel de Literatura de 2015, Svetlana Aleksiévitch, busca retratar uma parte esquecida da Segunda Guerra Mundial: a participação das mulheres soviéticas no Exército Vermelho. Em nome da pátria, quase um milhão de mulheres lutaram pela União Soviética, no entanto, poucas tiveram a oportunidade de contar esta experiência. Empenhada em mudar a situação, Svetlana, ao longo de 26 anos, recolheu centenas de relatos sobre a guerra que estas mulheres viveram e, pela primeira vez, deu a elas o protagonismo que mereciam.
Ao longo das 392 páginas, a autora faz um breve diário, contando o que sentiu ao ouvir as histórias daquelas mulheres, para quais lugares viajou para encontrar as personagens e até o que foi censurado, por um censor e por ela própria. Mas a maior parte do livro é constituído pelas memórias das mulheres e, ao ler, é possível ouvir as vozes de todas elas, cada uma com a sua particularidade e carregadas de sentimento.
Enfermeiras, médicas, francoatiradoras, engenheiras, cozinheiras, carteiras, lavadeiras, batedoras, fuzileiras, motoristas e sapadoras. As mulheres ocuparam os mais diversos cargos do Exército Vermelho, todas com a mesma importância, muitas ainda adolescentes, com 17 ou 18 anos. Passaram por experiências difíceis de explicar e muito mais complicadas de entender. Deixaram a terra natal, pais, mães e filhos e, com coragem, derrotaram o exército da Alemanha nazista.
A guerra delas não é a mesma contada nos livros de história, há muito mais sentimentos e sensações. O cheiro e a cor do sangue; o som dos ossos quebrando; os uniformes e as botas muito maiores do que deveriam ser; as árvores queimadas; os animais mortos; o desejo de continuar bonita, cantar, usar salto e vestidos, fazer tranças no cabelo, viver; o amor em meio à desgraça; a tristeza que acompanha a vitória. O pós-guerra também é diferente: enquanto os homens se tornaram os heróis da nação, as mulheres do front foram estigmatizadas por sua participação na guerra, resultando no silêncio da maioria delas.
A leitura, confesso, muitas vezes é difícil por tratar de um assunto tão triste e desumano. Mas Svetlana acerta justamente em revelar a humanidade por trás de um episódio tão obscuro. Reconstruindo a história e dando a devida importância para as mulheres, Svetlana consegue colocar o leitor no lugar das personagens e constrói uma obra essencial e extremamente tocante.
Por Beatriz Arruda
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