Entre os grandes gêneros cinematográficos, é bastante comum encontrarmos narrativas que se passam durante a Segunda Guerra Mundial. Nada mais justo, tendo em vista que ela é um dos eventos históricos mais intrigantes do ponto de vista social, cultural e político. Porém, abordar um tema como esse nas telonas sem parecer repetitivo ainda é uma tarefa difícil. Para contornar esse desafio, nada melhor que apostar em uma originalidade no roteiro, um dos primeiros pontos altos de A Tabacaria (Der Trafikant, 2018).
Apelando para um olhar de transição da juventude à vida adulta, o longa traz à tona conflitos internos de um jovem do começo de século 20 em meio a uma realidade que dá passos cada vez maiores à barbárie. Temas como o amor, a família e frustrações internas marcam presença no roteiro do filme austro-alemão.
Na trama, depois de perder o pai, Franz (Simon Morzé), um jovem de 17 anos, é enviado pela mãe para a cidade de Viena, na Áustria, para trabalhar como aprendiz em uma tabacaria. Lá, ele conhece desde o seu primeiro amor até personalidades renomadas como a de Sigmund Freud (Bruno Ganz).

Arcos de personagens que envolvem uma paixão ou um mentor em meio às mudanças da vida já não são novidade entre produções da sétima arte. Entretanto, eles serão bem-vindos caso bem contextualizados. Em A Tabacaria, a direção cuidadosa do austríaco Nikolaus Leytner cria atmosfera que convida a abordagem desses assuntos. Colocá-los em um momento de transição política e social na Europa foi o primeiro passo para atrair a atenção do público.
O protagonista e demais personagens ligados a ele evoluem ao passo que o mundo ao redor deles também. O cuidado aparece no momento de lidar com essas mudanças. Elas não parecem artificiais e muito menos absurdas, é com o casamento entre a ambientação e roteiro que o filme caminha.
Junto ao deslocamento de tom proporcionada tanto pelos personagens quanto pelo contexto social e político que envolve a trama, temos o fator técnico. Trilha sonora, fotografia, figurino e a construção de cenários funcionam harmonicamente para jogar o espectador para dentro de uma Europa pré-Segunda Guerra.
Adaptado do livro homônimo de Robert Seethaler, A Tabacaria não deixa de desenvolver ideias originais. Como o próprio diretor afirmou em entrevistas, a visão que ele gostaria de ter para adaptar a obra é a mais primária possível. Por isso, leu a obra somente duas vezes. Com isso, o austríaco teve liberdade para explorar o lado mais onírico — literalmente — da vida de um jovem de 17 anos.
Ao extrapolar o uso de sequências mais fantasiosas e irreais, representadas pelos sonhos de Franz, o longa acaba se distanciando de parte do público interessada em uma narrativa mais objetiva. Junto a isso, um começo de filme mais apressado que, no fim das contas, não entra em conformidade com o tom do resto do longa acaba sendo um fator não tão bem executado.

A premissa do best-seller adaptado permitiu à obra de 2018 desenvolver muito bem relações entre personagens. Relances de identificação com o protagonista podem ser frequentes para uma parte do público, ainda mais quando ele entra em contato com os demais integrantes da trama. O mentor, um amor, uma figura paterna e a mãe acabam sendo elementos que prendem o espectador ao desenvolvimento da narrativa.
Como resultado, temos aqui um roteiro que aborda um pilar da psicanálise representado pela carismática figura de Freud, um lado político, retratado por personagens subversivos dentro de uma nova ordem política e uma direção mais subjetiva quando lida com os conflitos internos de Franz.
É com essa verdadeira mistura de emoções que A Tabacaria conquista aquele público interessado em uma boa história de evolução em meio a um contexto tão tenebroso que certamente não encontra-se preso aos livros de história.
O longa chega aos cinema no dia 5 de setembro. Confira o trailer abaixo: