Por Maria Eduarda Lameza (duda.lameza@usp.br)
Você já parou para refletir como a mente humana funciona? De onde vem o amor, ou o preconceito? O que nos leva às atitudes que tomamos? Essas sempre foram algumas das minhas curiosidades. Foi exatamente por isso que fiquei tão surpresa quando soube de um livro que afirma ter o ousado propósito de responder a todas essas questões. Publicado pela primeira vez em 1972, O Animal Social (Editora Aleph, 2023) foi escrito pelo psicólogo, pesquisador e professor estadunidense Elliot Aronson e reeditado em 2023 — a fim de manter a obra atualizada, já que a ciência está em constante evolução — com seu filho, o também psicólogo, Joshua Aronson.
As expectativas para esse livro já estavam elevadas antes mesmo do início da leitura, movidas pela proposta de elucidar essas questões mentais. Quando comecei, logo no prefácio feito pelo escritor, palestrante e empresário Eduardo Moreira, essas expectativas se tornaram ainda maiores à medida que ele explica como O Animal Social teve um papel transformador na sua trajetória, que o levou de banqueiro a fundador do Instituto Conhecimento Liberta.
O autor, ainda no primeiro capítulo, também contribui para aumentar o anseio pelas respostas que o seu livro propõe dar. Ele o faz contando a história da obra, de onde veio essa ideia e como foi seu processo de escrita. Elliot lembra que passou o ano de 1970 escrevendo o livro, após não ter conseguido esclarecer a uma dúvida de um de seus alunos da disciplina de Introdução à Psicologia Social da Universidade de Stanford. “Essa é uma ciência jovem”, respondeu o professor e, logo em seguida, se arrependeu. Elliot não aceitou sua própria justificativa — de que a psicologia social é uma ciência jovem — para não ter conseguido responder a seu aluno. Por isso, o psicólogo escreveu um livro cujo objetivo era reunir as descobertas dessa área não tão jovem de forma clara a fim de esclarecer as dúvidas até de pessoas leigas na ciência.
‘Sempre me fascinou ver como as pessoas são fascinantes’
O Animal Social consegue abordar temas complexos e difíceis de explicar de uma maneira simples, que flui bem. Durante a leitura, tive a sensação de estar em uma mesa de bar tendo um bate-papo informal, em que um colega psicólogo respondia a todas as minhas dúvidas sobre a mente e o comportamento humano.
Dentre os temas abordados, estão a cognição social, a construção da identidade, a autojustificação, a conformidade, a persuasão, a agressão, o preconceito e o amor. Todos esses são objetos de estudo da psicologia social, mas, afinal, o que é isso? Essa é uma das primeiras perguntas que Elliot busca responder e para isso recorre até mesmo à filosofia:
“O homem é, por natureza, um animal social […]. A sociedade é, na natureza, algo que precede o indivíduo. Aquele que não consegue viver em comunidade ou que é tão autossuficiente que não precisa fazê-lo, ou é uma fera, ou um deus.”
Aristóteles
Elliot começa o livro com a proposição de que o homem é um animal social, ou seja, depende da interação humana para a sobrevivência, foi proposta por Aristóteles na obra Política de 328 a.C. A psicologia social é a ciência que não apenas comprova essa teoria, mas também estuda a influência que um ser humano pode exercer sobre outro.
Um exemplo desse poder da influência social é o caso abordado no livro. Em 1977, nos Estados Unidos, o reverendo Jim Jones convenceu os fiéis de sua igreja a se mudarem para a Guiana a fim de criar uma utopia, um paraíso na terra. No ano seguinte, uma investigação do congresso americano ameaçava a existência do grupo. Então, Jones pediu que seus seguidores envenenassem seus filhos e a si mesmo. Na tragédia, 613 pessoas mataram seus próprios filhos no episódio que ficou conhecido como o “Massacre de Jonestown”.
O autor usa esse caso para mostrar que, quando um pai mata seu filho, isso pode ser considerado um caso isolado. Porém, quando ocorrem assassinatos e suicídios em massa, o perigoso poder da influência social se torna evidente. Segundo Elliot, o fato de os seres humanos serem tão influenciáveis vem da necessidade primitiva de sociabilidade e pode explicar algumas questões como o funcionamento da persuasão, da propaganda e a propagação de preconceitos.
O uso de exemplos práticos e não apenas teses e experimentos em laboratório somado à linguagem acessível — que evita o cientifiquês que já me fez abandonar tantos livros, mas também respeita a capacidade de compreensão do leitor — constrói a fórmula do sucesso da obra, que chegou à primeira posição do ranking de best-sellers da revista Veja. Essa fórmula, entretanto, não funcionaria sem o interesse e fascínio genuínos e evidentes dos autores pelos seres humanos e suas ações.

O perigo do fascínio
No capítulo final da obra, intitulado “Psicologia social como ciência”, os autores levantam a seguinte questão: “e se nossas descobertas forem mal utilizadas?”. Pesquisas científicas frequentemente acompanham dilemas éticos, como os debates acerca da clonagem e das modificações genéticas. Esses dilemas, no entanto, não se restringem apenas a cientistas de jaleco branco. Na psicologia social, como o objetivo é entender o comportamento humano, O Animal Social traz teorias que buscam explicar nossas ações, que são comprovadas por meio de experimentos sociológicos e da observação de exemplos reais — como o massacre de Jonestown, que pode ser explicado, dentre outras razões, pelo impacto da influência que é exercida por grupos sociais em que estamos inseridos.
A questão é que essas teorias podem ser mal interpretadas, como a teoria evolucionista de Darwin, que chegou a ser utilizada para justificar a colonização e escravidão, no que ficou conhecido como darwinismo social. No contexto do livro, uma das teorias que me causou certa preocupação foi a do “pensamento Nós versus Eles”. Elliot Aronson explica que “a evolução moldou nossa mente para ser tribal”, isto é, para nos dividirmos em grupos e caracterizarmos um outro indivíduo como parte do nosso grupo ou não.
Essa divisão aconteceria de maneira quase automática dentro da nossa mente com base na “teoria da identidade social”, proposta pelo psicólogo social Henri Tajfel, que afirma que a participação em grupos — religiosos, políticos, nacionais e ocupacionais — favorece a criação de uma sensação de pertencimento e autoestima, que molda uma percepção discriminatória em relação àqueles de fora do nosso grupo. Para Elliot, essa é uma característica natural: “está no nosso DNA”, isso porque, na época dos caçadores-coletores, proteger-se da outra tribo, uma ameaça concorrente, era necessário para a sobrevivência.
Embora o autor mencione que é possível nos educarmos com o intuito de “corrigir esses impulsos automáticos”, seu fascínio pelo tema pode levar a interpretações que justifiquem e normalizem questões intoleráveis, como preconceito e discriminação em suas diversas formas. Elliot finaliza a obra com aquilo que acredita ser sua responsabilidade enquanto psicólogo social: “educar o público sobre como as técnicas e conhecimentos sociopsicológicos podem ser usados para um bem maior, manter-me vigilante contra o abuso dessas técnicas e conhecimentos e promover boa pesquisa”. Mas, será que, mesmo com os exemplos práticos e a linguagem acessível, essas responsabilidades são suficientes para evitar que essas descobertas não sejam mal utilizadas?
*Imagem de capa: Reprodução/Editora Aleph