Por Louisa Harryman (louisacoelho@usp.br)
O Festival Internacional de Documentários ‘É Tudo Verdade’ completou a 30° edição e aconteceu simultaneamente em São Paulo e Rio de Janeiro, durante os dias 3 e 13 de abril de 2025. Desde a sua estreia em 1996, o festival é referência em cinema documental e vitrine para a excelência da diversidade audiovisual brasileira e internacional.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Amir Labaki, cineasta fundador e diretor do É Tudo Verdade, falou sobre a história do festival e o cenário do cinema documental brasileiro e internacional. “Há um reconhecimento histórico de que a produção documental do Brasil é uma das mais originais. Nesses 30 anos, isso só se reafirmou”, contextualizou o profissional sobre o reconhecimento do seu trabalho.

De 30 anos para cá
O fato do É Tudo Verdade ter se consolidado no circuito cinematográfico comprova a aposta inicial de Labaki de que havia um grande número de pessoas interessadas em assistir documentários no Brasil, mas que há 30 anos não tinham facilidade de acesso às obras. “O Brasil tem uma tradição histórica muito forte de produzir documentários rigorosos e originais, o que dava otimismo quanto ao fato de ser possível criar um festival anual, abrindo uma janela nobre para essa produção, ano após ano”, explica o fundador.
A primeira edição, em 1996, surgiu como uma exceção aos festivais de cinema que não dedicavam a devida atenção para gêneros cinematográficos específicos. No primeiro ano foram exibidos 29 documentários, divididos em três seções: Panorama Brasileiro, Panorama Internacional e Retrospectiva, que homenageou Santiago Alvarez.
A programação da 30° edição do É Tudo Verdade reuniu 85 documentários, e incluiu ainda conferências, debates e sessões em streaming. A premiação, que ocorre desde o segundo ano do festival, foi no dia 12 de abril na Cinemateca Brasileira, e as obras premiadas foram reexibidas no dia 13.
Os documentários, segundo Labaki, ganharam muito mais espaço hoje quando comparado ao período de criação do É Tudo Verdade. Se o cinema documental estava muito distante dos hábitos dos espectadores, ele passou a fazer parte do cotidiano com o avanço da internet e os streamings. Para o cineasta, o documentário atinge hoje um público moderno, comprovando que há um enorme interesse de jovens espectadores, talvez futuros documentaristas, em acompanhar o que está sendo produzido na área.
Homenageados
O documentarista britânico Humphrey Jennings e o cineasta brasileiro Vladimir Carvalho são os dois homenageados da 30° edição do É Tudo Verdade. Durante o festival foram exibidos os nove longa-metragens produzidos por Vladimir, que faleceu no final de 2024 e durante toda sua carreira se dedicou exclusivamente ao cinema documental. O cineasta participou do primeiro júri em 1997, e, desde então, foi uma presença constante no festival.
“Eu tenho impressão que a análise temática e sociológica do cinema do Vladimir de certa maneira eclipsou um pouco a força e a originalidade formal do cinema do Brasil”, afirma Labaki sobre as obras de Vladimir Carvalho. O cineasta produziu mais de 20 filmes, a maioria curtas-metragens sobre as experiências dos nordestinos e a história de Brasília, e foi um grande renovador da narrativa não ficcional no país.

Assim como Vladimir, Humphrey Jennings também se dedicou exclusivamente na produção de filmes não-ficcionais. A retrospectiva internacional exibirá oito dos principais documentários produzidos pelo britânico, considerado o primeiro poeta da produção não-ficcional inglesa.
A escolha das obras
Durante o festival foram exibidos 85 documentários de 30 países diferentes. Para escolher quais obras entrarão na programação, o É Tudo Verdade conta com um comitê de seleção formado por cineastas, críticos de cinema e acadêmicos, coordenado pelo fundador Amir Labaki.
Durante o último período de inscrições, que ocorreu entre agosto e dezembro de 2024, o festival recebeu cerca de 2400 candidatos. O entrevistado explica que os critérios de seleção dos documentários são excelência e diversidade: “excelência cinematográfica, audiovisual, estética e diversidade para buscar mostrar o mais amplo plural de vozes que seja possível do Brasil e do mundo”.
O É Tudo Verdade também premia as melhores obras exibidas durante a edição. Entre as categorias de prêmios, destaca-se Melhor Documentário da Competição Brasileira e Melhor Documentário da Competição Internacional, ambas divididas em longas ou médias-metragens e curta-metragens. O júri deste ano é formado por seis especialistas internacionais e brasileiros — Andrés di Tella, Bill Nichols, Eliza Capai, Débora Ivanov, Paulo Sacramento e Roberto Berliner.
O papel social e estético dos documentários
Na visão do fundador, o É Tudo Verdade também atua na defesa da democracia e da arte. Labaki reitera que o evento é “avesso e adversário a toda tentativa de censura e restrição à liberdade de expressão e criação artística”. Apesar do posicionamento do festival, o cineasta defende que nem todo documentário deve ser engajado ou militante, e que a política do cinema documental é estética.
Para Labaki, a importância do documentário é ser uma forma de expressão das pessoas. “Com isso, eu não quero dizer que não haja maravilhosos documentários que são engajados por definição, na sua essência. Mas isso é apenas um dos planetas da galáxia documental”, complementa.
Os próximos 30 anos
Sobre o futuro do festival, o cineasta explicou que não pode prever o que irá acontecer, mas que nesses 30 anos dois fatos se confirmaram: “o documentário venceu e os festivais de cinema são cada vez mais reconhecidos como bússolas do que de melhor está acontecendo em um momento que há uma inflação de produção audiovisual”.
Labaki explica que há razões para acreditarmos que o documentário vá continuar ocupando cada vez mais espaço, até pelo seu papel de antídoto assumido pelo gênero em um mundo cada vez mais pulverizado com desinformações.
*Imagem de capa: Reprodução/Marcos Finotti