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Aprender uma nova língua pode mudar seu cérebro

Quem fala mais de uma língua pode ter vantagens cognitivas e envelhecer com mais lucidez. Entenda por quê.

Poucas experiências são tão impactantes para o cérebro como o aprendizado e o uso reiterado de uma nova língua: são necessários inúmeros processos mentais – em sua maioria inconscientes – para que as línguas sejam constantemente controladas no cérebro do falante. Tais processos ocasionam mudanças na estrutura e no funcionamento cerebral e podem trazer vantagens cognitivas a curto e longo prazo.

Ao contrário do que se acreditava previamente, hoje a comunidade científica é unânime em reconhecer que línguas diferentes são processadas nos mesmos lugares e ativadas conjuntamente no cérebro. Isso significa que uma língua não é “desligada” quando se está usando a outra, de modo que, para controlá-las e evitar interferências indesejadas entre elas, o cérebro emprega mecanismos cognitivos diversos – muitos deles ligados às chamadas funções executivas. Estes mecanismos não são necessariamente linguísticos, mas podem ser aprimorados com o uso constante de uma segunda língua. 

 

Vantagens de bilíngues em funções executivas

pesquisadora ingrid finger
[Imagem: Reprodução/Ingrid Finger]
Segundo Ingrid Finger, professora e pesquisadora de psicolinguística do  Laboratório de Bilinguismo e Cognição (Labico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o córtex pré-frontal é a região do cérebro responsável pelas funções executivas, isto é, as habilidades necessárias para ações complexas, que envolvem planejamento e tomada de decisões. No caso das pessoas que falam mais de uma língua, há evidência de que algumas dessas habilidades são otimizadas, principalmente o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva. 

O controle inibitório é, essencialmente, a capacidade de ignorar estímulos e informações irrelevantes, permitindo que a atenção se direcione para determinada atividade na qual se deseja focar. Finger ressalta que esse controle é o que permite que o falante de mais de uma língua selecione aquela adequada para cada situação, de modo a coibir a interferência da língua não utilizada. 

Pesquisadora Ellen Bialystok
[Imagem: Reprodução/York University]
Em entrevista ao Laboratório, Ellen Bialystok, professora de psicologia da Universidade de York (Canadá), ressaltou que bilíngues são mais hábeis em ignorar distrações. Isso foi comprovado em vários experimentos feitos com o Teste Stroop, um teste amplamente utilizado na neuropsicologia, em que são mostradas palavras que nomeiam uma cor, mas são impressas em outra.

Por exemplo, a palavra “azul” teria suas letras coloridas em amarelo, e os participantes do teste deveriam dizer a cor da fonte (amarelo), sem ler a palavra (azul). Esse é um caso de conflito, em que uma informação menos relevante (a palavra em si) compete com uma informação mais relevante (a cor da fonte da palavra).

 

Pessoas que falam mais de uma língua têm maior facilidade no teste stroop [representado na imagem]
O teste Stroop se baseia no trabalho de doutorado de 1886 do psicólogo estadunidense James Mackeen Cattell. Ele defendeu que se levaria mais tempo para nomear as cores do que para ler as palavras.

 

Bialystok conta que bilíngues se saíram melhor do que monolíngues nesse teste. Esse resultado indica que falar mais de um idioma pode trazer vantagens nas funções executivas associadas à capacidade de suprimir impulsos e fatores de distração. 

Já a flexibilidade cognitiva é, em termos gerais, a capacidade de agir conforme as demandas do ambiente. Finger explica que um exercício de flexibilidade cognitiva é o code-switching, um processo consciente em que o bilíngue insere elementos de uma língua na outra – ao iniciar uma frase em português e acabá-la em inglês, por exemplo. 

Pesquisador Augusto Buchweitz
[Imagem: Reprodução/Augusto Buchweitz]
Segundo Augusto Buchweitz, professor e pesquisador de cognição e neurociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o code-switching ocorre porque o acesso semântico à segunda língua é automático para bilíngues proficientes. Em outras palavras, eles não precisam pensar primeiramente em determinado termo da língua nativa para, então, pensar no termo equivalente da segunda língua. Buchweitz também explica que é comum que o bilíngue use palavras da segunda língua quando não encontra termos na língua nativa capazes de expressar determinado sentido.

 

Cérebro com mais escolhas trabalha mais

Finger baseia-se em um estudo de 2005 para explicar que a principal diferença entre o cérebro monolíngue e o cérebro bilíngue consiste no nível de ativação de neurônios, isto é, a demanda de neurônios para se fazer determinada atividade. 

No estudo, bilíngues falantes de catalão e espanhol, monolíngues falantes de catalão e monolíngues falantes de espanhol receberam tarefas de nomeação de figuras. Enquanto os participantes nomeavam os desenhos que viam, os pesquisadores fizeram análises de ressonância magnética funcional para identificar quais partes do cérebro estavam sendo ativadas durante a tarefa. 

Descobriu-se que houve maior ativação nas redes neuronais – conjuntos de neurônios conectados – dos bilíngues, principalmente no já mencionado córtex pré-frontal (porção amarela na parte inferior esquerda na Figura a). Como há mais escolhas a serem feitas, o cérebro bilíngue “trabalha” mais.

 

Cérebro de quem fala mais de uma língua e de quem usa apenas a língua materna (nível de ativação maior no cérebro bilíngue)
Nível de ativação no cérebro bilíngue (Figura a) e cérebro monolíngue (Figura b). [Imagem: Reprodução/Daniela Perani e Jubin Abutalebi]

 

Proteção contra deterioração mental 

A maior ativação neuronal é um fator de proteção para o cérebro bilíngue em longo prazo. “É como se esse exercício do córtex pré-frontal tornasse a cognição mais forte. Aí, quando a doença neurodegenerativa aparece, seus efeitos são menores”, explica Finger. 

Na mesma linha de raciocínio, Bialystok afirma que falar mais de uma língua pode adiar os sintomas de deterioração cognitiva (como perda de memória e confusão mental), seja esta provocada pelo envelhecimento natural ou por doenças neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer.

Isso foi constatado em um de seus estudos, que descobriu que o cérebro bilíngue se deteriora com a idade, mas o nível de habilidade cognitiva (que envolve raciocínio, memória e atenção) mantém-se o mesmo. Por isso, muitos pacientes bilíngues com quadros de demência, como o Alzheimer, começam a apresentar sintomas até 5 anos mais tarde do que pacientes monolíngues acometidos pelos mesmos problemas.

 

A idade para aprender uma nova língua importa?

Para Finger, o uso constante das línguas aprendidas é fator crucial para que as vantagens cognitivas se manifestem e sejam mantidas. “Estudos mais recentes encaram o bilinguismo como uma experiência de vida, e o nível de engajamento do cérebro vai depender do quanto se usa a língua”, afirma a pesquisadora. 

De forma análoga, Bialystok enfatiza que quanto mais se pratica uma nova língua, mais significativos podem ser os efeitos dessa experiência para o cérebro, mesmo quando esse aprendizado se dá na vida adulta.

Pesquisador Eduardo Moreira
[Imagem: Reprodução/Eduardo Moreira]
Para Eduardo Moreira, educador e mestrando na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América, no campo de design de aprendizagem, inovação e tecnologia, o que realmente importa para se aprender línguas não é a idade do estudante, mas sim o ambiente de ensino, que deve ser motivador e livre de julgamentos. Além disso, Moreira ressalta que o estudante deve tomar as rédeas do próprio aprendizado, traçando suas metas individuais e planejando os passos para atingi-las, com orientações – mas nunca imposições – por parte do professor. 

Assim, aprender uma nova língua em qualquer fase da vida pode fortalecer a cognição e até mesmo adiar o aparecimento de sintomas de doenças neurodegenerativas.

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