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Árdua rotina

O dia a dia de um vestibulando não envolve só a interminável cadeia de estudos que ele deve cumprir.

por Mariana Cotrim (maricot12@gmail.com)

Todo ano, grande número de pessoas – a maioria jovem – passa por algumas provas buscando a aprovação na faculdade dos sonhos. Mas, com o passar do tempo, as provas para alguns cursos têm sido cada vez mais desafiadoras, tanto por seu conteúdo, quanto na dura concorrência. Este problema em particular já é mais que discutido: poucas vagas para alguns cursos, poucas reservas no sistema de cotas, grande número de alunos que, independente do quanto estudam, ainda sofrem com as injustiças.

A maioria das universidades federais possui como porta de entrada o bom e velho ENEM, e há aquelas com seus próprios métodos de ingresso (UNICAMP, USP e UNESP são os principais exemplos). Além da realização da prova em si, o processo de preparo é muito cansativo e já começa como um enorme desafio para os estudantes. Ao longo do ano, devemos enfrentar inúmeras responsabilidades e uma árdua rotina em função de conseguir o mínimo para passar no curso que queremos. É isso. O mínimo já basta, desde que eu esteja dentro. E a cada hora, uma preocupação diferente.

06:00. Tenho que acordar. Mais um dia exaustivo pela frente. Hoje tem aquela matéria pra estudar, preciso terminar aquela lista e mais a redação estilo ENEM – ou era FUVEST? –, não posso atrasar mais matérias, talvez dê tempo de terminar o último livro da lista daquele vestibular. Vestibular.  Palavra que me faz pensar em angústia, ansiedade, desânimo. Mas também universidade, futuro, independência… Não há como escapar dele: se eu quiser entrar em uma boa universidade brasileira, terei que enfrentar inúmeras provas, primeiras fases, segundas fases, estresse e correria. Mas calma, que vai valer a pena.

Levanto-me e continuo pensando. Pensamento contínuo naquilo, no vestibular. Não vejo a hora de acabar tudo. Quantos meses faltam para que isso acabe? Não posso pensar nisso, tenho que focar nos estudos. Isso, estudos. Vamos voltar à realidade.

7:00. Já estudando. Alguns na escola, outros no cursinho, outros decidem estudar por conta própria. Todos no mesmo barco. Para Rafaela Mota, a opção é o cursinho popular que a Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) oferece, o “MedEnsina”. A aprovação em medicina é, de longe, a que mais assusta as pessoas. Sendo a mais competitiva, o número de candidatos por vaga chega até 312 (UNESP 2018). Nas turmas de cursinho específicas aos alunos que prestam o curso, já vi de tudo: colegas tentando se sabotar, pessoas passando mal no meio da aula e lutando para tentar absorver o máximo de matéria que conseguir. Vai valer a pena.

Mas Rafaela, além das preocupações corriqueiras da vida de uma aluna do pré-vestibular, ainda sofre com mais. Um dos maiores desafios no seu cotidiano é a trajetória até o lugar onde estuda: “o governo não oferece nenhum tipo de benefício transporte para estudantes de cursinho e eu acabo gastando, em média, R$ 70,00 por semana para assistir às aulas.” O valor gasto ao fim de um mês faz bastante falta para a estudante. Não basta a pressão contínua dos estudos. A vida que se passa ao redor da pessoa constitui parte essencial para sua estabilidade emocional, que é, por sua vez, a melhor companheira de um aluno do pré-vestibular.

Companheira que às vezes falta. Para Anah Beatriz, que está no segundo ano de cursinho e ainda não sabe o que prestar, “a pessoa que faz vestibular tem uma mente muito instável.” O processo é responsável por casos de depressão e ansiedade. Afinal, como manter estabilidade emocional em um meio que, pelo simples fato de nos permitirmos descansar, o sentimento de falha preenche nossa mente? “Parece que o resto dos vestibulandos estão estudando e só eu estou descansando um pouco.”, diz Rafaela. Ela não é a única que pensa assim. Todos, em algum momento, duvidamos de nossa capacidade e, independente do esforço, a sensação de incompetência nos inunda. E adeus, estabilidade.

Não só nos momentos de lazer, mas também nos de trabalho, as crises de ansiedade podem derrubar uma pessoa em questão de minutos. Uma sala fechada e quieta com muitos alunos, a vontade de sair correndo do local, náusea e o desejo por um intervalo ou qualquer coisa que o tire de lá. Parece ser a pior sensação do mundo. Mas não importa, é preciso ficar na sala, prestar atenção. Vai valer a pena.

09:00. Dentre as várias coisas que se passam em nossa mente, há também a relação com o espaço no qual temos que viver para que consigamos ser aprovados. Para as pessoas que conseguem se matricular nos cursos pré-vestibulares, a pressão aumenta. Clarisse Soares está no segundo ano do cursinho de medicina e, para ela, o sentimento de competição é incômodo: “todos são concorrentes uns dos outros.”

Outra insegurança. Em algum momento da vida de um vestibulando, haverá questionamentos sobre seu próprio esforço baseado no desempenho de outras pessoas. Há professores que frisam o quão prejudicial pode se tornar a comparação entre alunos. Isso não nos impede de levar nosso pensamento às perguntas “será que aquela pessoa é melhor do que eu?”, “como posso estudar para ter o mesmo desempenho que ela?”.

A vida é ainda mais difícil para aqueles que vieram de escolas públicas. Não é novidade que a cobrança feita pelas provas é muito diferente da realidade do ensino público brasileiro, não há meritocracia que mude tal situação. Isso incomoda Rafaela. Ela sabe que muitas pessoas possuem ainda mais desafios a serem enfrentados , e que não é comum alguém que estude em escola pública passar em um vestibular concorrido. “Ninguém ali saiu do mesmo ponto.” Mas muitos devem aceitar as discrepâncias e enfrentar todo o processo com o que têm, mesmo sendo muito menos que pessoas mais favorecidas.

11:00. Os educadores, algumas vezes, não ajudam. Há sim aqueles que realmente se colocam no lugar do aluno, e que são muito importantes para que estes continuem sua trajetória com esforço e aumentem seu desempenho. No entanto, deparamo-nos com instituições que prezam, acima de tudo, por resultados – afinal, é isso que atrai mais pessoas interessadas em aprovações – deixando de lado a saúde mental do estudante. “Eu me sinto pressionada até pelos monitores do cursinho”, diz Anah Beatriz.

Quando um indivíduo que se esforça diariamente é mais pressionado pelos responsáveis por melhorar seu desempenho, sem que eles levem em consideração sua bagagem emocional, os medos e inseguranças só parecem aumentar. Se aqueles que são minhas maiores fontes de conhecimento me pressionam cada vez mais, isso significa que o que estou fazendo não está nem um pouco bom? Nada dos esforços, das horas de estudos e das noites em claro valeram a pena? Não será possível ser aprovado neste ano? Terei que ficar mais um ano estudando? Eu sou incompetente? Todas essas perguntas penetram em nossas mentes e ficam lá, nos incomodando e, até pior, diminuindo nossa concentração para estudar.

15:00. E os métodos para melhorar a concentração e saber lidar com a ansiedade? Já pesquisei todos. Inspire contando até quatro, expire contando até seis. Faça isso várias vezes até que se sinta mais calmo. Quantas vezes? Não consigo me sentir calma, não posso parar para respirar, não tenho tempo. A quantidade de matérias que as provas exigem e os diferentes assuntos de cada matéria necessitam de tempo para estudar.

Outro inimigo, o tempo. Quem, em algum momento, nunca quis que o dia durasse mais? só para que pudesse ter feito mais coisas. Para um vestibulando, esse desejo é constante, afinal, nunca é possível estudar todos os conteúdos de forma uniforme a tempo do final do ano, quando as provas acontecem. Não é fácil lidar com o fato de que não será possível estudar para tudo. E se justamente o que eu não estudei cair? No vestibular, a sorte também é uma variável. “Me incomoda o jeito como avaliam, levando em conta só um dia do seu ano inteiro de estudo, sendo que todo mundo tem seus dias bons e ruins”, fala Clarisse. Anos de estudo são postos à prova em um dia, este sendo um dia normal, eu posso estar bem, ou com cólica, dor de cabeça… Tudo isso vai interferir na maneira de como faço a prova.

Algo mais para se preocupar. O que fazer para que o dia da prova seja perfeito? Não posso comer nada pesado nos dias perto, nada de peixe cru na semana anterior, não posso correr o risco de ter alguma intoxicação alimentar. Mas e a longo prazo? Não é fácil prever o que vai acontecer naquele dia específico de novembro ou dezembro. Como não ficar – mais – ansioso? No dia anterior à prova, muitos decidem relaxar, mas a verdade é que não conseguem, é preciso dar “uma olhadinha” naquele resumo, naquele fichamento. Pesquisar no Google os possíveis temas para a redação, lembrar daquela fórmula que você sempre confunde. Todos fatores que ajudam na recaída da estabilidade da pessoa. Vai valer a pena.

17:00. E a família? Eles não sabem o que enfrentamos e com quanto nos preocupamos para passar em alguma faculdade. Das preocupações, há sempre o dinheiro: querer fazer uma faculdade pública que possa aliviar gastos em casa, não demorar no tempo de cursinho por conta da alta quantidade que os pais estão gastando para garantir seu futuro… Muitos pais se preocupam, mas sempre soltam aquelas frases clássicas como “você só estuda”, que também acabam com qualquer vestibulando. Como se “só estudar” fosse muito fácil, como se não houvesse outras preocupações, as inúmeras inseguranças e angústias que o processo todo carrega. Como lidar com a pressão que a família coloca, aquela que está sempre com você? Não é fácil ouvir tios, avós, primos questionando o porquê de ainda estar no cursinho e não na faculdade. “Ah, aquele seu primo faz engenharia na federal […]”  São frases que precisamos ignorar se quisermos focar em nossas metas, caso contrário, ficaremos ainda mais sobrecarregados.

19:00. Numa sexta-feira, ou até num sábado, este é o pior horário. Todos os amigos saindo, indo para bares, shopping, cinema. Mas torna-se difícil o controle da vida social junto à rotina de um vestibulando. Os alunos encontram algumas maneiras para aliviar a tensão da semana. Clarisse, Rafaela e Anah Beatriz reservam o sábado e o domingo para o lazer, normalmente passam o dia com amigos e família. Este equilíbrio é de tamanha importância. O problema está no fato de que muitas pessoas não conseguem mantê-lo, ficam isoladas em casa fazendo o que lhes resta: estudar. Esse isolamento, mais uma vez, é um aditivo aos problemas da saúde mental, prejudicando a pessoa. Mas isso muitas vezes não importa, porque vai valer a pena.

21:00. O sono e cansaço são as únicas coisas que persistem depois da rotina. Mas ainda não tem como dormir, a consciência não permite. É preciso estudar mais, o dia não foi produtivo. Dá tempo de fazer mais um resumo, ler pelo menos uns dois capítulos daquela obra. Não posso dormir, tenho certeza de que os outros estão estudando agora e eu serei a única dormindo. Vai valer a pena. E é assim que grande parte dos vestibulandos pensam, deixando parte de suas vidas de lado para lutar por uma vaga sequer. Esperando que a vida na faculdade seja um pouco melhor… Mas aí é outra história.

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