É muito difícil encontrar um filme tão tocante quanto Autismo: O Musical (Autism: The Musical, 2007). Não digo isso somente por tratar de crianças portadoras desse distúrbio neurológico, mas sim da sua simplicidade e carinho na representação dos indivíduos que participam de toda a produção – sejam eles as próprias crianças, seus familiares e amigos do The Miracle Project, que organiza o musical.
![Elaine com as crianças do “The Miracle Project”. Divulgação HBO](http://jornalismojunior.com.br/cinefilos_old/wp-content/uploads/autism-the-musical-1024.jpg)
O autismo
O distúrbio comum a todos os protagonistas deste filme pode ser encarado como uma disfunção global do desenvolvimento, afetando a capacidade de comunicação, socialização e comportamento dos indivíduos, mas o documentário se propõe além de uma revista médica e – ao dar um “rosto” para os casos do distúrbio, tratado do autismo neste grupo de crianças e seus familiares, consegue construir uma maior aproximação com o público; além, é claro, de legitimar sua argumentação a favor da arte como um possível tratamento ou sociabilização para as crianças. Em fade, o filme começa com estatísticas do CDC (Centro de Controle de Doenças americano). “Em 1980, uma a cada 10 mil crianças foram diagnosticadas como autistas. Em 2007, ano em que o filme foi realizado, uma em cada 150”, e o distanciamento cirúrgico do enunciador para por aí.
O documentário vai além de apresentar um grupo de crianças autistas cantando – como o título pode enganar -, sim, é evidente que em algum momento um “musical” acontecerá, mas o The Miracle Project traz o teatro e a música como válvulas de escape para os portadores do distúrbio, e de certa forma, busca viabilizar uma forma de vida melhor para as crianças escolhidas pelo projeto.
Logo no início do filme, Elaine, a criadora do projeto e mãe de autista conta sobre suas motivações para a realização do Miracle. Ao levar seu filho a doutores e submetê-lo a tratamentos mais comuns, encarou que o grupo de especialistas não tinha preparação para lidar com a doença – e que diziam, inclusive, que seu filho era “incomum” demais. Isso incentivou Elaine a buscar o “incomum”: trouxe para sua casa artistas e pessoas envolvidas com o teatro, pois segundo ela, diferentemente dos médicos, “eles não têm problema em encarar aquilo que é fora do comum”.
As famílias e as mães
É interessante notar que a construção do filme é baseada em alguns eixos que se cruzam em diversos momentos. São narrados tanto os processos de criação, ensaio e apresentação do musical, bem como a história de alguns “protagonistas” – estas realizadas a partir de vídeos caseiros e depoimentos no formato de entrevistas, já clássicos do gênero. Essa opção dá o tom de aproximação àquelas famílias que, já entregues ao projeto, compartilham de dores, angústias e medos com o expectador.
A emoção é maximizada ao trazer para as telas relações familiares e interpessoais, tanto que podemos facilmente nos identificar em momentos catárticos: Aquele almoço de domingo com a família, a festa de aniversário ou o momento da tarefa de casa tomam outra dimensão quando captados pelas câmeras. Percebemos o quanto a vida das crianças autistas é próxima e ao mesmo tempo distante da nossa – um paralelo traçado, inclusive, para apresentar momentos de fuga dos portadores do distúrbio, um dos sintomas mais evidentes da doença.
![Momento de ensaio do musical. Reprodução HBO](http://jornalismojunior.com.br/cinefilos_old/wp-content/uploads/henry-05-1024.jpg)
Além da história ser guiada pelo projeto idealizado por Elaine, outras mães também são dotadas de grande importância para o desenrolar da história. São elas as que sempre estão frequentando os ensaios e contribuindo para o processo de socialização de seus filhos. Muitas delas assumem a culpa pelo distúrbio de seus filhos e o filme deixa esta interpretação bastante clara ao contar a história de mães que foram abandonadas ou traídas pelos maridos que não aguentaram a pressão de cuidar de um filho autista.
Rosanne Katon-Walden, que em sua juventude era modelo e capa da Playboy, se vê em uma relação artificial com o marido que a traiu e acaba por projetar todos seus sonhos e expectativas para o filho Adam que sempre, a seu pedido, está ensaiando o violoncelo. Quando vê que seu filho pode não ter um solo, pensa inclusive em abandonar o projeto sem ao menos levar em conta como ele é importante para o desenvolvimento da criança. Ela e todo o “elenco” de pais e mães têm que lidar com os conflitos familiares e casamentos difíceis ao mesmo tempo em que se ocupam com as necessidades, às vezes imensas, que seus filhos autistas possuem.
![Adam durante a apresentação do musical. Reprodução HBO](http://jornalismojunior.com.br/cinefilos_old/wp-content/uploads/adam-1024.jpg)
O filme, reproduzido inicialmente pela HBO – após um curto período de exibição nos cinemas americanos -, recebeu em 2008 dois prêmios Emmy, incluindo “Outstanding Nonfiction Special”, algo como “Prêmio Excepcional de Especial de Não-ficção”, em tradução livre.
Algo também no Brasil
O grupo de origem carioca com Oswaldo Montenegro, a Oficina dos Menestréis, apresenta em São Paulo, no teatro Dias Gomes seu projeto AUT. Além de outros projetos com terceira idade, cadeirantes e portadores da síndrome de down; este espetáculo de direção do irmão de Oswaldo, Deto Montenegro, traz ao palco um pequeno grupo de autistas dispostos a apresentar sua arte.
A peça é o trabalho final de um curso voltado aos portadores do distúrbio que, como o projeto de Elaine, visa – por meio da arte – inserir socialmente jovens e adultos autistas.
por Fabio Manzano
frmanzano1@gmail.com