Na última terça-feira (27), ocorreu mais uma edição on-line do USP Talks. O programa de palestras e debates, que tem como objetivo aproximar a Universidade da sociedade em geral, é promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Jornal da USP. O tema da edição foi o bem-estar animal e contou com a participação de Cristiane Titto, professora associada da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, e de Monica Andersen, coordenadora da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O evento foi mediado pelo jornalista Herton Escobar, do Jornal da USP.
Herton iniciou o evento esclarecendo que o debate abrangeria os animais de pesquisa, principalmente roedores usados em experimentos, estudos e testes científicos, e os animais de produção, que são destinados ao consumo humano na alimentação, a exemplo de aves, suínos e bovinos.
Para definir o conceito de bem-estar animal, Cristiane indicou as cinco liberdades que todo animal deve ter quando submetido à responsabilidade humana: eles devem ser livres de fome e sede; dor e doenças; medo e estresse; desconforto e outras privações que prejudiquem seu comportamento natural.
A pesquisadora explicou que o bem-estar animal seria a adaptação dos animais ao ambiente em que se encontram e que, mesmo no habitat natural, as condições ambientais e climáticas podem não proporcionar o melhor bem-estar possível. A seguir, Cristiane apresentou um gráfico que relaciona o bem-estar do animal com sua produtividade, seja relacionada a objetivos de pesquisa ou de produção (veja abaixo). O nível da crueldade – que consiste em maus tratos ou exaustão do animal, por exemplo –, é atingido quando a produtividade exigida do animal é máxima (pontos D e E do gráfico). Por outro lado, o potencial máximo do bem-estar animal (B) supera até mesmo suas condições naturais (A).
A professora afirma que o objetivo ao se fazer uso de um animal para finalidades humanas deve ser atingir um ponto de equilíbrio em que o bem-estar esteja próximo daquele encontrado na natureza, mas com produtividade elevada (C).
A palavra foi passada à Monica, que argumentou que os animais ainda são fundamentais para a evolução do conhecimento científico. Ela apresentou como exemplo o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, pois, apesar do grande número de pessoas voluntárias para os ensaios clínicos, os testes iniciais em animais foram fundamentais para a aprovação desses imunizantes em tempo recorde.
Mas isso não significa que o uso de animais em experimentos e testes científicos tem futuro garantido. Monica disse que já existem tecnologias capazes de substituir total ou parcialmente os animais em grande parte dos estudos, como modelos computadorizados e cultivo de células, e há uma tendência mundial de queda no número de animais utilizados em pesquisas.
Segundo a pesquisadora, uma convenção que tem grande importância nas discussões sobre o tema é o princípio dos 3R: reduzir o número de animais usados, refinar os métodos de tratamento e substituir (do inglês, replace) os animais por opções artificiais. Logo, mesmo nos casos em que o uso de animais é necessário, é possível aprimorar as técnicas de manejo e usar apenas a quantidade essencial de exemplares.
Aberta a sessão de perguntas, o Laboratório questionou se é possível conciliar a maior demanda por alimentos de origem animal, decorrente do crescimento da população humana, com a garantia do bem-estar animal. Cristiane afirmou que há possibilidades de aumento da produtividade nas áreas de criação animal, por meio do aprimoramento de técnicas e da qualidade da pastagem, por exemplo. Assim, de acordo com a professora, a produção atual poderia ser muito superior ao que se verifica, caso fossem usados métodos mais eficientes e tecnológicos, preservando as diretrizes do bem-estar animal.
Monica e Cristiane também enfatizaram que a regulamentação do bem-estar animal não é algo subjetivo, uma vez que há órgãos dedicados a isso. O Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), por exemplo, é responsável por regulamentações em nível federal. Ele foi criado a partir da Lei Arouca (Lei Federal nº 11.794/08), apresentada como projeto de lei por Sérgio Arouca, em 1995. Há também as CEUAs, que são comissões de ética no uso de animais que devem estar presentes em todo e qualquer local em que se desenvolva pesquisa ou ensino com seres vivos.
Ao fim do evento, as pesquisadoras defenderam que o bem-estar dos animais deve ser o objetivo final quando é necessário usá-los para pesquisa ou produção e que o sofrimento animal é maléfico tanto para eles quanto para a sociedade. Como resumiu Herton Escobar, “o bem-estar animal também é lucrativo”.
A transmissão do evento na íntegra está disponível no YouTube neste link.
Matéria muito interessante e esclarecedora.