Histórias sobre a origem do consumo do chá parecem muito distantes para nós, ocidentais: primeiro, por datarem de mais de três décadas antes do começo da era cristã; segundo, por terem todas acontecido na Ásia, em um mundo de monges budistas e imperadores. Entre lendas de caráter religioso, relatos de cobrança de folhas de chá como impostos e usos medicinais, essa bebida se estabeleceu por séculos como costume no oriente, migrando da China – sua mais provável origem – a países como Japão, Índia e Mongólia.
Em relação à chegada da bebida à Europa, sabe-se que se deu graças aos portugueses, primeiros europeus tanto a chegar à Ásia por vias marítimas quanto a adquirir o hábito de tomar chá. E foi justamente a portuguesa Catarina de Bragança, ao se casar com Carlos II da Inglaterra e levar na mala todos os seus chás e porcelanas, que permitiu o surgimento do que conhecemos hoje como o five o-clock tea britânico. Continentes, vestimentas, recipientes e épocas mudaram, mas a essência do hábito continuou a mesma: a bebida, consumida principalmente por membros de uma elite (religiosa ou aristocrática) em momentos de congregação, continuou sendo dividida entre várias pessoas. No Reino Unido, porém, algo de novo surgiu: o delicioso acompanhamento do chá, feito por sanduíches e doces.
No Brasil atual, quando se pensa em bebida quente, o que vem primeiro à mente é o cafezinho. E isso se dá por motivos tão históricos (apesar de mais recentes) quanto os que justificam a perenidade do consumo de chá na China. Mesmo assim, ao mesmo tempo em que vêm aumentando, nas principais e maiores cidades brasileiras, o número de “cafés gourmet”, discretamente começa também a crescer um segmento inusitado: o das casas de chá. Tentando incentivar o cliente a adquirir um hábito que poucos brasileiros têm, as lojas procuram explorar a essa experiência ao máximo: desde decorações que remetem à casa da avó a uma simples loja de shopping, os ambientes são um reflexo das mais variadas possibilidades de se consumir a bebida. A estudante de jornalismo Victoria Cirino é uma das pessoas que foram conquistadas pelo ramo. Por causa do preço, costuma separar suas visitas por no mínimo quinze dias. Mesmo assim, afirma que a experiência vale muito a pena: “gosto muito de experimentar combinações diferentes de chá que não se encontram em qualquer lugar. As casas costumam ter um ambiente agradável para conversar e o chá cai muito bem com doces, que eu amo”. Utilizando-se daquela tradição espalhada pela Europa por Catarina de Bragança, esse tipo de estabelecimento costuma mesmo ter doces deliciosos para acompanhar as xícaras da bebida.
O Blog da Jota foi conferir tudo de perto, e visitou 3 das mais conhecidas casas de chás de São Paulo.
Os portugueses foram os primeiros europeus a tomarem chá, o que, quem sabe, explica o quanto eles acertaram nessa casa. Aberto na Vila Madalena após o sucesso da matriz em Lisboa, o Bistrô Ó–Chá serve, além de xícaras quentinhas e uma variedade de 44 ervas diferentes, pratos com comidinhas deliciosas. Os bolos, bonitos aos olhos, altos e bem recheados, parecem ter vindo da casa da vó. Além disso, o ambiente colorido e aconchegante faz o cliente perceber que cada mínimo detalhe foi pensado para seu conforto e admiração. As paredes, mesas, bancos e até banheiros decorados chegam a ser uma marca do estabelecimento, que está, infelizmente, fechado desde o dia 5 de agosto. O bistrô vai se mudar para uma casa maior, apesar de se manter na mesma rua. Pela página da casa no Facebook, pode-se acompanhar novidades sobre a nova localização, além de se manter informado sobre a data de reabertura, que ainda não foi divulgada. O ambiente pra lá de aconchegante, que se manteve na vinda de Lisboa ao Brasil, com certeza vai se manter, também, no novo número da Rua Aspicuelta.
Enquanto a Ó Chá mostra mais apego pela tradição, a The Gourmet Tea chama atenção por optar pelo novo e descontraído. Tanto a decoração da casa como o próprio ritual do chá se apresentam muito modernos: no balcão, uma mistura de cores fortes nas luminárias e nas latas do produto à venda; na hora do chá, o próprio cliente aprende a fazer a infusão conforme o tempo marcado no cronômetro – cada tipo de erva possui seu tempo específico. Ao apito do cronômetro, deve-se colocar a jarra sobre o copo, para que assim o líquido seja ao mesmo tempo servido e coado (nada de “folhinhas”!). Uma maneira muito divertida de se envolver ainda mais com a bebida.
The Gourmet Tea – R. Mateus Grou, 89 – PinheirosJá a Talchá possui uma terceira e ainda diferente proposta: suas lojas ficam no interior de shoppings. A casa acaba sofrendo, por conta disso, uma certa influência do frio ambiente de compras, e um pouco da intimidade acaba se perdendo – o que não é necessariamente ruim, apenas é uma consequência da proposta estabelecida. Aliás, justamente por estar dentro de um shopping, o acesso à loja pode ser mais fácil e dinâmico: quem está por ali, passeando, pode ter de repente vontade de ir sem ter planejado, diferentemente do caso em que as casas de chá ficam na rua, onde se costuma planejar mais a ida. Além disso, o charme do estabelecimento não deixa a desejar: a parede decorada com uma enorme variedade de utensílios, como bules e infusores, é o seu grande destaque.
Talchá: JK Iguatemi – Av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2041 – Vila Olímpia Pátio Higienópolis – Av. Higienópolis, 618 – HigienópolisPor Ana Carla Bermúdez e Giovana Feix
anacarlabermudez@gmail.com e gih.feix@gmail.com