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Como governar um país

A Câmara dos Deputados é a caixa de ressonância da sociedade: eleger conscientemente é manter a caixa funcionando   Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br) e Thaislane Xavier (thaislanexavier@usp.br) O sistema bicameral (divisão do Legislativo em duas casas) surgiu no Brasil ainda na época do Império. No entanto, o modo como o conhecemos se deve à Constituição de …

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A Câmara dos Deputados é a caixa de ressonância da sociedade: eleger conscientemente é manter a caixa funcionando

 

Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br) e Thaislane Xavier (thaislanexavier@usp.br)

O sistema bicameral (divisão do Legislativo em duas casas) surgiu no Brasil ainda na época do Império. No entanto, o modo como o conhecemos se deve à Constituição de 1988. Juntos, Senado e Câmara dos Deputados (CD) constituem o Legislativo. Ao lado do Executivo e do Judiciário, formam o princípio da Divisão dos Três Poderes, postulado por Charles de Montesquieu, na obra inspirada no sistema político-jurídico inglês: “O Espírito das Leis” (1748) .

A função primordial dos Poderes é fiscalizar um ao outro. No caso da Câmara dos Deputados, as atribuições se estendem também a outros setores. Além de seu papel como legisladores de políticas públicas e reguladores dos recursos públicos, os deputados são “a caixa de ressonância de nossa sociedade”, explicita Alexandre Azevedo, servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO).

Essa Casa Legislativa é formada por 513 deputados federais, divididos segundo um sistema proporcional, que leva em consideração a população de cada estado. Nessa lógica, Roraima ‒ o estado menos populoso da Federação ‒ possui a menor quantidade possível de parlamentares: 8. Em contrapartida, São Paulo possui 70, máximo permitido pela legislação.

Ilustração: Thaislane Xavier – Comunicação Visual Jornalismo Júnior

Como autêntica representante do povo, a CD possui um sistema eleitoral diferente do Poder Executivo. Ao contrário do Presidente, que precisa da maioria dos votos para ser eleito, os deputados devem representar a pluralidade brasileira, explica a cientista política da Universidade de São Paulo (USP), Joyce Luz. “O Brasil é composto por uma sociedade plural. Isso afeta o país não só culturalmente, mas tudo, em termos do que precisamos garantir: direitos sociais, civis e políticos.”

Nesse sistema proporcional, os votos são contabilizados de forma que possam possibilitar a inclusão de legendas menores. “Quando a pessoa vota em um deputado federal, ainda que ele não tenha sido eleito, o voto favoreceu o partido político e pode ter ajudado a eleger algum deputado desse mesmo partido”, explica Alexandre.

Seguindo essa linha de pensamento, as comissões formadas dentro do Congresso Nacional também buscam abarcar a maior diversidade possível de legendas. “Todos os partidos têm representantes nas comissões, considerando a proporcionalidade do próprio partido dentro da Câmara”, continua o servidor do TRE. Comissões são assembleias de parlamentares responsáveis por iniciar os projetos de lei, provendo aparato mais técnico e burocrático. Isso significa que os deputados envolvidos pensarão no impacto da política pública para a sociedade, nos profissionais necessários e nos gastos envolvidos para sua execução, levando em conta o Orçamento da União.

A Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) é a mais importante do Congresso Nacional, uma vez que avalia todos os projetos de lei e emendas, a fim de verificar a constitucionalidade. Apenas após essa decisão, o documento é encaminhado para o Plenário ‒ reunião dos 513 deputados ‒, que decide em última análise. Alexandre explica que a quantidade de votos necessários para aprovação depende da matéria analisada. No caso de emendas à Constituição, por exemplo, é necessária a aprovação de ⅗ dos membros, totalizando 308 deputados.

Além da CCJ, o Supremo Tribunal Federal (STF) também pode julgar a constitucionalidade de uma matéria seguindo a lógica de interação entre os Três Poderes de Montesquieu. Como explica a cientista política Joyce, alguns projetos de lei podem ser encaminhados para o STF caso um parlamentar, ou um grupo de parlamentares, considere a proposta inconstitucional. Após avaliação do Judiciário, o projeto retorna ao Legislativo para ser novamente votado.

Um exemplo é a legalização do aborto, que tange a polêmica do direito à vida. A discussão gira em torno do que é a vida e as argumentações são baseadas em concepções pessoais dos parlamentares. Por isso, é importante que o eleitorado conheça bem os projetos dos deputados federais, uma vez que eles são responsáveis por julgar pautas de interesse público. Se há dissonância entre o que eleitor e candidato acreditam, a função da CD de representante da população acaba caindo por terra.

Outra comissão de extrema importância é a Comissão Permanente de Orçamento e Finanças, responsável pela primeira etapa do Orçamento da União, dentro da Câmara do Deputados. Durante o período em que está em votação, o Orçamento pode receber emendas dos parlamentares. As emendas são propostas de alterações que podem tanto acrescentar como retirar normas de um projeto.

O Orçamento da União é uma espécie de contrato no qual os governantes informam a população o que será feito, como será feito e o quanto será gasto durante o ano seguinte. O Poder Executivo é responsável pela elaboração da proposta. Posteriormente, ela é encaminhada para o Congresso avaliar, fazendo eventuais alterações.

Apesar do Orçamento ser elaborado por especialistas de diversas áreas, é importante ressaltar que sua aprovação depende da Câmara. Isso suscita novamente a questão da CD como caixa de ressonância da sociedade brasileira, afinal, “a sociedade elege quem vai decidir em nome dela. Logo, essas pessoas têm o dever de representar os anseios da população”, diz Ricardo Rocha, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

A elaboração do Orçamento é definida por lei na Constituição Federal. Para respeitar a Carta Magna do país, o planejamento financeiro anual precisa seguir diretrizes extremamente detalhadas, que dificultam seu entendimento por não especialistas. Como solução do problema, o Governo Federal elabora o Orçamento Cidadão, forma simplificada dos projetos propostos.

Ilustração: Thaislane Xavier – Comunicação Visual Jornalismo Júnior

O Orçamento Cidadão possui ligação direta com a transparência na utilização de recursos públicos. “O nível de detalhamento do Orçamento está diretamente ligado com a forma como a sociedade vai ou não entendê-lo”, esclarece Ricardo. Quando a sociedade não entende o que está sendo proposto pelos governantes, há empecilhos na cobrança de tudo o que foi apresentado. “Há uma associação entre a dificuldade de entender a estruturação do gasto e o acompanhamento da execução dele.”

Antes de sua execução, um projeto do Orçamento passa por outras decisões, como quem vai fazê-lo, de que forma e quanto irá gastar. Por exemplo, quando se decide construir uma Unidade Básica de Saúde (UBS), é necessário um processo de licitações, nas quais diversas construtoras apresentam projetos e valores. Apenas uma é escolhida para realizar a obra, de acordo com o que melhor conversa com o Orçamento. No entanto, nem sempre o valor da licitação é o cobrado pela construtora: podem cobrar um valor mais baixo e o que resta é desviado.

Como a população não criou o hábito de acompanhar todos os processos, desde a aprovação até a entrega de obras, não faz fiscalização efetiva do que é executado pelos seus representantes. “Os políticos são eleitos para representar os desejos do povo, mas a cidadania precisa ser exercida constantemente, não apenas de 4 em 4 anos”, afirma Ricardo.  

O Portal da Transparência e Lei de Acesso à Informação são ferramentas criadas para que o povo exerça sua cidadania com mais frequência e facilidade, ao ter em mãos a capacidade de averiguar a aplicação de recursos públicos. A população também pode participar de conselhos sociais e ajudar nas decisões governamentais.

Outro meio de participação na gestão pública é a proposição de leis.  “A iniciativa popular é um dos instrumentos postos pela Constituição para que o povo, proponha leis”, explica o professor de Direito da USP, Rubens Beçak. Apesar da iniciativa popular ser considerada um avanço por muitos, o processo pelo qual ela passa antes de chegar na CD é longo e burocrático. Isso faz com que pouquíssimas propostas consigam resultado positivo.

A democracia representativa, então, é colocada em xeque em alguns pontos. É preciso que a participação popular seja mais efetiva, através de plebiscitos e referendos, como explica Rubens. Nesse contexto, as redes sociais podem servir como elementos importantes para essa participação. “Nós podíamos pensar em mecanismos nos quais o povo opinasse de forma mais direta. Isso diminui a distância do que é decidido lá em Brasília daquilo que a gente realmente quer.”  

Outro ente que pode propor leis é o próprio Presidente da República. Além dos projetos que devem passar pela tramitação regular, as Medidas Provisórias (MP’s) também são uma alternativa. Elas têm força de lei e passam a valer no dia seguinte à sua decretação. Segundo Joyce, isso leva a uma visão errônea de que, no Brasil, se governa por MP’s. No entanto, não é exatamente assim que ocorre. O Congresso têm 60 dias para analisar a medida e verificar sua validade.A influência do Legislativo na governabilidade do Presidente é colocada em pauta.

A relação entre CD, Senado e Executivo se estende desde a campanha eleitoral até a posse. As coligações eleitorais ‒ proibidas a partir de 2020 ‒ são formadas durante o período eleitoral. A intenção dessa aliança é conseguir o maior número de cadeiras dentro da Câmara. No entanto, por envolverem muitos partidos, a Casa fica demasiadamente fragmentada, podendo atrapalhar as coalizões.

As coalizões, diferentemente das coligações, são formadas após a posse dos cargos e têm como objetivo garantir a governabilidade do Chefe de Estado. Ao convidar partidos para fazerem parte da agenda de governo, o Presidente garante uma unidade, essencial para a aprovação de seus projetos.

Segundo Joyce, há uma concepção equivocada de que essas coalizões são a troca de votos por cargos em Ministérios. “Os Ministérios são as fábricas das políticas públicas. É de onde sai o recurso e todo o aparato técnico e burocrático para que de fato a política aconteça. Vai além de uma troca de cargo por voto.”

A formação de coalizões pode ser perigosa e, ao invés de ajudar, atrapalhar o Executivo e sua administração. A inclusão de muitos partidos com posicionamentos extremamente diferentes pode ferir princípios da agenda de governo ‒ compromisso feito com a população ainda na campanha eleitoral. Rubens explica estas falhas nas coalizões: “quanto mais partidos o presidente tiver que contemplar, seja por conta da coligação que o apoiou ou pela coalizão que ele formou, mais políticas díspares ele vai ter que apoiar.”

Joyce explica que muitas vezes os partidos são criados por rixas políticas e não pela discordância de posicionamentos. O eleitorado é incapaz de diferenciar esses partidos e é sufocado pela existência de múltiplas opções, que, no fim, resultam em opção nenhuma. Seguindo o ditado popular: “é tudo farinha do mesmo saco.”

Ilustração: Thaislane Xavier – Comunicação Visual Jornalismo Júnior

Nesse contexto, o apoio parlamentar é crucial. Denominado pela Ciência Política disciplina partidária, esse suporte que os deputados federais dão ao Presidente é imprescindível para o funcionamento do sistema. Quando os partidos conseguem agir como unidade, o presidente consegue base suficiente para administrar o país. Um exemplo recente na história nos mostra a importância do apoio parlamentar. O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi um caso claro de divergência entre o Legislativo e o Executivo.

Pode se afirmar que tanto o líder partidário quanto o Chefe de Estado devem ser excelentes negociadores, para que possam conformar interesses da forma mais benéfica para o país. Grupos diferentes defendem ideias diferentes. Em um plano ideal, os candidatos escolhidos pelo eleitor para o Executivo e Legislativo devem ter planos de governo parecidos.

Daí vem a importância de votar com consciência em quem irá representar politicamente a população pelos próximos quatro anos. Se o voto é depositado em alguém que tem interesses divergentes daqueles defendidos pelo eleitorado, na Câmara, os desejos do eleito prevalecerão.

O voto consciente é a premissa básica para que se possa reivindicar direitos posteriormente. É preciso mudar a postura cidadã na hora das eleições.

É necessário ter conhecimento prévio de como as instituições brasileiras funcionam. “Nós temos necessidade cada vez maior de entender o que é democracia, para depois criticá-la e eventualmente propor melhorias”, diz Rubens. Este seria, para ele, o papel da educação: criar pessoas mais conscientes no exercício da cidadania.

A educação política é a base para a consciência eleitoral. O voto foi uma conquista fundamental para que o povo pudesse exercer a democracia. Votar de forma responsável não é apenas cumprir um dever, mas honrar um direito.

Embora visivelmente necessária, o Brasil investe pouco na educação política nas escolas. Isso acarreta em cidadãos que não conhecem todo o sistema político brasileiro e acreditam que o Executivo tem em mãos todo o poder de mudar o país. Esquecendo-se que ele só executa as leis. Quem tem a real capacidade de transformar o cenário brasileiro é o Legislativo, menosprezado no voto.

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