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‘Blue Moon’: um retrato da decadência por trás do escapismo | 49ª Mostra Internacional de Cinema de SP

Longa baseado na história do letrista nova-iorquino Lorenz Hart aborda os conflitos pessoais que precederam sua morte
Por Hellen Indrigo (hellenindrigoperez@usp.br)

Ainda sem data oficial de lançamento no Brasil, Blue Moon (2025) está em exibição na 49º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Após estrear mundialmente no Festival de Berlim e render o prêmio de melhor ator coadjuvante a Andrew Scott, o novo longa do diretor Richard Linklater, aclamado pela trilogia Before (1995-2013), chega às telas do circuito exibidor do festival paulista.

Embora alguns aspectos tenham surgido da imaginação do roteirista, Robert Kaplow, a trama se baseia na história real de Lorenz Hart, letrista nova-iorquino que ganhou notoriedade pelo trabalho ao lado do compositor Richard Rodgers. A dupla produziu uma série de musicais entre as décadas de 1920 e 1940, como A Connecticut Yankee e Jumbo, e emplacou canções de sucesso como Manhattan e To Keep My Love Alive

Entretanto, apesar da inegável influência de Hart no teatro musical, Blue Moon não pretende ser uma biografia sobre seu brilhantismo. Ao contrário, apresenta-se como o registro da decadência do astro.  O filme é ambientado ao longo do dia 31 de março de 1943, durante a primeira apresentação pública do aclamado musical Oklahoma!.

Em uma noite fictícia no Sardi’s, restaurante conhecido pelas paredes repletas de caricaturas de artistas da Broadway, Hart (Ethan Hawke) colapsa enquanto acompanha a comemoração de Rodgers (Andrew Scott) e de seu novo parceiro, Oscar Hammerstein (Simon Delaney), após a estreia de sucesso da obra que produziram. Como a faísca que precede uma explosão, a noite representa o acúmulo de crises pessoais que antecederam a morte do verdadeiro Hart, no dia 22 de novembro do mesmo ano.

Apesar de ser ambientado em um restaurante real de Nova York, o longa foi gravado em um set montado em Dublin, na Irlanda [Imagem: Reprodução/TMDb]

Logo nas primeiras cenas, o filme constrói um cenário deprimente ao retratar o letrista embriagado, caído em uma rua mal iluminada em meio à chuva torrencial. Apesar de servir como introdução, o desmoronamento do artista é justamente o ponto final do fio narrativo que conduz a história. A trama então não tarda a voltar alguns meses na linha do tempo e, com uma atuação dotada de sensibilidade, Hawke transporta o espectador para a desordem emocional enfrentada pelo protagonista.

Um dos atributos mais interessantes em Blue Moon é o uso da ambientação como uma metáfora para a dualidade do protagonista Lorenz Hart. Pouco antes da chegada da equipe de Oklahoma! ao Sardi’s, o personagem encontra-se sentado em uma metade vazia do estabelecimento, junto ao bar.

Apesar de lutar contra o alcoolismo, Hart permanece próximo da mesa de bebidas, acompanhado por um garçom, um escritor e um jovem pianista. Ao reunir seus maiores vícios 一 a música, o álcool e um público ouvinte para monólogos saudosistas sobre os sucessos de seu passado 一, o espaço representa as formas de escapismo adotadas pelo letrista como método para ofuscar suas angústias.

É justamente nesse espaço que Elizabeth (Margaret Qualley) aparece pela primeira vez. Sonhadora e enérgica, a universitária de 20 anos é, ao mesmo tempo, aprendiz e objeto de desejo de Hart, quase três décadas mais velho. A paixão idealizada pela jovem mostra-se como mais um escapismo à medida que o letrista, acompanhado pelos personagens ao lado do bar, interrompe suas divagações sobre a estreia de Oklahoma! para contar a história de como a conheceu.

A personagem de Qualley foi baseada em cópias de cartas verdadeiras enviadas para Lorenz Hart, assinadas por uma mulher chamada Elizabeth Weiland [Imagem: Reprodução/TMDb]

Ao contrário do vazio reflexivo do bar, a segunda metade do restaurante fica cheia ao fim da apresentação de Oklahoma!. Ao transitar entre os dois espaços para interagir com Rodgers e os demais colegas, Hart atravessa diversas vezes a linha tênue entre fantasia e realidade. Em meio ao caos efusivo e às comemorações da equipe do musical, o protagonista disfarça a amargura que sente por ter sido substituído enquanto faz tudo ao seu alcance para colocar-se como pertencente ao meio.

Longe da segurança representada pelo bar, Hart é confrontado por questões incômodas, como lembranças de sua entrega ao alcoolismo, rejeições veladas e anseios sobre os sentimentos de Elizabeth. A dualidade na construção de cenários tão distintos em um mesmo ambiente é uma maneira brilhante de esclarecer a dificuldade enfrentada pelo personagem de Hawke em abdicar das divagações e lidar com as imperfeições da vida real.

Conforme a noite passa, Hart precisa se esforçar para manter a promessa de permanecer sóbrio a cada decepção que enfrenta. Essas pequenas sugestões do roteiro, assim como a interpretação perfeitamente emotiva de Ethan Hawke, conferem um tom sutil à representação da decadência do personagem. A imagem transmitida é a de um protagonista que parte-se aos poucos, entregando-se à própria ruína enquanto busca manter acesos sonhos cada vez mais distantes.

Durante o Festival de Telluride, Ethan Hawke conquistou um Medalhão de Prata pela atuação em Blue Moon e direção por Highway 99: A Double Album (2025) [Imagem: Reprodução/TMDb]

Por meio de longos diálogos que transitam entre a paixão, o humor e a decepção, o filme guia o espectador de forma comovente até o fim do personagem. Apesar de se tornar monótono pelo excesso de melancolia em determinados momentos, Blue Moon é bem sucedido no que se propõe a ser: o retrato de um homem sufocado pelas rachaduras nas próprias idealizações.

Esse filme faz parte da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Confira no site oficial as sessões disponíveis. Para mais resenhas do festival, clique na tag no começo do texto.

*Imagem de Capa: Divulgação/Sony Pictures Classics

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