Por Luana Sales Riva (luanariva06@usp.br)
Acordar cedo, limpar a casa, almoçar, trabalhar, jantar e dormir… sempre imaginei que minha vida aos 18 anos de idade teria mais ânimo, afinal, crescer com clássicos adolescentes dos anos 2000 me fez sonhar com um namorado perfeito, um flash mob no metrô e um baile de formatura.
Mas, nada disso aconteceu comigo. Terminei a escola há um ano e, quando não encontrei meu nome nas listas de aprovados, meu mundo caiu. E logo voltou ao normal com minha mãe falando que faculdade era para poucos. “Amanhã vamos procurar um emprego para você!”, disse ela na mesma hora. Eu definitivamente não vivia em um clássico adolescente.
E depois de seis meses, estou aqui, trabalhando em uma bilheteria de cinema.

Termino meu almoço e logo pego o ônibus que me leva à minha segunda casa. A minha versão de dez anos atrás amaria passar mais tempo no cinema do que em casa, mas, assim que chego aqui, não vejo a hora de ir embora. Coloco meu uniforme vermelho e escuto “Boa tarde, novata da bilheteria!”. Este é meu chefe, ele foi a primeira pessoa que conheci quando comecei a trabalhar na bilheteria.
Era dia de feriado e meu primeiro dia de trabalho. Acordei assustada e sem tempo para almoçar, fui correndo para o ponto de ônibus. Assim que cheguei no cinema, estava tudo apagado e tinha apenas uma pessoa no meio das luzes desligadas.
“Você que é a novata da bilheteria?”, disse o homem que futuramente descobriria ser meu chefe. Concordei com a cabeça e ele me falou: “Esqueci de te avisar, mas hoje não abrimos. Não pelo feriado, mas sim porque às segundas-feiras fechamos o estabelecimento. Esqueci mesmo de te avisar, novata.” Respondi que estava tudo bem — não estava — e logo peguei o ônibus para voltar para casa, o mesmo que há dez minutos havia me deixado ali. Sem imaginar que novata da bilheteria se tornaria o meu novo apelido.
“Boa tarde, seu Domingos!”, retribui o aceno para meu chefe. Assim, me retirei e fui para o lugar em que passaria as próximas oito horas, sentada, imprimindo e entregando ingressos de filmes. Eu sempre uso esse tempo para observar as pessoas. Elas sempre estão felizes com um balde de pipoca e ingressos nas mãos.

Por aqui passam tantas histórias: melhores amigos se divertindo durante uma tarde no shopping, casais no primeiro encontro, famílias se reunindo, pessoas aproveitando a própria companhia. Em apenas seis meses, já vi todos os tipos de situação.
O meu momento preferido é quando vejo os olhares indo embora depois da sessão. Olhares ansiosos, marejados, assustados, extasiados. Eu também me sentia assim quando ia ao cinema, gosto de me lembrar de como era a sensação. Quando era pequena, todas as sextas-feiras eram dias de cinema, com meu pai e minha mãe. Hoje em dia, não vejo mais sentido.
Ainda amo filmes, desde Mamma Mia à Sociedade dos Poetas Mortos. Mas não tenho mais as minhas sextas-feiras livres, nem meu pai e minha mãe juntos. A ansiedade que eu tinha para chegar na sexta-feira e ir ao cinema se transformou em ansiedade para encerrar mais uma semana de trabalho.

Todos os dias vejo rostos entrando e saindo, diferentes pessoas com diferentes expectativas, e eu aqui, sentada em uma cadeira, enquanto o mundo à minha frente vive. Daqui de dentro da cabine, as horas passam mais rápido. Imprimo ingresso, entrego ingresso, imprimo, entrego, imprimo… e assim se vão oito horas do meu dia.
Por vezes, eu queria estar em um filme para aproveitar a minha vida sem me preocupar com nada e saber que tudo sempre dará certo ao final do dia — claro, se meu roteirista fosse otimista. Deixo de viajar em meus pensamentos e logo volto a me preparar para o dia. Encarando a minha maior companheira daquelas oito horas, a impressora de bilhetes, eu estava pronta para começar minha jornada.

Os primeiros clientes chegam, um casal, que, aparentemente, estavam há pouco tempo juntos. Digo isso pela forma que se olham, pela timidez ao conversar e pela escolha do filme. “Titanic! É sempre uma boa escolha!”, disse para eles. Imprimi e entreguei os ingressos ao casal e logo entraram para a sala. Como já disse antes, desde sempre sou bem observadora, mas estar dentro dessa cabine, aguçou ainda mais a minha habilidade. Gosto de observar as histórias que passam diante de mim e me imaginar como a responsável por elas acontecerem.
De certa forma, isso é verdade. Eu sou a responsável por entregar às pessoas aquilo que elas esperam. Sou eu que imprimo e dou a possibilidade para que elas assistam a filmes marcantes, emocionantes e que podem até mudar suas vidas. Tem vezes que prefiro pensar assim para não cair no cotidiano e não me desencantar de vez com o cinema.
Quanto mais pessoas chegam, mais ingressos entrego. Barbie, Oppenheimer, Nosso Sonho, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso. São tantos filmes que perco a conta. Mas, em meio a tanta correria, quase no final do expediente, três dos clientes me chamaram a atenção: um casal e uma criança, talvez filha deles.
Na dúvida de qual filme escolher, me perguntam: “A senhorita teria algo para nos indicar?”. Penso um pouco e, antes que eu respondesse, a mulher diz ao marido “Meu bem, pare de fazer pressão na garota. Nós vamos de Titanic, mocinha. Para relembrar a primeira vez que viemos ao cinema juntos”. Realmente as pessoas gostam de romances originais. Com um sorriso no rosto, imprimi e entreguei os ingressos, os desejei uma boa sessão.

Antes de sair, a criança me perguntou “É legal trabalhar no cinema? Eu sempre quis ficar bem pertinho dos filmes, igual você.” E eu respondi dizendo que era bem divertido trabalhar em uma bilheteria — não queria desencantá-la — pois a cada dia eu participava um pouquinho da vida de cada um que ia assistir a um filme, como a dela. Os pais agradeceram e, já distante de mim, pude ouvir a garotinha dizendo aos pais “Quando eu crescer, quero ser da bilheteria”.
De alguma maneira, ouvir isso confortou meu coração. Ver a animação dela por estar no cinema, ainda mais junto com os pais, me lembrou de quando eu era criança. Talvez o amor pelo cinema não tenha morrido em mim como eu havia pensado. Talvez aquelas oito horas signifiquem muito mais do que impressão de ingressos. “Eu estou a uma bilheteria de distância dos filmes, sou muito sortuda”. Talvez eu vivesse sim em um clássico adolescente.
*Imagem da capa: Dylan Freedom/Unsplash