Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

De quebrar os ossos: conheça o Calcio Storico

Selecione uma vasilha de 80 metros de comprimento por 40 de largura, adicione duas colheres de futebol americano, três gotas de pique-bandeira e, por fim, acrescente MMA a gosto. Essa mistura resultará em um dos jogos mais excêntricos do mundo: o Calcio Storico Florentino. Pouco conhecido aqui no Brasil, o calcio não é um dos …

De quebrar os ossos: conheça o Calcio Storico Leia mais »

Selecione uma vasilha de 80 metros de comprimento por 40 de largura, adicione duas colheres de futebol americano, três gotas de pique-bandeira e, por fim, acrescente MMA a gosto. Essa mistura resultará em um dos jogos mais excêntricos do mundo: o Calcio Storico Florentino.

Pouco conhecido aqui no Brasil, o calcio não é um dos esportes mais populares do mundo, muito devido à sua excentricidade. Mas, especificamente em Florença, ele é mais do que um jogo. Muito mais. É uma tradição, que transcende as gerações e atinge os corações dos pequenos florentinos, que crescem sonhando em representar suas regiões nesse espetáculo.

Acima da técnica, o calcio é um jogo de imposição física. (Foto_ Antonio Masiello)
Acima da técnica, o calcio é um jogo de imposição física [Imagem: Antonio Masiello]

Para quem tem cálcio

A verdade é que não há muitas regras. Basicamente, em um campo de areia, dois times de 27 jogadores, conhecidos como calcianti, se enfrentam com o objetivo de levar uma bola ao gol adversário. Para isso, é permitido usar qualquer parte do corpo. Para impedir o avanço do oponente, mesma regra; o que resulta em jogadas bastante violentas e impactantes

A pancadaria é livre. Em uma partida, é comum observar adversários trocando socos sem sequer se importar com a localização da bola. O estado físico de cada calcianti ao final das partidas é crítico — narizes quebrados, braços e pernas deslocados, faces desfiguradas. Além de tudo isso, a areia, antes completamente marrom, ganha grandes mechas avermelhadas.

Porém, nem tudo é libertinagem. Há restrições quanto à violência. Essencialmente, é proibido: atingir o adversário por trás (atingir é definido como dar socos, chutes e afins; empurrões como os do rúgbi são permitidos); atingir o adversário que já está no chão; jogar dois contra um (se um companheiro estiver disputando a bola com um adversário, você não deve interferir).

Só de escrever, já dá medo. De ler, deve dar também. De jogar, “é normal ter medo, essa é a base. Se você não está com medo, você não é humano. Você só tem que transformar isso em estímulo para entrar lá e fazer seu melhor”, afirma Lapo Cherici, calcianti de Florença.

As partidas costumam durar 50 minutos. O único torneio do ano, disputado no verão italiano, é composto por quatro partidas — duas semifinais, uma disputa por terceiro lugar e a grande final. Isso porque só há quatro times que praticam calcio no mundo, todos de Florença: os Bianchi, vestidos de branco, defensores da Basilica di Santo Spirito; os Rossi, vermelhos de Santa Maria Novella; os Verdi, verdes de San Giovanni; e os Azzurri, azuis de Santa Croce.

Jogadores travam duelos individuais em campo [Imagem: Antonio Masiello]
Jogadores travam duelos individuais em campo [Imagem: Antonio Masiello]

Para quem tem história 

Os times iniciam a preparação para a competição cerca de três meses antes da primeira partida; os jogadores são convocados e treinados durante este período. Chegada a semana do torneio, as regiões entram em festa. O padre de cada templo abençoa a bandeira de seu respectivo time em missas especiais. Absolutamente tudo é expectativa.

“É nossa tradição desde 1530. Você decide jogar quando tem paixão e dedicação pelas suas tradições, pelos companheiros que jogam com você, quando você tem admiração por aqueles que jogaram antes que você”, Lapo comenta a paixão que move jogadores e torcedores ligados ao calcio storico.

Tal sentimento pode ser explicado por um vigente campanilismo — o localismo ainda é muito forte na Itália. Os moradores de cada bairro sentem-se extremamente identificados com suas regiões, especificamente com as tais ruazinhas que se ligam à torre da igreja (campanile).

Tudo indica q ue o calcio storico deriva do harpastum, jogo comumente praticado por volta de 140 a.C.. Basicamente, em uma área retangular, duas equipes tentavam manter a posse de bola no seu lado do campo para impedir que o adversário se apoderasse dele. A prática era utilizada como treinamento de gladiadores durante o Império Romano. 

O jogo, disputado como é hoje, teve origem na República de Florença. Em 1737, o povo florentino havia derrubado os governantes da família Médici e fundado uma república independente, mas logo passaram a sofrer ataques de nações vizinhas. Então, um jogo de calcio storico foi organizado em Piazza Santa Croce, como demonstração de força.

 

Para florentinos

O torneio, precedido por muitos rituais e procissões, começa de verdade quando o árbitro atira a bola para o alto no meio do campo. A partir daí, o roteiro, antes tão regular, se torna um mar de plot twists. Os 54 jogadores passam a disputar a posse e a partida ganha cores.

O início é intenso. Contudo, aos poucos, nocauteados, os gladiadores passam a abandonar o pleito. O campo de areia, antes cheio, agora ganha ares desérticos. Nesse momento, aparecem lampejos de estratégia e qualidade técnica: defensores tentam jogadas individuais carregando a bola, há troca de passes horizontais na tentativa de confundir os adversários. Assim, o jogo caminha até o fim — claro, sem perder suas principais características: a emoção e a violência.

O jogo não é interrompido para que as equipes médicas entrem em campo para tratar os jogadores [Imagem: Justin Setterfield/Getty Images]
O jogo não é interrompido para que as equipes médicas entrem em campo para tratar os jogadores [Imagem: Justin Setterfield/Getty Images]
Lapo define o que é necessário para ser um grande jogador de calcio, capaz de permanecer de pé até o final e guiar seu time à vitória: “você deve estar disposto a sacrificar você mesmo, sua família, trabalho, para se preparar. Durante o jogo, você não tem que pensar nos riscos, e, acima de tudo, deve ter respeito. Respeitar seus companheiros, cores, vizinhos e oponentes.

A essa altura, já está claro o quanto o Calcio Florentino é movido pela paixão e pelo pertencimento, acima, inclusive, dos atributos desportivos. Lapo, que atuou na última temporada pela Azzurri, complementa: “Isso é diferente de tudo. É paixão, sacrifício, medo, adrenalina, tudo misturado. Tudo para jogar uma partida, talvez duas, no ano. Tudo para ser campeão de Florença. Tudo pelo respeito próprio e alheio”.

 

Abaixo você confere os melhores momentos da partida disputada entre Azzurri e Rossi em 2016:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima