Dirigido por Rafael Braga e exibido pela primeira vez na 41a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2017), o documentário O Primeiro Bailarino (2018) retrata a vida de Thiago Soares, carioca, que conheceu a dança através do hip e hop de rua do Rio de Janeiro e hoje é o Bailarino Principal do Royal Ballet de Londres. Diferente do que se espera – e do que é dito na sinopse – o longa não mostra toda a história de Thiago, pelo contrário, pouco é explorada sua vida pessoal e sua trajetória. O foco do filme, na verdade, é a apresentação que o bailarino prepara quando retorna em 2015 para o Rio de Janeiro, dita como a mais desafiadora de sua carreira. Isso é decepcionante.

O documentário é narrado pelo próprio Thiago, em alguns momentos em português e em outros em inglês, o que por si só já é confuso. Os dois idiomas se misturam ao longo da fala do dançarino e não se entende a razão da escolha de cada um. Mesmo em cenas que se passam no Rio de Janeiro, nas quais Thiago conversa com brasileiros, ele está falando em inglês; e o contrário também acontece, em Londres. Além disso, toda a narração é confusa, não há em nenhum momento uma retomada histórica que mostre a vida do bailarino antes de ir para a Europa. Este é o principal erro do documentário: ele começa com Thiago já no Royal Ballet britânico e em nenhum momento é dito como ele “chegou lá”. Paulatinamente, através de diálogos, são descobertos alguns detalhes sobre a sua vida, porém estes são insuficientes.
O público assiste ao documentário cheio de perguntas, e nenhuma delas é respondida. Não são tratadas quais foram as principais dificuldades de Thiago, quais eram seus receios, como ele se apaixonou pelo balé e pela dança e como isso afetou sua vida pessoal, qual a relação dele com sua família, quais foram suas maiores inspirações… Nada disso é dito. O público apenas absorve algumas informações soltas e fora de contexto, e deve se contentar com eles.

São intercalados relatos, ensaios e apresentações. É mostrado todo processo criativo e prático por trás do espetáculo feito pelo bailarino no Rio de Janeiro (em 2015), o qual seria uma síntese de toda sua carreira (unindo balé clássico, moderno e contemporâneo). As cenas de dança são todas muito bonitas e extremamente encantadoras, a forma como a câmera capta os movimentos dos corpos dos artistas enfeitiça o público. O Primeiro Bailarino consegue dosar perfeitamente a magia e o sofrimento existentes no balé. Ao mesmo tempo em tudo é muito belo e apaixonante, a dor sentida pelos dançarinos (dor física mesmo) é capturada de modo sutil, delicado e extremamente forte.
Há diversas cenas que mostram o Thiago na fisioterapia, mas isso não é o fundamental. A trilha sonora do filme é uma das principais responsáveis para que se crie este efeito de fascinação e angústia; ela é composta pelas próprias músicas do espetáculo, por sons do corpo e, às vezes, pelo silêncio do artista.
Durante as apresentações, por exemplo, se ouve a música clássica que os bailarinos estão dançando mas, em alguns momentos, há um zoom no pé de uma das artistas e, neste instante, é possível ouvir seus dedos estalando como se houvesse um microfone em cada uma de suas articulações. Este som sensível e delicado não passa imperceptível, gera aflição, arrepio e é quase inacreditável. São pequenos detalhes do documentário que fazem muita diferença. Esse efeito se repete diversas vezes, mesmo em simples alongamentos é possível escutar cada movimento feito pelo corpo de Thiago.

O Primeiro Bailarino consegue registrar a luta do artista, os altos e baixos. A profissão é retratada de forma encantadora, mas não é romantizada. É perceptível uma espécie de conflito interno dentro da mente do dançarino, que não sabe exatamente como lidar com a excessiva pressão, o desgastante trabalho e a constante rotatividade que existe na Academia.
O problema é que o documentário mostra muito bem “a vida de um Primeiro Bailarino do Royal Ballet de Londres” e não “a vida do Primeiro Bailarino Thiago Soares”. Não há nada no filme que faça com que ele retrate apenas a história e trajetória deste dançarino ímpar. O público não recebe nenhuma grande informação de diferencie Thiago dos outros importantes dançarinos do mundo, a história contada necessita de mais individualismo e ousadia. É como se o longa tivesse sido produzido com a intenção de mostrar a vida de Thiago mas restringindo-se apenas ao seu trabalho, sem explorar aspectos pessoais mais profundos.
Por isso, após passados 60 minutos, o filme se torna maçante. Quem assiste quer mais informações, quer descobrir mais sobre aquela pessoa que vê. Mas tudo que é mostrado se repete: ensaios, produções, apresentações, fisioterapia. Uma pena. O documentário O Primeiro Bailarino estreia com exclusividade no canal MAX no dia 14 de janeiro, às 21h. Confira o trailer:
Por Mariangela Castro
mariangela.ctr@gmail.com