Por Carolina Ziemer (carolziemer@usp.br) e Gabriella dos Santos(gabriella.santos12@usp.br)
O 47º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos realizou sua cerimônia de entrega na noite da última segunda-feira, 27 de outubro, no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TUCA). A edição focou na defesa da democracia e premiou 13 produções jornalísticas em oito categorias. Entre os trabalhos vencedores, destacaram-se reportagens que abordaram temas como racismo ambiental, violência política e o avanço da milícia na Amazônia, reforçando o papel do prêmio no combate às violações de direitos no país.
O evento iniciou-se com a 14° Roda de Conversa com os ganhadores do prêmio, que tem como objetivo promover a troca de experiências e compartilhar os bastidores dos trabalhos premiados com estudantes e apreciadores do jornalismo. Desde a primeira edição, em 2012, as Rodas são organizadas pelo Instituto Vladimir Herzog (IHV), pela OBORÉ, empresa de comunicação que oferece formações, consultorias e gestão de projetos com estudantes e jornalistas, e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O presidente do Instituto Prêmio Vladimir Herzog, Giuliano Galli, afirmou que esse contato direto com os vencedores é uma oportunidade rica para o público compreender os bastidores da apuração e das produções jornalísticas.
A conversa foi mediada pelos jornalistas Sérgio Gomes e Angelina Nunes e, neste ano, contou com o apoio da Jornalismo Júnior, da Federação dos Professores no Estado de São Paulo (Fepesp) e do Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP).
Em um cenário marcado por crises sociais e ambientais, os premiados destacaram a importância de ir além da notícia imediata. Na categoria Arte, o premiado Diogo Braga (Defensoria Pública do Ceará), apresentou o projeto “Racismo Ambiental: A outra emergência”, reforçando o papel da arte na conscientização sobre a desigualdade. Márcia Foletto (Jornal O Globo), foi a vencedora na categoria Fotografia com a foto “Antes Que Ela Veja”, enquanto Sérgio Ramalho, com a obra “Decaído” (Matrix Editora), foi o ganhador em Livro-Reportagem.

As produções em áudio e vídeo também trouxeram temas de grande impacto: a equipe liderada por Vinicius Sassine, da Folha de S.Paulo, venceu em Produção Jornalística em Áudio com o episódio “Dois Mundos”, e o podcast “A Política da Bala”, do Metrópoles, liderado por Artur Rodrigues, foi o vencedor na categoria Multimídia. Por fim, a reportagem “Trabalho infantil na indústria tech”, de Isabel Harari (Repórter Brasil), levou o prêmio em Produção Jornalística em Texto, e a Beatriz Ramos (Brasil de Fato) foi a vencedora em Produção Jornalística em Vídeo com a série “Território em Fluxo”.
O evento também destacou menções honrosas a outros trabalhos notáveis, como a série de podcast “Projeto de Poder”, de Igor Mello (ICL Notícias), e a reportagem “Mães de Luta” da (TV Brasil – EBC). Angélica Santa Cruz (Revista piauí) recebeu menção honrosa por seu perfil “Sorriso: Uma biografia? Como uma mulher risonha e sem palavras virou um fato social total” e o projeto “Ogronegócio: milícia e golpismo na Amazônia” (Repórter Brasil) recebeu a honraria na categoria Produção Jornalística em Multimídia.
A novidade da edição foi a inclusão da categoria Defesa da Democracia, que premiou os documentários “8/1 – A democracia resiste” da GloboNews e “Os Kids pretos: O papel da elite de combate do Exército nas maquinações golpistas”, da Revista piauí. Ambos trabalhos reforçam a vigilância essencial da imprensa sobre as instituições democráticas.
Prêmio
O Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos surgiu a partir de resoluções aprovadas durante o Congresso Brasileiro de Anistia, realizado em Belo Horizonte, em 1978. O nome foi idealizado por Perseu Abramo, então diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, como uma forma de homenagear e eternizar na memória coletiva a história de Vladimir Herzog.
Herzog era jornalista, dramaturgo e professor da ECA-USP, e durante a ditadura civil-militar foi chamado para depor no Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ele foi torturado até sua morte em 25 de outubro de 1975, mas somente em 1996 a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu seu assassinato. Em 2025, 50 anos após sua morte, Herzog ainda é símbolo das consequências da censura e violência do regime militar.

[Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Desde sua criação, o Prêmio teve como propósito estimular jornalistas e artistas visuais a abordarem temas relacionados à Anistia e aos Direitos Humanos, refletindo as questões mais urgentes de cada época. Inicialmente, sua vocação principal era denunciar os crimes da Operação Condor, um esquema de cooperação entre as ditaduras latino-americanas para reprimir opositores políticos.
Em sua edição mais recente, além das discussões sobre democracia e violência, o conceito de “anistia” voltou ao centro do debate, mostrando-se mais atual do que nunca. O conceito de anistia ganhou força no Brasil após o regime militar, em que os exilados e presos políticos reivindicavam a anulação de suas fichas criminais. Apesar disso, essa definição tem sido distorcida por grupos de extrema direita e bolsonaristas que a utilizam para reivindicar a abolição dos crimes cometidos no ato de 8 de janeiro, os quais não são passíveis de anistia por se tratarem de ataques contra o Estado Democrático de Direito.
Na cerimônia de premiação, Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog e presidente do Instituto Vladimir Herzog, comentou sobre a relevância do papel jornalístico nos acontecimentos recentes da tentativa de golpe de Estado feita pelo ex-presidente, Jair Bolsonaro. “Ao longo do último ano, o trabalho da imprensa brasileira mostrou-se fundamental em meio à recente tentativa de desmonte do regime democrático”, declarou.

A primeira edição do Prêmio, em 1979, teve como foco a luta pela democracia. Contribuiu para o avanço da Lei da Anistia, promulgada em agosto daquele ano, e impulsionou o debate sobre as eleições diretas para a Presidência da República, que só se concretizaram uma década depois. Desde então, o Prêmio não apenas reverencia a memória de Herzog, mas também reconhece o trabalho de jornalistas que se dedicam à defesa da democracia, da cidadania e dos direitos humanos e sociais.
“O Prêmio reforça seu princípio básico de transparência e compartilhamento do processo jornalístico“
Giuliano Galli
Em 2008, a ONU celebrou no Brasil os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e se uniu às comemorações dos 30 anos do Prêmio Vladimir Herzog. Dessa parceria, nasceu o Troféu Especial de Imprensa ONU, concedido aos cinco jornalistas que mais se destacaram na cobertura de temas ligados aos Direitos Humanos, votado pelos premiados durante as três décadas de existência do Prêmio. Isso possibilitou a recuperação de parte do acervo histórico e da listagem completa de ganhadores desde a primeira edição, um grande feito para o Prêmio.
“O Prêmio é um tributo vivo a todos que não se calam, muitas vezes sacrificando suas próprias vidas”
Ivo Herzog
Instituto Vladimir Herzog
O Instituto Vladimir Herzog (IVH) é uma organização da sociedade civil com atuação focada na defesa da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Criado em junho de 2009, o IVH surgiu para imortalizar o legado de Vladimir Herzog. O trabalho do IVH se estrutura em três programas de atuação: Educação em Direitos Humanos (EDH); Jornalismo e Liberdade de Expressão (JLE); e Memória, Verdade e Justiça (MVJ).
O EDH se consolidou como uma referência no combate à violência e na promoção da convivência democrática nas escolas. No relatório anual de 2024 do IVH, o programa alcançou 100% das 1.560 escolas municipais da capital paulista, fortalecendo a formação de educadores e as comissões de mediação de conflitos.
No âmbito do programa JLE , a Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores oferece suporte jurídico, psicológico e de segurança aos jornalistas. Em 2024, o relatório apontou um aumento recorde nas solicitações de apoio por parte de jornalistas em situação de ataque. “Em 2024, fortalecemos nosso programa de proteção a jornalistas e comunicadores ameaçados, uma iniciativa que deveria ser garantida pelo Estado, mas que, diante da omissão governamental, assumimos como responsabilidade”, afirmou o diretor executivo do IVH, Rogério Sottili.

O programa também é o responsável por homenagear estudantes e jornalistas que contribuem para a manutenção da democracia e proteção dos direitos humanos por meio do Prêmio Vladimir Herzog e do Prêmio Jovem Jornalista. Durante a cerimônia de premiação, Angelina Nunes reforçou o importante papel do instituto. “O mais tradicional e mais importante prêmio da imprensa brasileira se deve, claro, à história e ao legado de Vlado, mas também à força e ao compromisso das organizações que, ao lado da família Herzog, compõem o IVH”, afirmou.
O terceiro eixo de atuação conecta o legado da impunidade da ditadura militar com a letalidade policial. A instituição monitorou e denunciou casos graves de violência policial em operações no último ano como as do Jacarezinho (RJ) e na Baixada Santista (SP), produzindo relatórios sobre a continuidade das violências.
O IVH também manteve a cobrança pela implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e pela reinterpretação da Lei da Anistia no STF, visando a responsabilização por crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. “A anistia deve ser aplicada àqueles que confessam seus crimes. O problema é que o Estado e os militares, historicamente, nunca reconheceram crimes cometidos durante a ditadura ou agora. Então, eles não têm o direito de trazer o tema da anistia porque não se aplica à narrativa deles”, afirmou Ivo Herzog durante a premiação.
“Ao olhar para trás, percebo que o legado de Vladimir Herzog, com seu compromisso com a verdade e a justiça, além de uma inspiração, é o alicerce de nossa atuação”
Rogério Sottili
[Imagem de capa: Reprodução/WikimediaCommons]
