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Estudo aponta que o desmatamento e outras atividades humanas podem transformar a Amazônia em berço de novas doenças

Um alerta urgente para a conservação da biodiversidade brasileira e controle do desmatamento, sobretudo em território amazônico

Nesta segunda-feira, 19, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e colaboradores de outras instituições nacionais e internacionais publicaram artigo que aponta que ações humanas estão aumentando o risco de surgimento de novas doenças na Amazônia. No contexto atual, há também a preocupação de que o bioma possa se tornar o marco zero de uma nova pandemia. A pesquisa está disponível na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências.

Por dentro da pesquisa

O ponto de partida do estudo foi a observação do fenômeno de spillover ou “salto entre hospedeiros”, que significa a introdução de um agente infeccioso de uma espécie para a outra, geralmente de uma não-humana para a humana. Segundo os pesquisadores, esse é o estágio inicial do surgimento de uma nova doença.

Com o aumento da degradação do meio ambiente e a consequente destruição da biodiversidade, o spillover acontece com maior frequência. No artigo, é possível encontrar exemplos que relacionam a evolução da destruição de espaços naturais com o aumento do surgimento de zoonoses nesses territórios.

Segundo Joel Henrique Ellwanger, autor principal do artigo, “países com grande biodiversidade são considerados ‘berçários’ de novos patógenos por abrigarem um grande número e diversidade de espécies animais e seus microrganismos associados. Porém, caso as interações ecológicas sejam respeitadas e preservadas, potenciais patógenos zoonóticos circularão apenas nas populações de animais selvagens, sem oferecer risco para a população humana”.

A Amazônia é um bioma altamente diverso graças a sua extensão e características ecológicas, que implica a existência de potenciais patógenos zoonóticos em seu território. Além disso, é alvo de intensas mudanças no uso da terra como desmatamento, pecuária industrial, monocultura e mineração.

“A mistura dos fatores ‘alta biodiversidade’ e ‘grande interferência humana’ faz com que a emergência de novos patógenos zoonóticos provenientes da Amazônia seja uma possibilidade real”, explica Ellwanger para o Laboratório.

fluxograma sobre a relação entre amazônia e surgimento de doenças
Esquema utilizado no artigo para exemplificar a tese. Em resumo: desmatamento e outras pressões antrópicas sobre a Amazônia facilitam eventos de spillover e a disseminação de doenças infecciosas, afetando as populações que vivem dentro e fora da região amazônica. [Imagem: Divulgação/Anais da Academia Brasileira de Ciências]

‘O efeito diluição’

As atividades predatórias têm relação direta com o aumento da ocorrência de eventos de spillover. Por conta disso, o estudo apresenta uma defesa constante da biodiversidade como fator de proteção da saúde humana. “O efeito diluição” é uma das justificativas utilizadas pelos pesquisadores para explicar a ação da própria natureza como forma de defesa à transmissão de doenças.

Em síntese, o efeito diluição acontece quando a alta biodiversidade de espécies de um local garante que o número de hospedeiros de patógenos de uma determinada doença seja controlado, algo que acontece por diferentes mecanismos, incluindo predação e competição. 

Um exemplo disso é a doença de Lyme, infecção causada pela bactéria Borrelia burgdorferi e transmitida por carrapatos do gênero Ixodes. Essa doença possui uma alta diversidade de hospedeiros com competência variada para a transmissão. Com a presença de espécies menos capacitadas do que outras em um mesmo ambiente, os carrapatos Ixodes têm maior chance de se alimentarem do sangue de espécies com menor “reservatório” da bactéria causadora da doença de Lyme, diminuindo o risco de infecção.

imagem de carrapato
Carrapato do gênero Ixodes, transmissor da doença de Lyme. É comumente encontrado nos Estados Unidos e no Canadá. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Atenção às diversas formas de interferência humana na natureza 

A pesquisa ainda explora aspectos como a demografia humana e a ocupação irregular de espaços silvestres como fatores que aumentam a ocorrência de infecções. Ter animais selvagens como animais de estimação, fazer turismo em ambientes florestais de forma desprotegida e até os fluxos migratórios em grande escala podem apresentar risco. 

Ellwanger comenta: “[a circulação de patógenos] é facilitada especialmente no caso de migrações forçadas por mudanças climáticas, pobreza e conflitos, pois nessas situações geralmente os migrantes têm acesso precário a condições básicas de alimentação e saúde. Por exemplo, populações não vacinadas contra determinada doença podem adentrar em uma área endêmica para tal doença e então ser acometida por ela”.

A exemplo de populações vulneráveis estão as comunidades indígenas brasileiras, mencionadas no artigo. Durante a pandemia da covid-19, observou-se uma fragilidade dessas comunidades diante do vírus da doença, uma vez que se tratava de um patógeno externo às suas áreas comuns de vivência, de modo que não possuíam imunidade para combatê-lo. Por conta disso, o estudo ressalta a importância da demarcação de Terras Indígenas, tanto por razões sanitárias quanto como uma medida de proteção aos recursos naturais. 

Em algumas situações, patógenos são transmitidos de um hospedeiro animal para o ambiente e podem então infectar um humano. É o caso de alguns vírus e parasitas intestinais. Nesses casos, ainda que o contato da espécie humana com uma espécie animal contaminada não aconteça de forma direta, ações de impacto ambiental podem aumentar a probabilidade de infecção por esses agentes: “O descarte de esgoto doméstico no ambiente e saneamento inadequado são problemas ambientais, de ação humana, que aumentam os riscos de infecção por patógenos presentes no ambiente”.

Diante de tantas interferências humanas, os pesquisadores destacam que os esforços para conter impactos ambientais ainda são insuficientes, aumentando o nível de preocupação. “Quando uma área biodiversa é desmatada ou sofre algum outro tipo de interferência humana massiva, as chances de novos patógenos atingirem a população humana aumentam muito. Isso é o que está acontecendo na Amazônia, especialmente no governo atual, que tem facilitado a degradação do bioma”, comenta Ellwanger. 

O pesquisador ainda afirma que “ambientes com alta biodiversidade devem sofrer o menor nível de interferência humana possível” e defende que toda a população tenha acesso a serviços de saúde e vacinação.

*Imagem de capa: Reprodução/Pixabay

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