[34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]
Em uma das cenas finais de “Cópia Fiel” (Copie Conforme), a personagem de Juliette Binoche se maquia em frente a um espelho. A câmera está no lugar do espelho. Ela olha para a câmera. E como olha para o espelho e para a câmera ao mesmo tempo, às vezes, então, ela parece olhar para nós, o público.
Sim, Juliette Binoche está olhando diretamente para você e para mim. Nosso olhar está ali, no espelho e na lente da câmera que, no cinema, coordena, direciona e diz o que podemos, devemos e nem sonhamos em ver. Nosso olhar é o espelho que orienta a personagem para que ela se maquie e fique bela para o “marido” que a espera. Esta é uma daquelas imagens-síntese, uma possível sinopse do novo filme de Abbas Kiarostami.
O iraniano, cineasta das experiências cinematográficas radicais, de “Gosto de Cereja”, constrói um filme minimalista, sutil e cheio de bifurcações. Cada cena nos transmite a sensação de que há muito mais para se ver do que aquilo que conseguimos. Os cenários da Toscana, com suas vielas estreitas, lugares em que cada detalhe parece respirar história e arte, são ideais para um filme que discute originalidade na arte e na vida.
O sucesso do filme deve-se, também, à dupla de protagonistas. Há estes dois personagens que, após cena em uma cafeteria, procedem com uma virada em seu comportamento. Aí se tornam um casal. Apenas para entrar na “brincadeira” com a atendente que os tomou por um casal, certo? Ah, talvez não… Eles simplesmente começam a agir como se, desde o começo da película, tivessem sido apresentados ao espectador como um casal. Só que ninguém havia nos dito isso antes.
Primeiro, passamos por aquele sentimento de “perdi alguma coisa”, seguido por aquele de “estão zombando com a minha cara”. Depois somos somente carregados por todas as cenas de casal-médio que eles protagonizam.
É, começamos, gradativamente, a aceitar que agora eles fazem tudo que achamos que um casal cinematográfico faz: brigam no restaurante, são saudosos dos primeiros anos do relacionamento, ela chora e diz que ele não a ama mais tanto assim, ele diz que ama e que ela vê coisas demais, ela se maquia para ele, diz que ele nem reparou, ele diz que sim, que as coisas não podem ser como antes, que ainda ama e ela chora….
Mas sempre fica a certeza de que eles estão interpretando. De que é um filme sobre dois desconhecidos que fingem ser um casal. Ou de que é um filme sobre um casal que, no início, parecia não se conhecer. Só que aí, então, estamos diante apenas do que sempre foi um filme sobre casais, a metalinguagem que funciona como cópia mais fiel de todos os filmes deste tipo produzidos em série. Só que tudo é diferente. Talvez esta seja a Coca Cola escolhida para ir para o museu e adquirir outro valor. Pode ser que Kiarostami realmente zombe um pouco de nós, pobres cinéfilos…
Por João Saran