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Ensaio | ‘The Rocky Horror Picture Show’, um mundo colorido e a libertação sexual

Como uma história trash sobre uma louca cientista que cria escravos sexuais se tornou um clássico do cinema LGBT+ e do universo dos musicais
Por Leticia Yamakami (leticiayamakami@usp.br)

O ano era 1975. Nos cinemas londrinos, estreava The Rocky Horror Picture Show (1975), dirigido por Jim Sharman e estrelado por Tim Curry, Susan Sarandon e Barry Bostwick.

Para além de um filme musical dentro dos gêneros de horror e ficção científica, o longa também conta com temas considerados grandes tabus para a época: bissexualidade, descoberta sexual, uma protagonista que se transveste e personagens extravagantes.

A obra foi fortemente criticada pelas camadas conservadoras durante o seu período de estreia. No entanto, ela atingiu e formou seu próprio público-alvo quando se popularizou nos Estados Unidos.

Alguns espectadores a assistiram mais de uma vez nas telonas, além de começarem a se caracterizar como os icônicos personagens, formando grupos de fãs por todo o país. Há exatas cinco décadas, a produção vista por muitos como peculiar tornava-se um verdadeiro clássico cult do cinema.

O prelúdio já estabelece o tom da narrativa ao focar apenas em uma boca com batom vermelho que canta a música tema Science Fiction/Double Feature [Imagem: Divulgação/20th Century Studios]

Antes da chegada à Mansão do Frankenstein

Adaptado de uma peça de teatro musical desenvolvida por Richard O’Brien, o enredo do filme acompanha o casal — até então — puritano Brad Majors (Barry Bostwick) e Janet Weiss (Susan Sarandon).

Ao saírem de um casamento de amigos próximos e pegarem uma estrada deserta, o pneu de seu carro fura em meio a uma tempestade e sua única esperança de socorro é o tenebroso casarão isolado presente na região em que se encontravam. Os dois tomam coragem para entrar e se deparam não só com uma cena, mas com um universo totalmente diferente do seu.

Na primeira aparição de Brad e Janet, os dois se encontram em um casório tradicional, hétero e cis, em que todos os convidados vestem roupas com cores de tons pasteis e portam semblantes recatados.

Essa cena funciona como uma alegoria dos estereótipos de gênero reforçados pelo matrimônio. Janet, representante das mulheres, romantiza e sonha com o ato de casar, enquanto a primeira coisa que Brad, representante dos homens, pensa ao ouvir sobre casamento é o ato sexual, demonstrando nervosismo em seguida.

O rapaz expressa timidez ao somente imaginar sobre sexo. Isso estabelece a noção de que a mulher sequer pensa sobre qualquer ato libidinoso, porque nasceram devotas à paixão, e o homem, mesmo que o imagine, deve sentir-se envergonhado, pois não são pensamentos puros e dignos de um indivíduo decente da sociedade.

A sequência inicial finaliza com Brad pedindo Janet em casamento de maneira clássica: ajoelhado, mostrando uma aliança e dando um beijo apaixonado, já que o amor — monogâmico e tradicional — supera todas as dificuldades e incertezas.

A ideia de utilizar o paletó para caracterizar o masculino e o cor-de-rosa para caracterizar o feminino será refutada no desenrolar da história [Imagem: Divulgação/20th Century Studios]

Um salto para a esquerda, um passo para a direita

Originalmente, a produção foi pensada para ter o seu início em preto e branco. Somente após o casal principal passar pelo acidente na rodovia e adentrar o palácio habitado por sujeitos que fogem de seu padrão social é que a tela ganharia cores vívidas.

Essa estratégia representaria visualmente como as suas vidas eram entediantes, sem graça e muito limitadas pelas normas sociais antes de conhecerem a livre e eletrizante Mansão da Doutora Frank N Furter, que será apresentada posteriormente. Mesmo que essa proposta não tenha se concretizado, o contraste de vestimentas, maquiagens, cenários e trejeitos dos personagens é muito visível.

Esperando apenas utilizar o telefone da Mansão para pedir socorro, Brad e Janet, na verdade, são recebidos pelos diversos habitantes excêntricos da Casa do Frankenstein do jeito mais icônico e divertido possível. A apresentação de dança com coreografia viciante que representa o lugar com o qual irão se envolver é uma das sequências mais memoráveis do musical.

A partir desse momento, os protagonistas são tomados de curiosidade para conhecer e entender o universo que estão visitando. As decorações, tons e aparências vibrantes capturam a atenção dos dois, uma vez que é o oposto do que conhecem como normal. Isso os faz permanecer lá e experienciar as próximas aventuras e descobertas.

O casal é surpreendido pelo animado grupo de funcionários da casa, que dançam e cantam a atemporal Time Warp, criada por Richard O’Brien [Imagem: Divulgação/20th Century Studios]

Transexual Transilvânia

Para muitos dos fanáticos, a principal figura de The Rocky Horror Picture Show sempre será ela: Doutora Frank N Furter. Uma exótica cientista que se transveste, Frank é a dona da Mansão e da experiência científica desenvolvida no local, que conta com a ajuda de todos os moradores da residência, seus colegas de trabalho.

A sua aparição é o ponto de virada em que os estereótipos de gênero e sexualidade exibidos no começo do longa são totalmente destruídos. Ela é o arquétipo da liberdade individual e sexual, da libertinagem e da originalidade, que atingirão as personagens de Brad e Janet.

Frank N Furter é interpretada por Tim Curry, famoso por outras produções como Clue (Os Sete Suspeitos, 1985) e It (It: Uma Obra-prima do Medo, 1990) [Imagem: Reprodução/IMDb]

Bem como o casal, o espectador descobre que o tal experimento da Doutora não é nada menos do que um homem loiro, alto e musculoso: Rocky. No laboratório da casa, ele é finalizado em um tanque de água estampado pelas cores da bandeira LGBT+, reforçando a personalidade queer da obra. De sunga dourada, é possível compreender que Rocky foi desenvolvido a fim de ser um brinquedo sexual de Frank.

E falando em sexualidade, a persona da cientista estende-se a uma outra vertente: a bissexualidade. Ao hospedar os novos visitantes em sua Mansão, ela se sente atraída por ambos, os seduzindo durante a noite.

Tanto Brad como Janet reagem positivamente às investidas de Furter. Esse é o instante em que os dois iniciam seus processos de auto descoberta. O primeiro se desamarra da heterossexualidade e identifica-se com o erotismo que transita por diferentes gêneros — significando uma possível bissexualidade — e a segunda libera seus instintos sexuais, não sentindo-se mais culpada ao ter e desejar o prazer erótico.

As protagonistas conhecem e se rendem ao prazer sexual graças à visita da Doutora em seus leitos durante a estadia no casarão [Imagem: Reprodução/Movie Screencaps]

Toque, toque, toque-me

Além de abraçarem o lado fugaz e prazeroso da vida, as personagens principais passam a se reconhecer como integrantes da Mansão do Frankenstein. Assim, também entendem que Frank N Furter e seu time de funcionários são como uma grande família livre de preconceitos e amarras.

O filme finaliza com uma performance musical, em que todos utilizam peças de roupas sexys e cantam sobre se sentirem sensuais e livres. O título da canção faz jus ao novo universo e aos novos sentimentos experienciados: Rose Tint My World (Pinte Meu Mundo de Rosa, em tradução livre).

A cena de conclusão é a fase final da auto descoberta das personagens, que representa o epítome da sua liberdade em todos os sentidos [Imagem: Divulgação/20th Century Studios]

Afinal, esse é o recado da obra: em um mundo tão vasto, em que cada indivíduo pode desenvolver sua determinada e única personalidade, reprimir desejos e sua felicidade gera uma sociedade padronizada, tediosa e “quadrada”.

The Rocky Horror Picture Show incentiva quem assiste a amarem quem são e libertarem seu verdadeiro eu. Excentricidade é originalidade, e originalidade é o que faz o planeta ser um lugar mais colorido e divertido.

*Imagem de Capa: Reprodução/IMDb

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