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Depois do último apito

Quando se encerra a carreira de um jogador de futebol, tudo em sua vida muda, e o emprego como técnico ou comentarista está longe de ser algo garantido

Uma bola. 22 pessoas correndo atrás dela e fugindo da vista do juiz. E em volta, milhares de pessoas assistindo a tudo isso. Esse é o futebol, o esporte mais visto e mais praticado no mundo todo, que conta com bilhões de seguidores fiéis. Em relação aos jogadores profissionais, são mais de 120 mil, em 187 países, segundo dados de 2019 da FIFA.

No entanto, a carreira desses atletas, como na maioria dos esportes, não é muito longeva. Após os 40 anos, fica difícil encontrar espaço em um time de elite, especialmente nos países em que o futebol é mais competitivo, como na Europa e na América do Sul. Como a profissionalização ocorre normalmente aos 18 anos e a aposentadoria antes mesmo dos 40, o tempo médio de duração da carreira futebolística não passa dos 20 anos. 

E depois que o futebol já não é mais uma profissão viável, o que fazem os ex-jogadores? Afinal, eles têm que continuar trabalhando, visto que a grande maioria não ganhava milhões de reais por mês quando jogavam. Além disso, existem muitos casos em que o jogador acaba perdendo tudo, às vezes até mesmo antes da aposentadoria. Porém, se engana quem acredita que um emprego como comentarista na TV ou no rádio, ou como funcionário de um clube seja o caminho mais óbvio. 

Na verdade, muitos desses futebolistas aposentados se veem em situações financeiras complicadas. Em uma pesquisa realizada com 57 ex-jogadores no ano de 2007, constatou-se que para quase 60% deles houve uma piora em relação às condições econômicas. Para 38,6%, tais condições se mantiveram iguais, ao passo que para somente 1,8% se deu uma melhora. Assim, já é possível vislumbrar como a vida de grande parte dos jogadores não é, em especial após o término de sua carreira, permeada por uma quantidade exorbitante e inacabável de dinheiro. 

 

Quando chega a hora de parar

Quando um jogador de futebol começa a declinar física e tecnicamente, por volta dos 35 anos, os indivíduos com outras profissões estão começando a atingir o auge de suas carreiras. Pense em um médico, um executivo ou um professor acadêmico: quando esses profissionais atingem seu ápice, eles têm em média a mesma idade dos jogadores que já estão parando, os quais costumam alcançar o pico aos 27 anos.  

O ex-jogador Paulo Roberto Falcão, grande volante da Seleção Brasileira e um dos maiores ídolos da história do Internacional, certa vez disse que “o jogador de futebol morre duas vezes: uma quando para de jogar e a outra como todos os mortais”. Essa frase ilustra bem como o processo de aposentadoria para um jogador é algo complexo, que não envolve apenas aspectos de natureza econômica. 

No artigo que contém a mesma pesquisa citada acima, os autores Agresta, Brandão e Neto, apontam que a ideia de aposentadoria remete à inatividade e ao recolhimento aos aposentos, daí o próprio termo. Por isso, quando esse momento chega, o jogador pode vivenciar uma perda do status e do poder que antes tinha, dado o enorme prestígio do futebol no Brasil.

Devido a essa nova situação social, os recém ex-jogadores também passam por uma mudança de caráter psicológico. Não estão mais naquele meio tão admirado que é o futebol, não escutam mais os gritos da torcida, não vão treinar todos os dias, não têm mais o contato também diário com os companheiros de muitos anos, toda sua rotina, enfim, não é mais a mesma. E nada que eles comecem a fazer, nem mesmo um emprego ligado ao futebol, será igual, com as mesmas particularidades.

Campo de futebol
Depois de pararem de jogar, normalmente por causa da idade e das condições físicas, os jogadores se veem afastados do futebol. [Imagem: Reprodução/Flickr]

Penduram-se as chuteiras. E agora?

De acordo com uma pesquisa do Money Times de 2021 que reuniu dados da CBF sobre o futebol profissional, 55% dos jogadores recebem aproximadamente um salário mínimo. A pesquisa traz outro dado interessante: 80% do valor total dos salários está nas mãos de apenas 7% dos atletas. Isso mostra como a realidade do jogador comum não é fazer viagens extravagantes e construir mansões. 

O ex-jogador Jorge Preá, campeão paulista pelo Palmeiras em 2008 e com passagem por diversos clubes, teve que trabalhar como limpador de bueiros pela prefeitura de São Paulo. Em 2018, depois de ter sido demitido pelo Real Ariquemes, clube situado na cidade de mesmo nome do estado de Rondônia, Preá afirma que não ficou sem receber aquilo a que tinha direito. “Eu fiquei sem dinheiro para comprar as coisas da minha casa, então eu fui trabalhar dignamente, como qualquer outro trabalho. Mas tinha muita sujeira, às vezes escorpiões e até mesmo o risco do gás que tinha dentro dos bueiros”, comenta.

Atualmente, ele trabalha como motorista de entregas, e ainda joga em um clube amador. Mesmo tendo trazido algumas decepções, como no caso do Real Ariquemes e do clube paranaense Arapongas, devido a um desacerto com o empresário do time Lucas Moraes, o futebol foi a realização de um sonho para Preá: “Eu consegui jogar em times grandes, conquistando títulos e fazendo o que meu coração sempre mandou.” 

O caso de Edésio Massaferro, porém, foi diferente. Conhecido como Edésio “Maravilha”, ou “Paulista” nos clubes do norte e nordeste em que jogou, ele foi atacante de muitos times do interior de São Paulo, além de clubes como Vitória e Paysandu. Começou a jogar no Pirassununguense, o CAP, time de sua cidade natal e um dos mais tradicionais do estado. Depois de rodar o Brasil, ele recebeu a proposta de retornar à Pirassununga. No entanto, como o time não poderia arcar com o seu salário, um empresário da cidade fez um acordo com o jogador, no qual pagaria metade do valor, com Edésio trabalhando em meio período na sua distribuidora de bebidas. 

Chuteiras penduradas
Ao se aposentarem, muitos jogadores se deparam com um vazio deixado pelo futebol. [Imagem: Reprodução/Flickr]

Para ele, o emprego após a saída do futebol já estava assegurado. Com 65 anos, Edésio ainda trabalha na mesma empresa como vendedor. “Eu viajo nas cidades hoje, tem gente que lembra de mim ainda e fala ‘você é o Edésio, aquele centroavante do Pirassununguense?’. A área que eu joguei mais é onde eu viajo hoje, então o pessoal me conhece, lembra de mim ainda”, conta.

No entanto, Edésio relata que alguns dos seus antigos companheiros vivem hoje com dificuldades. Ele faz parte de um grupo que todo mês ajuda financeiramente dois ex-jogadores necessitados: “Um deles não tem casa pra morar e vive com os filhos, dá até dó. A maioria dos que se cuidaram estão aposentados ou trabalhando, mas a minha faixa etária tem muito jogador bom, que jogou até em seleção brasileira, que está numa fase muito ruim.”

 

Apoio para jogadores atuantes e aposentados

Preá afirma que alguns times não têm tanta estrutura: “Você acaba recebendo um salário baixo e as estruturas dos clubes não são tão boas como as dos times grandes, especialmente no começo da carreira.” Além disso, em muitos casos os jogadores não possuem contratos de três ou quatro anos, como acontece nos clubes da série A. 

Se um time disputa apenas o estadual, por exemplo, que ocorre somente no primeiro semestre do ano, o jogador, então, se vê obrigado a ter um outro emprego para se manter, já que o futebol só lhe garante o salário por seis meses. No entanto, as consequências são ainda mais prejudiciais no longo prazo. Com a nova regra da previdência, a idade mínima para a aposentadoria dos homens passou para a casa dos 65 anos mais 20 de contribuição, e para as mulheres, para 62 anos de idade além de 15 de contribuição. Aposentar-se como jogador, e como atleta de modo geral, tornou-se praticamente impossível. Isso mostra, novamente, como o trabalho depois de parar de jogar é algo do qual, para a maioria, não há muitas chances de se escapar. 

No artigo Análise do Sucesso do Atleta de Futebol no Período Pós-Carreira, os autores Silvério, Apolinário, Silva e Cabanas chamam atenção para a imagem que o jogador de futebol tem na nossa sociedade. Ele representa a descontração, o relaxamento e até mesmo certa malandragem. É uma imagem positiva, que torna jogar futebol uma coisa boa cultural, social e financeiramente. Por isso tantas crianças têm o sonho de fazer isso quando crescerem. 

Esse deslumbramento que o esporte provoca pode levar os atletas a não se planejarem para o futuro, já que pensam que ele está garantido. Os jogadores, então, não pensam no que terão que fazer após a aposentadoria. Mas logo o fim chega e aí as outras habilidades desse indivíduo não foram desenvolvidas. 

A necessidade de permanecer trabalhando depois de ter que deixar os gramados, hoje maior do que nunca com a reforma da previdência, muitas vezes não pode ser satisfeita. Os jogadores não têm nenhuma espécie de acompanhamento ou de instrução, o que acaba por deixá-los despreparados para o mercado de trabalho. Isso, porém, deveria ser uma prioridade para os clubes, não só na base, mas também durante e após a carreira profissional. 

Preá acredita que muitos jogadores param de estudar por não conseguirem conciliar, a partir de um certo momento da carreira na base, a escola com o futebol. Mesmo assim, ele reconhece que “seria bom estudar e ao mesmo tempo jogar. Poderia te ajudar numa entrevista como jogador a falar direito e depois que parar também saber o que fazer, ter um estudo pra ir atrás de outras coisas que não o futebol.”

Nesse sentido, os clubes, especialmente os menores e menos estruturados, não costumam oferecer nenhum incentivo ao estudo para o jogador que está se profissionalizando. No caso de alguma política para ex-jogadores, o apoio é ainda mais raro. Porém, Edésio, que jogou nas décadas de 1970 e 1980, nota uma evolução nesse ponto. “Naquela época, se você falasse isso (auxiliar um ex-jogador), era um absurdo. Os clubes não queriam nem saber, era só aquele contrato e o clube pagava e acabou. Hoje você ouve de alguns jogadores com problema que o clube dá um apoio, ajuda um pouco. Hoje é melhor”, ele afirma. 

Assim, é vital o planejamento individual para uma existência mais digna e tranquila de um jogador que se aposenta. Políticas de caráter mais auxiliador, como aquela de alguns anos atrás que ajudou os campeões do mundo de 1958, 1962 e 1970, deveria ser algo mais recorrente por parte do Estado e dos clubes. 

Mas apesar de todas essas dificuldades quase inerentes ao mundo do futebol, é contagiante ver o amor que os jogadores e ex-jogadores têm por ele. A entrevista com Edésio foi realizada presencialmente e por trás da máscara foi possível ver como seus olhos brilhavam durante nossa conversa. “O futebol me deu tudo!” Realmente, o esporte é algo lindo de se ver, quando praticado por pessoas que dão tudo de si para ele. Por isso é tão necessário que, depois de uma vida dedicada ao futebol, o próprio futebol seja capaz de retribuir todo o amor e dedicação que esses ex-atletas lhe deram durante a carreira. 

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