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Psicodélicos no tratamento de doenças e distúrbios mentais

Estudos promissores demonstram o potencial terapêutico da psilocibina e da ayahuasca no tratamento da depressão

Segundo dados de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo, com cerca de 19 milhões de pessoas diagnosticadas com depressão e ansiedade.  Atualmente a maior parte dos tratamentos desses transtornos mentais é realizada com medicamentos tradicionais, no entanto, tem se observado nos últimos anos um aumento no número de pesquisas acerca da efetividade de psicodélicos, como a psilocibina e a ayahuasca no tratamento da depressão e ansiedade.

 

Psilocibina e cogumelos psicodélicos

 Molécula Psilocibina [Imagem: Own work / Wikimedia Commons]
Molécula Psilocibina [Imagem: Own work / Wikimedia Commons]
A psilocibina é o princípio ativo dos cogumelos psicodélicos, os famosos “cogumelos mágicos”. Quando ingerida, a substância é absorvida pelo intestino e transformada em psilocina, a qual ativa os receptores de serotonina do cérebro, neurotransmissor responsável pela regulação do sono, apetite, temperatura e humor entre outras funções, produzindo, desse modo, os efeitos psicodélicos. Por isso, trata de uma agonista serotoninérgico, termo técnico para dizer que, pela estrutura semelhante a esse neurotransmissor, a substância é capaz de gerar a mesma resposta biológica que ele. 

De acordo com o biólogo e doutor em psicologia cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Arturo Costa Escobar, a psilocibina contribui para o aumento do efeito da serotonina. “O que a gente tem que potencial terapêutico desse tipo de substância é todo tipo de ação e todo tipo de efeito que a gente observa sob o sistema serotoninérgico”, diz Escobar.

Os efeitos da psilocibina geralmente manifestam-se de 15 a 45 minutos após a ingestão e podem durar até seis horas. Entretanto, é importante lembrar que a ocorrência e a intensidade desses efeitos dependem da dosagem, da situação psicológica do indivíduo no ato do consumo ou anteriormente durante a preparação, aspectos ambientais e contexto de uso.

E aqui que a magia entra: alguns dos efeitos possíveis são a alteração de pensamento e da memória, mudança na percepção das cores, tempo e luminosidade, alucinações visuais e aumento da introspecção. Esses também podem acompanhar paranoia, medo, dificuldade de comunicação, vômitos, vivências físicas e psicológicas de traumas.

 

Cogumelos do gênero Psilocybe [Imagem: Zinnmann / Wikimedia Commons]
Cogumelos do gênero Psilocybe [Imagem: Zinnmann / Wikimedia Commons]
 

Uma pesquisa publicada em abril deste ano pela revista científica New England Journal of Medicine demonstrou a efetividade da psilocibina no tratamento contra a depressão.

 

Estudo clínico: psilocibina como antidepressivo 

Foram selecionadas 59 pessoas, de 18 a 80 anos de idade, que apresentavam quadros de depressão moderada e grave. Desses, 30 receberam a psilocibina e 29 o antidepressivo tradicional, ambos para um tratamento de seis semanas com acompanhamento psicológico.

No final do estudo, os dois grupos apresentaram uma redução no quadro depressivo. No entanto, ainda é necessária a comparação com um grupo placebo, substância inerte usada durante uma pesquisa clínica para testar a efetividade de um medicamento em comparação com a ausência de tratamento. Além disso, o escitalopram foi utilizado por um tempo menor do que é usualmente recomendado.

 

Ayahuasca

Ayahuasca[Imagem: Awkipuma / Wikimedia Commons]
Ayahuasca [Imagem: Awkipuma / Wikimedia Commons]
A ayahuasca é um chá preparado com o cipó Banisteriopsis caapi (conhecido como jagube ou mariri) e folhas do arbusto Psychotria viridis (popularmente chamado de hacrona), ambas plantas amazônicas. 

A ayahuasca é utilizada há milhares de anos por povos indígenas da Amazônia e se popularizou quando passou a ser consumida em cultos religiosos. Vale esclarecer que o uso de ayahuasca só é permitida no Brasil em cerimônias religiosas.

Localizado nas folhas da chacrona e responsável por produzir os efeitos psicodélicos, o DMT (dimetiltriptamina) é o princípio ativo da bebida, e assim como a psilocibina, estimula  receptores de serotonina. Mas engana-se quem pensa que o cipó é menos importante do que a chacrona, os dois devem necessariamente ser ingeridos juntos, pois a  Banisteriopsis caapi contém substâncias denominadas betacarbolinas, que permitem ativação do DMT. 

Segundo o pesquisador e neurocientista Rafael dos Santos Guimarães, de alguma forma os indígenas descobriram que, ao ingerir o cipó junto as folhas do arbusto, as betacarbolinas inibiam o metabolismo da DMT por enzimas intestinais e hepáticas, permitindo que ela chegasse ao cérebro. 

Molécula Dimetiltriptamina [Imagem: Cacycle / Wikimedia Commons]

Os efeitos gerados pela ayahuasca podem variar e vão desde maior sensibilidade de sons, cores e visões a ansiedade, vômitos e diarreia. “Os pensamentos ficam mais rápidos ou mais fluidos, é uma espécie de sonho, mas você está desperto”, diz o pesquisador, que ainda reforça a importância dessas substâncias serem estudadas em ambientes controlados.

No Brasil, uma pesquisa pioneira realizada na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), irá estudar a eficácia da ayahuasca no tratamento da TDM (Transtorno Depressivo Maior) do abuso de álcool por universitários.

Ayahuasca contra o abuso de álcool   

A parte da pesquisa que irá analisar o uso da ayahuasca na diminuição do consumo de álcool por universitários será realizada até 2022, com jovens de 18 anos ou mais, utilizando um grupo placebo. A outra parte do estudo será estendida até 2024, focada também em pessoas com 18 anos ou mais e diagnosticadas com TDM.

Para Rafael, as principais diferenças entre um tratamento psiquiátrico tradicional e um potencial tratamento com ayahuasca serão a eficácia, o perfil de segurança e o tempo de ação. 

Os antidepressivos e ansiolíticos clássicos devem ser ingeridos diariamente por algumas semanas para começarem a surtir efeito, enquanto resultados preliminares de pesquisas com psicodélicos demonstram uma maior rapidez nesse processo. “O que a gente está vendo com os psicodélicos como a ayahuasca, o LSD (Dietilamida do Ácido Lisérgico), e a psilocibina é a produção de efeitos ansiolíticos [medicamentos de efeito calmante e tranquilizador] e terapêuticos, com 1 ou 2 doses, já nas primeiras horas e dias. Pendurando, às vezes, por semanas ou até meses”, diz o pesquisador, que também ressalta que o uso medicinal de alucinógenos ainda não foi aprovado e testes maiores são necessários.

 

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