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Exposição 22 em Campo une futebol e modernismo

Museu do Futebol apresenta sua mais nova atração em mostra que aborda esporte, história, política e sociedade sob a óptica modernista

Por Clarisse Macedo (clarissemacedo@usp.br) e Ricardo Thomé (ricardo.thome@usp.br)

Cem anos depois da Semana de Arte Moderna, o Museu do Futebol recebe a exposição temporária 22 em Campo, que traz à tona as ligações que podem ser estabelecidas entre o movimento modernista e o futebol no Brasil. A mostra expõe a década de 20 com um olhar que extrapola a Semana e viaja para vários lugares do país para desvendar os ‘outros marcos’ que ocorriam no mesmo período. Por R$20 – exceto às terças-feiras, quando a entrada é gratuita – o espectador pode conferir a exposição, que fica disponível até 29 de janeiro de 2023.

A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um evento vivenciado pela elite paulista da literatura e das artes intelectuais e propôs um desejo que já se difundia entre muitos artistas: produções que valorizassem o cotidiano e a identidade brasileira. Como, então, unir o marco modernista ao futebol, já que essa não é uma relação óbvia? 

Curador da exposição, Guilherme Wisnik disse, em conversa à Jornalismo Júnior, que a direção solicitou à curadoria que  evitasse a romantização de assuntos sensíveis, o que ele definiu como “o elogio à mestiçagem de forma acrítica”. O site da exposição explica que “a mostra apresenta ligações, às vezes inusitadas, às vezes surpreendentemente diretas, entre o movimento cultural e o esporte das multidões”. Ou seja, tanto o modernismo como o futebol se relacionam à construção do que é ser brasileiro. Isso reforça aquilo que já está no coração do brasileiro: “estamos no país do futebol”.

Sobre a torcida no Brasil

O Brasil é conhecido mundialmente como o país do futebol. Ainda que se possa alegar que em outros países, como Inglaterra e Alemanha, o futebol é consumido por uma parcela maior da população há mais tempo, a alcunha do Brasil é eterna e indiscutível. Seja por ter a única seleção pentacampeã mundial, seja por ter revelado craques geniais e formado equipes encantadoras, o Brasil é referência quando o assunto é futebol, esporte mais popular do planeta.

Esses fatores e o fato de o país contar com muitos clubes de grandes torcidas, diferentemente do que acontece na Europa, foram o ponto principal para que fosse criado um museu dedicado a esse esporte tão apaixonante para o povo brasileiro. Desde a sua fundação, em 2008, o Museu do Futebol já costuma atrair muitos visitantes, brasileiros ou não. A novidade da exposição 22 em Campo é conjugar a história e a cultura brasileiras, sem deixar de lado a emoção proporcionada pelo esporte. 

Relíquia. O visitante tem a oportunidade de ver de perto o único uniforme remanescente do Sul-Americano de 1922, de Amílcar Barbuy. [Imagem: Arquivo Pessoal/Ricardo Thomé]

Paradoxalmente a tudo isso, somos um país onde quase um quarto da população declara não torcer para nenhuma equipe ― número superior ao da torcida de qualquer time. Nesse contexto, rememorar o passado, aos olhos do presente e com um referencial moderno, é uma forma de cultivar os torcedores já existentes e cativar aqueles em ascensão. A reportagem da Jornalismo Júnior procurou conversar com esses dois públicos para buscar compreender, inclusive, a relação do torcedor com o futebol.

Daniel e Fabiana levaram seu filho pequeno, Felipe, para conhecer as exposições do estádio. “Ele faz aulinha de futebol, nós estávamos por perto e decidimos passar aqui”, contam. Animado e esbanjando seu álbum da Copa de 2022, Felipe pode não ter entendido todo o conteúdo e reflexão da exposição, mas certamente estava se divertindo.

Em uma era de re-elitização do futebol, abordá-lo sob a perspectiva modernista pode ser uma ótima estratégia para que as novas gerações, como a de Felipe, sigam se envolvendo no esporte. Wisnik ressaltou a importância disso: “Apesar de os modernistas serem da elite, o horizonte deles era democrático. A ideia [da exposição] é que esse horizonte democratizante veio a se realizar de verdade no futebol, isto é, foi o futebol o lugar onde esse projeto modernista melhor aconteceu com a ascensão dos atletas negros e indígenas, a arquibancada super popular. Só que a parte final que é triste: a elitização de novo com as arenas e a transformação do futebol em grande entretenimento mundial.”

Um inglês que visitava a exposição declarou ser torcedor do Wolverhampton Wanderers, de sua cidade natal, Wolverhampton. Cliff veio ao Brasil visitar um amigo em Salvador e, estando em São Paulo, viu o museu como um local atraente para fãs do esporte como ele: “É muito interessante para quem gosta de futebol, estou gostando bastante!”, disse. 

Cliff vem da Europa, onde as finais de campeonatos como a UEFA Champions League ocorrem em partidas únicas, disputadas em campos neutros pré-definidos. Isso, no contexto europeu, funciona. Afinal, as dimensões do continente são menores e a locomoção via ferrovias, por exemplo, é muito desenvolvida e facilitada, além de os voos serem mais curtos e acessíveis. Ao transportar essa realidade para a América do Sul, a ideia não funciona, caracterizando um outro exemplo atual da transformação do futebol em produto comercial e de elitização.

A tendência a reproduzir os modelos europeus de organização dos campeonatos, na Libertadores da América e, principalmente, na Copa Sul-Americana ocasiona uma elitização total do público. Viajar e se hospedar dentro do território sul-americano pressupõe altos gastos e uma logística complicada. Apenas o torcedor com bastante dinheiro – que, normalmente, não é aquele que acompanha o time toda semana no estádio – pode arcar com os custos. 

Quando a final é disputada por uma ou duas equipes de menor torcida, como ocorreu na Sul-Americana nas últimas duas edições, a tendência é ter um público reduzido, ainda mais em países que não têm relação com os finalistas. O modelo anterior, que previa finais de ida e volta, cada uma no estádio de um dos finalistas, propiciava ao torcedor muito mais chances de acompanhar o time na partida decisiva, como já faz usualmente ou, ao menos, de estar mais próximo da festa. Ainda que isso leve a melhores rendimentos televisivos, é difícil acreditar que, no panorama geral, um evento em um local menor gere menos impacto do que dois eventos em dois espaços maiores.

Sobre a organização e a montagem

Wisnik conta sobre a dificuldade de unir dois assuntos que à princípio não têm uma correlação direta. “Quando fui convidado para fazer essa exposição, me senti em condições de fazer, mas ao mesmo tempo desafiado porque a relação entre modernismo e futebol não é uma relação que estava dada. Foi um desafio. Foi preciso construir uma história, um argumento, e são dois assuntos os quais eu gosto muito”, o curador comenta. A partir disso, a cenografia do designer Kiko Farkas e do arquiteto Álvaro Razuk buscou aplicar o conceito da curadoria à montagem do evento.

Em entrevista ao Arquibancada e à J.Press, Razuk diz que não há conceitos modernistas aplicados à arquitetura do espaço, mas que a ideia era dividir a exposição em 22 partes com referências ao futebol, para que todos os temas fossem abordados e não houvesse a necessidade de seguir um caminho único para entender. “Por exemplo, a distribuição dos painéis daquele jeito, eu olhei uma prancheta com um campo. O treinador vai explicando o esquema tático, no futebol o zagueiro vira centroavante, se desloca, e por isso que eles [os painéis] estão desordenados. Isso dá certo, você cria os espaços que são mais surpreendentes, não tem uma lógica”, explica. 

Apesar de a proposta ser interessante, na prática ela tende a tornar a experiência confusa para o visitante, especialmente aquele que não é grande conhecedor dos assuntos. Além disso, o fato de a maior parte dos painéis não contarem com tradução para outros idiomas pode ser prejudicial para quem não entende o português. Foi assim com Cliff e com uma equatoriana que, junto a ele, tentava decifrar o que diziam as linhas e o que significavam as imagens. Eles reclamaram bastante desse aspecto e pediram aos visitantes locais que os auxiliassem na tradução. Essas e outras avaliações você pode conferir na resenha crítica da 22 em campo exposição feita pela Jornalismo Júnior 

Um painel que contava com legenda era o Garrincha-Macunaíma, craque brasileiro da Copa de 1962, uma parte nada convencional, porém muito agregadora da exposição. Em um vídeo com um pouco mais de cinco minutos de duração, frases do biógrafo de Garrincha, Ruy Castro, aparecem sobre cenas dos filmes Macunaíma (1968) e Garrincha, alegria do povo (1962). O diálogo entre os temas dos filmes é profundo, complexo e acontece a partir de uma análise proposta pelo pai de Guilherme Wisnik. O curador da exposição admitiu que a influência do trabalho do pai contribuiu para a construção da sua narrativa em 22 em campo.

Mané, o craque. Garrincha recebe um destaque especial dos curadores. [Imagem: Arquivo Pessoal/Ricardo Thomé]

Daniel e Fabiana, pais de Felipe, comentaram que, embora a reflexão proposta pelo painel seja muito interessante, para alguns públicos, como os da faixa etária do seu filho, a compreensão pode ser difícil e a sensação negativa: “Tem umas cenas muito figurativas, mas fortes, ele não estava entendendo. É confuso para crianças muito pequenas, porque ainda tem uma confusão do que é real e do que não é”, explicam. Quando o vídeo aborda a lesão de Garrincha, por exemplo, e mostra o sangue em Macunaíma, o menino teve dificuldade em entender a ludicidade proposta e ficou impressionado. 

Contando com o painel Garrincha-Macunaíma, a exposição apresenta 22 temas expostos além do convencional: A bola, Anhangabaú, Estádio das Laranjeiras (RJ), Marcos de Mendonça, Arthur Friedenreich, Pau-Brasil, Vocabulário, Torcidas, Operários, Tarsiwald, Várzea, Imigrantes, Favelas, Trem, Mário de Andrade e Villa-Lobos, Rádio, Pixinguinha, O negro no futebol, Garrincha-Macunaíma, Futebol indígena, Futebol de mulheres e Francisco Rebolo. 

Tudo inicia com A bola. Os organizadores, por meio da articulação entre modernismo e tempos atuais, colocam uma balança com duas bolas: a do Campeonato Sul-Americano de 1922 e a atual, da Copa do Mundo de 2022. Tudo isso leva à seção Anhangabaú, onde dois eventos mostram as vivências paulistas. Em um bar, era transmitido o jogo do Sul-Americano de 1922, que reuniu muitos brasileiros em uma torcida pela seleção. Seis meses antes, no Theatro Municipal, a elite paulista orquestrava sobre as novas faces da arte.

Comparação histórica. Bolas do Campeonato Sulamericano e da Fifa 2022 em uma balança. [Imagem: Divulgação/Museu do Futebol]

Arthur Friedenreich também foi abordado como um dos temas. Filho de um rico comerciante alemão com uma lavadeira negra brasileira, Arthur foi o primeiro grande destaque do futebol brasileiro na época amadora, que durou até 1933.

Em Operários, personagens da tela de Tarsila do Amaral e torcedores são equiparados após uma harmoniosa comparação. Em 1933, a artista modernista expunha seu quadro pela primeira vez, enquanto, no mesmo ano, um time suburbano de operários, o Bangu AC, vencia um grande clube da Zona Sul, o Fluminense. 

Operários: da arte para as bancadas. Seção dedicada à obra de Tarsila dialoga com a presença do povo nos estádios brasileiros. [Imagem: Arquivo Pessoal/Clarisse Macedo]

Favelas também é bem explorado. As comunidades são apresentadas como “celeiro de craques”, conceito usado por alguns sociólogos que evidenciam a realidade do futebol brasileiro: muitos craques vêm das favelas e regiões periféricas. As raras portas que se abrem são para os campos de futebol, espaço de convivência e recreação social nas favelas.

Acesso ao futebol. O campo é a porta que mais se abre à população.  [Imagem: Arquivo pessoal/Ricardo Thomé]


Wisnik também ressalta a participação de Mariana Chaves, coordenadora de Exposições e Coordenação Cultural, que participou da organização de 22 em campo, mas, infelizmente, faleceu em maio deste ano, aos 44 anos. Embora tenha tido pouco contato com Mariana, elogiou sua participação na exposição e seu trabalho de quase dez anos no Museu.

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