Por Bernardo Carabolante (bernardonm0411@usp.br) e Breno Marino (brenomarino2005@usp.br)
No dia 7 de julho de 1974, encerrava-se a décima edição da Copa do Mundo da Fifa. Depois da conquista brasileira da taça Jules Rimet em 1970, que consagrava a posse definitiva da taça ao país pelo tricampeonato mundial, a federação internacional, depois de consultar 53 ideias, mudou o formato da taça da competição. O troféu foi projetado pelo italiano Silvio Gazzaniga e se mantém o mesmo até hoje.
A história por trás da Copa
Quase 30 anos após o fim da segunda guerra, a Alemanha venceu a concorrência da Espanha, que trocou a candidatura por apoio alemão, oito anos depois, para a Copa de 1982 — prejudicada pelo período do regime nazista, a campeã em 1954 levou nove edições para receber uma Copa do Mundo. Existia a expectativa de receber o torneio antes dos anos 1970, mas a necessidade de reconstrução do país, além da sua situação com o resto do mundo, fez com que isso não fosse possível anteriormente.
Após a guerra, se estabeleceram a Alemanha Ocidental e Oriental, fundados em 1949, mas, na época, ambos países estavam banidos da Fifa e não puderam disputar a Copa de 1950. A equipe existente antes da Segunda Guerra Mundial se tornou a “ocidental”, enquanto que os “orientais” criaram sua própria seleção. Assim, os alemães estavam separados pelo Muro de Berlim, não só fisicamente, mas também socialmente.
Em 1966, a Alemanha Ocidental realizou movimentos para ser vista como a verdadeira Alemanha, conseguindo a sede para as Olimpíadas em 1972 e para a Copa dois anos depois. A Alemanha Oriental se classificou para uma Copa pela primeira vez em 1974, e no sorteio das chaves saiu a “briga entre irmãos”, como diria a imprensa alemã.
Alemanha Oriental x Brasil pela Copa de 1974, partida decidida por gol de Rivellino [Reprodução/MemóriaGlobo:Globo.com]
A Laranja Mecânica
Com um estilo de jogo revolucionário e intenso, a Holanda de 1974 se consolidou como a principal favorita à conquista da Copa. A equipe treinada por Rinus Michels aplicava à tática o famoso “futebol total”. Em entrevista ao Arquibancada, Rodrigo Bueno, jornalista esportivo da ESPN, comenta: “A seleção da Holanda de 1974, em especial, não tinha nada engessado, fixo, pelo contrário, se destacava pela mobilidade e versatilidade dos atletas, que desempenhavam diversas funções em campo. No papel, a equipe de Rinus Michels jogava em um esquema 4-3-3, que é a base do futebol holandês até os dias de hoje”.
Além de aspectos táticos, a seleção europeia contava com grandes craques em seu plantel. Multicampeão no Ajax e um dos maiores jogadores de todos os tempos, o atacante Johan Cruyff era fundamental no esquema holandês, contribuindo com gols e assistências, além de gerar espaços aos seus companheiros.
No grupo C da competição, a Laranja Mecânica, apelido dado à equipe devido ao futebol ofensivo praticado, passou em primeiro lugar, ao vencer o Uruguai e a Bulgária por 2 a 0 e 4 a 1, respectivamente, e empatar com a Suécia sem gols marcados. A fase seguinte, diferentemente das Copas anteriores, seria decidida em nova fase de grupos, na qual o primeiro colocado iria à final e o segundo disputaria a terceira colocação do torneio.
Na segunda fase, a Holanda caiu em grupo com Alemanha Oriental, Argentina e Brasil, atual campeão do mundo em 1970. Sem muitas dificuldades, o Carrossel Holandês venceu os três confrontos, marcando um total de oito gols e sem sofrer nenhum. Ainda sem perder na competição, a seleção treinada por Rinus Michels chegou à final, justificando o favoritismo que recebia.
A numeração dos jogadores holandeses era fora do padrão acostumado. Por exemplo, enquanto o atacante Cruyff usou a camisa 14, o goleiro Jongbloed usou a camisa oito, numeração alternativa em relação ao adotado por outras equipes [Reprodução/WikimediaCommons]
Alemanha: anfitriã e em momento de união
Pela primeira vez na história das Copas, a Alemanha sediou a competição em 1974. Depois de décadas turbulentas pós-Segunda Guerra Mundial, a recepção de um dos torneios esportivos mais importantes do mundo representava a reconstrução da nação alemã, ainda dividida. Além disso, pela primeira vez, a Alemanha Oriental participou da Copa do Mundo.
No grupo A, as duas Alemanhas se classificaram à segunda fase. Enquanto a porção estreante conseguiu o feito sem perder nenhuma partida, com duas vitórias e um empate, a Alemanha Ocidental passou na segunda colocação, com derrota para sua “irmã vizinha”. As outras duas seleções do grupo eram Chile e Austrália.
Na fase seguinte, os papéis se inverteram — a vitória surpreendente da “azarona” Alemanha Oriental contra a Ocidental, na verdade, ajudou os perdedores do confronto a caírem em um lado mais tranquilo da chave. No grupo A, a Alemanha Oriental foi eliminada, com apenas uma vitória, sobre a Argentina, e duas derrotas, para Holanda e Brasil. Do outro lado, no grupo B, a equipe do defensor Franz Beckenbauer se classificou à final da competição, com três vitórias sobre Polônia, Suécia e Iugoslávia. Essa equipe, para Rodrigo Bueno, foi a melhor seleção alemã de todos os tempos: “A Alemanha Ocidental contava com diversos craques geracionais, destacando-se Gerd Müller, o goleiro Sepp Maier e Beckenbauer”.
Assim, a seleção alemã buscava repetir o feito de 1954 e vencer o favoritismo de seu adversário. A Alemanha Ocidental, também, era a atual campeã da Eurocopa, conquistada em 1972.
A final: mais uma derrota do futebol arte
Realizada no Estádio Olímpico, em Munique, a final entre Holanda e Alemanha tinha tudo para ficar marcada na história do esporte. O embate consolidava o confronto entre um futebol revolucionário contra a qualidade técnica e paixão dos atletas alemães, que poderiam ser campeões em seu próprio país.
Na imagem, dois dos maiores atletas da história do futebol antes da partida: Johan Cruyff à esquerda e Beckenbauer à direita [Reprodução/WikimediaCommons]
Logo no começo da partida, aos 2’, Johan Cruyff sofreu pênalti, e Neeskens, que já havia feito dois gols na competição dessa mesma forma, abriu o placar do jogo. Mesmo com um início arrasador holandês, a Alemanha não se assustou e, aos 25’, Paul Breitner empatou a partida, após cobrança de pênalti. No fim do primeiro tempo, aos 43’, o craque alemão Gerd Müller virou o placar do jogo para 2 a 1. Em partida inspirada do goleiro Sepp Maier, a Laranja Mecânica não conseguiu concretizar seu ligeiro favoritismo e, com o apito final do árbitro Jack Taylor, a Alemanha conquistou seu segundo título mundial.
A derrota da Holanda representou mais uma perda para o futebol revolucionário, que já havia acontecido nas Copas de 1954, com a Hungria, e em 1966, com a seleção de Portugal. A marcação realizada pela seleção alemã foi um dos principais fatores que levaram à vitória da equipe. “Vogts foi escalado para fazer marcação individual em Cruyff, que brilhou nos primeiros segundos da decisão ao fazer a jogada que resultou no pênalti para a Holanda. A marcação forte e a aplicação tática já fizeram com que os alemães superassem, na final de 1954, a espetacular seleção da Hungria. Conseguiram anular em boa parte o poderio do adversário”, complementa Rodrigo.
Gerd Müller é ídolo alemão e, até 2006, era o maior artilheiro da história das Copas, com 14 gols [Reprodução/WikimediaCommons]
O Brasil na competição
Depois da conquista em 1970, a seleção brasileira teve muitas mudanças para a Copa de 1974. Do time campeão quatro anos antes, apenas Piazza, Jairzinho e Rivellino permaneceram, além do técnico Zagallo. Mesmo sendo uma das favoritas à conquista da competição, a seleção não tinha o mesmo brilho e qualidade da geração anterior. “Na primeira fase, a seleção brasileira custou a engrenar. Empatou em 0 a 0 com a Iugoslávia e com a Escócia. Só balançou as redes contra o frágil time do Zaire, a quem venceu por 3 a 0”, comenta Rodrigo.
Na fase seguinte, o Brasil estreou com vitória sobre a Alemanha Oriental, por 1 a 0, com gol de Rivellino. Na segunda rodada, a seleção canarinho enfrentou seu principal rival do continente, a Argentina. Com gol do “furacão de 70”, Jairzinho, no segundo tempo, a equipe treinada por Zagallo venceu por 2 a 1. O gol dos argentinos, marcado por Brindisi, foi o primeiro sofrido pela defesa brasileira na competição.
Na última rodada ocorreu um embate contra a Holanda, em confronto decisivo para descobrir quem avançaria à final. Em partida pouco inspirada e com show de Johan Cruyff, o Brasil perdeu pelo placar de 2 a 0, resultado que o eliminou da competição.
Contudo, com a segunda colocação do grupo, a seleção brasileira se classificou para a disputa de terceiro lugar, contra a Polônia. Com gol polonês do artilheiro da competição, Lato — que fez um total de 7 gols no torneio —, o Brasil se despedia da Copa do Mundo de 1974 com a quarta colocação, após derrota por 1 a 0.
O desempenho do Brasil na Copa, mesmo com muitas mudanças em relação à competição realizada no México, foi decepcionante. “Zagallo zombou dos holandeses antes do jogo, dizendo que o rival jogava um futebol ‘tico-tico no fubá’. O treinador foi muito criticado, depois, por não ter se atualizado e aprendido com o futebol moderno dos holandeses. Além disso, a revolta do goleiro Leão no gol sofrido durante a disputa do terceiro lugar escancarou o clima ruim daquela campanha brasileira na Alemanha”, conclui Rodrigo.
Jairzinho, um dos destaques da Copa de 1970, não conseguiu repetir o feito e desempenho da campanha anterior [Reprodução/WikimediaCommons]
A Copa que moldou os últimos 50 anos
“A partir do Carrossel Holandês, o futebol ficou muito mais dinâmico, e segue assim até hoje”
Rodrigo Bueno
Apesar da Alemanha ter saído campeã, a Holanda estabeleceu um estilo de jogo que ainda influencia até nos dias atuais. Um futebol mais livre, em que todos atacam e não se prendem exclusivamente à sua posição — assim como os times de Guardiola demonstram, nos quais um zagueiro pode virar volante ou lateral, e um lateral se tornar zagueiro ou meio campista. “Hoje, a ideia do jogador múltiplo, versátil, não é só aceita, como ela é exigida muitas vezes” diz Rodrigo Bueno. Os holandeses, além das trocas de posições e movimentações entre jogadores, também aplicavam uma tática conhecida como “perde-pressiona”, muito utilizada por diversos técnicos e presente em muitos estilos de jogo atuais.
Rodrigo Bueno acrescenta: “O principal técnico de futebol do século 21, Pep Guardiola, bebeu muito na fonte de Cruyff, que era treinado pelo genial Rinus Michels, considerado, oficialmente pela Fifa, como o melhor treinador do século 20”. Os três técnicos tiveram, em seu estilo tático, o objetivo de ter o controle da bola e, com isso, mandar na partida e não sofrer defensivamente. Essa filosofia, estabelecida por Rinus Michel e, posteriormente, por Cruyff e Guardiola, é uma tentativa de muitos técnicos, mas sem eficiência em muitos casos — alguns exemplos são os de Fernando Diniz, com sucesso em alguns momentos, mas também decaída do ritmo em outros, como o atual, e Xabi Alonso, na temporada fantástica do Bayer Leverkusen.
A Holanda inovou também ao valorizar o controle de bola no ataque e jogar ofensivamente com os 11 jogadores, utilizando até seu goleiro Jan Jongbloed, no que já era um esboço do goleiro-líbero utilizado hoje em dia. “Se ganhássemos, talvez não tivéssemos deixado tantas lembranças como perdendo”, afirmou Cruyff anos depois.
Johan Cruyff em partida pela Copa do Mundo de 1974, a única de sua carreira [Reprodução/ QFL/ Terceiro Tempo]