Por Fernando Silvestre (fernando.silvestre@usp.br)
A ginasta artística Rebeca Andrade anunciou em agosto sua aposentadoria no Solo. Rebeca é a maior medalhista olímpica do Brasil e conta em seu histórico: duas medalhas de ouro, três de prata e uma de bronze. A atleta cativou ainda mais o público nacional nas Olimpíadas de Paris em 2024, quando levou para a casa a medalha de ouro pelo Solo.
A prevenção de lesões na ginástica artística é uma parte fundamental do treino. A prática esportiva requer cuidado, uma vez que os movimentos são arriscados e podem causar danos intensos no corpo do ginasta. Além disso, o cuidado com a saúde mental dos atletas requer atenção para evitar transtornos psiquiátricos.
O que é Ginástica Artística?
A ginástica artística (GA), popularmente conhecida no Brasil como ginástica olímpica (GO), é um dos seis tipos de ginástica, não considerando as subdivisões feminino e masculino. As diferentes nomenclaturas estão relacionadas ao momento em que a Ginástica Rítmica (GR) foi incluída nos Jogos Olímpicos de 1984, tornando-se também um tipo de ginástica olímpica. A partir desse momento, o Brasil passou a atender a antiga ginástica olímpica como artística, assim como era chamada essa prática esportiva internacionalmente. Porém, hoje, chamar a GA de ginástica olímpica é algo corriqueiro entre os brasileiros.

No Brasil, a CBG é o órgão responsável por estimular, administrar expandir os diversos tipos de ginástica [Imagem: Confederação Brasileira de Ginástica/Divulgação]
A GA apresenta um conjunto de exercícios físicos e movimentos que possuem como objetivo fins competitivos. Nesse tipo de ginástica, utiliza-se da força, agilidade e elasticidade conjugados para a realização das atividades.
A ginástica artística é subdividida em: Feminina e Masculina. Na feminina (GAF), os aparelhos utilizados são: Trave de equilíbrio, Barras Assimétricas, Salto e Solo (com música). Já a ginástica artística masculina (GAM) é composta por: Cavalo com Alças, Argolas, Barra Fixa, Barras Paralelas, Salto e Solo (sem música).
A Federação Internacional de Ginástica (FIG) foi fundada em 1881 e é considerada a federação internacional de esporte mais antiga do mundo. A FIG é responsável por estabelecer regras para as diversas modalidades da ginástica e, no caso da GA, as que ganham mais destaque são: estipulação da rotina e sua duração; fornecimento da pontuação a partir de cada elemento realizado durante o aparelho nas competições internacionais; e definição dos critérios de julgamento dos movimentos.
As lesões físicas na GA
Os atletas de alto-rendimento de ginástica artística efetuam treinos intensos que requerem um comprometimento físico. Rotinas de exercícios difíceis em busca de excelentes resultados nos campeonatos e nas olimpíadas levam a um estresse exagerado nos corpos dos ginastas. A exigência dos membros superiores na GA é uma das maiores entre os esportes, segundo a afirmação do médico Stephen Aoki da Equipe de ginástica da Universidade de Utah para a Health: University of Utah.
As muitas horas de treino podem produzir lesões comprometedoras para as capacidades físicas dos atletas. Os danos físicos são mais comuns nas articulações e nos membros inferiores, segundo o artigo Lesões Desportivas na Ginástica Artística: Estudo a Partir de Morbidade Referida (2008) da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. O texto científico indica que as lesões articulares são mais frequentes nos tornozelos, joelhos e ombros, além de outros tipos de danos na coluna lombar.
O estresse físico dos exercícios e das repetições podem causar diferentes formas de lesões. O dano mais comum são os entorses, principalmente nos tornozelos, em que os ligamentos sofrem uma distensão ou até mesmo uma ruptura. No caso da ginástica, entorses podem acontecer de forma frequente em outros lugares, como na lombar ou nos isquiotibiais (grupo muscular localizado na parte posterior da coxa, que conta com o bíceps femoral, semitendíneo e semimembranoso).
Outro tipo de lesão muito associada a GA é o “Pulso de Ginasta”, também chamado de Síndrome do Estresse Fisário Radial Distal. A síndrome pode ser resultado de inflamação ou fratura por estresse, ocasionado pela repetição de movimentos e de alto impacto, comuns na GA. A lesão é mais comum em crianças e adolescentes, uma vez que atinge a placa de crescimento do rádio (osso do antebraço) de esqueletos imaturos.
Na ginástica, ainda são comuns outros tipos de lesões. Como as lesões no ligamento cruzado anterior (LCA), que fica no joelho. Ela é resultado da ruptura desse ligamento e causa dor intensa e inchaço. Além disso, hérnias de disco, danos às cartilagens, luxações e tendinite são possíveis consequências de um treino exaustivo e não precavido.
Como prevenir as lesões?
As lesões devem ser evitadas, e para que isso ocorra são necessários alguns métodos. Em entrevista ao Arquibancada, a professora Mariana Tsukamoto, do curso Educação Física e Saúde da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), diz que a prevenção de lesões depende de duas partes principais. Mariana destaca a importância da segurança ambiental do local do treino. A verificação se os equipamentos estão em bom estado para uso ou se há algum tipo de fator externo, como desnível e luminosidade insuficiente, fazem parte da prevenção e podem evitar lesões. Essa responsabilidade recaí principalmente pelo responsável do treino, ou seja, o(a) professor(a) ou o(a) treinadora(o), mas também é parte das obrigações de quem utiliza aquele ambiente, como os atletas.

Mariana Tsukamoto é coordenadora do programa Ginástica Para Todos EACH – Grupo Emperia na EACH [Imagem: FFLCH/Reprodução]
A docente expõe que outro fator de prevenção é a relação entre treinador e aluno. “É importante que a pessoa [treinador(a)] não tenha pressa para que o aluno faça [os movimentos]” afirma a pesquisadora. A necessidade de que não haja uma cobrança muito intensa e de que o responsável respeite o “limite do praticante” é essencial. Mariana também cita sobre essa parte o caráter imprescindível de planejar o treino conforme os limites, “os processos de ensino e de aprendizagem das habilidades” orientados pelos objetivos, que para os atletas de alto-rendimento, são as competições.
A relação entre professor e atleta não depende só do treinador. O discernimento e o respeito do praticante pelo o que é instruído para ele é fundamental. Mariana reitera: “Fazer só o que o professor pede, na hora que ele pede e do jeito que ele pediu”. A docente entende que é um ambiente divertido e estimulante, mas a falta de responsabilidade por parte do atleta pode provocar lesões em si mesmo e em outros indivíduos presentes no ambiente.
Existem outras formas de prevenção que agregam à segurança do treinamento. A utilização de uma técnica adequada para cumprir as exigências de movimentos delimitados pelos regulamentos, como os propostos pela Federação Paulista de Ginástica no Troféu São Paulo. Nesses regulamentos, são explicitados o que é esperado dos atletas e quais aparelhos devem ser cumpridos na competição. Por exemplo, para o nível A (o mais avançado dentro das categorias divididas por faixa etária) no regulamento do Troféu São Paulo de 2024 – Ginástica Artística Feminina foi definido pontos para os diversos tipos de movimentos dentro dos aparelhos.
Práticas de relaxamento, descanso, dieta equilibrada e exercícios para o condicionamento devem fazer parte da rotina para que as lesões sejam evitadas. O aquecimento somado à alongamentos específicos, delimitados pelos fisioterapeutas e médicos do esporte, agrega também à prevenção.

Rebeca Andrade se mudou sozinha aos 10 anos para Curitiba com o objetivo de treinar profissionalmente [Imagem: Abelardo Mendes Jr/Wikimedia Commons]
No caso da Rebeca Andrade, deixar de competir no Solo faz parte da remediação de lesões. Rebeca treina desde os quatro anos de idade. Esse período é extenso no ramo do esporte e que dentro de uma rotina exaustiva, focada na alta performance, leva ao desgaste corporal da atleta.
Deixar de praticar exercícios e movimentos que exigem mais do que os outros aparelhos enquadra-se também na relação entre ela e seu treinador Francisco Porath. Como parte da responsabilidade dele, Francisco Porath privilegia o resultado de Rebeca em outros aparelhos, ao invés de arriscar a integridade física da ginasta no Solo e possivelmente causar uma lesão grave que afetaria a participação dela em futuras competições.
Os impactos mentais nos ginastas
Além das lesões, o treino exaustivo dos ginastas pode impactar seu estado mental. Em entrevista ao Arquibancada, Dante De Rose Júnior, mestre em Educação Física e doutor em Psicologia Social pela USP, detalha os impactos das rotinas intensas na saúde mental dos atletas de alto rendimento. A falta de descanso entre os treinos é um dos fatores que mais geram o estresse. A obrigatoriedade de treinos longos e cansativos para atletas olímpicos afeta o sono e o desenvolvimento, principalmente, quando são crianças e adolescentes.
Outro fator muito presente no entendimento do estresse dos atletas é a cobrança. “As cobranças, que hoje são muito fortes, principalmente por parte dos pais e dos treinadores”, afirma. Todos esses fatores afetam a saúde do esportista, que pode agravar-se em esgotamento e na Síndrome de Burnout. O pesquisador afirma que a ansiedade é um processo natural dentro do esporte, porém a falta de controle, junto de estresse elevado e alta cobrança pode intensificar o sentimento. Os resultados são as “explosões”, em que o atleta pode apresentar crises depressivas ou até mesmo abandonar o esporte.
Sobre os ginastas de alto rendimento, De Rose fala que o esforço para se preparar para as competições, a extensão dos treinos e o sacrifício da vida dos atletas pode ser maior do que o sentimento recompensador que vem com a execução de uma prova. Em destaque no caso da ginástica, a “recompensa” não depende somente do atleta, mas também do júri. Diferentemente do atletismo, por exemplo, “o seu [do ginasta] desempenho depende da avaliação de outra pessoa”.
“O sacrifício que você irá fazer para chegar a determinado ponto às vezes é muito maior do que a recompensa”
Dante de Rose Júnior
Para lidar com essas situações de desgaste emocional é fundamental um apoio psicológico. A cooperação entre o treinador e o psicólogo esportivo com o intuíto de fortalecer a saúde mental dos atletas é uma parte importante do esporte de alto rendimento. Nem toda integração entre o psicólogo esportivo e os atletas é bem sucedida, por isso é importante que o profissional da saúde conheça a dinâmica do esporte para adaptar sua abordagem a ela.
A convivência entre os treinadores e os ginastas deve ser respeitosa. Casos de assédio moral e físico, além de serem crimes, prejudicam diretamente o desenvolvimento mental do atleta. No cenário brasileiro, ganhou-se destaque o caso do treinador Fernando de Carvalho Lopes, que foi condenado por estupro e assédio. Ele foi treinador de grandes nomes da ginástica nacional, como Petrix Barbosa e Diego Hypólito. O caso foi deflagrado pelo Fantástico, em 2018, que entrevistou esses atletas. Petrix relata uma série de assédios sexuais que sofreu ao longo dos anos com Fernando. A falta de apoio psicológico que ignorou as acusações que Petriz fazia ainda jovem fragilizaram o ginasta. Na entrevista, o esportista fala sobre a vontade de desistir.
No contexto internacional, as Olimpíadas de Tóquio em 2021 foram marcadas pela saúde mental dos atletas em meio à pandemia de Covid-19. A ginasta Simone Biles, medalhista olímpica estadunidense, decidiu se retirar das competições. A atleta alegou a autoconfiança prejudicada e a elevada pressão, o que é um exemplo do que o elevado nível de estresse nesses atletas pode ocasionar.
