Os dois adolescentes perdidos em Lagoa Azul: O despertar (Blue Lagoon: The Awakening, 2012) teriam muito a ensinar ao Chuck Noland (Tom Hanks) de Náufrago (Cast Away, 2000). Aparentemente, em situação de isolamento, apenas ter uma pessoa ao seu lado já é mais do que suficiente para garantir sua saúde mental e física. Por mais que, em um primeiro momento, seu companheiro se encaixe em algum dos piores estereótipos de um filme teen, o do rebelde bom demais para escola — talvez porque, apesar disso, ele continue sendo bonito.
Essa parece ser a moral da história por trás do remake de um dos maiores clássicos da Sessão da Tarde: A Lagoa Azul (The Blue Lagoon, 1980), que tornou a modelo Brooke Shields conhecida do grande público, também lhe premiando com o Framboesa de Ouro de pior atriz daquele ano. Se o original tem qualidade questionável, a nova versão não só mantém esse padrão como confere uma roupagem moderninha a ele. Desta vez, o jovem casal não cresce em uma ilha deserta. Os protagonistas Emmeline Robinson (Indiana Evans) e Dean McMullen (Brenton Thwaites) são dois estudantes de ensino médio em uma escola americana — vale destacar que ambos são australianos, e que o sotaque não transparece. Ela é a típica aluna exemplar, em que se depositam as expectativas de aprovação nas melhores universidades, ao mesmo tempo em que mantém sua vida social; incluindo o interesse do menino mais bonito de sua turma, o quarterback Stephen (Jacob Artist). Parece um elemento clichê e esquecível? É mesmo, só um pouco mais memorável graças a melhor amiga de Emma, que repete constantemente observações iniciadas por um “OMG, Stephen Sullivan”.
Ele é o desajustado socialmente, caladão e ríspido. Já no início do filme, Dean provoca a colega perfeitinha, a quem chama de prom queen (o que demonstra um nível de maturidade surpreendente em seu humor irônico, não é mesmo?) mas, claramente, tem um visual digno de galã jovem, assíduo frequentador de academias. Na introdução ao personagem temos uma breve apresentação de seu relacionamento distante com o pai e um comentário de uma colega da estrela feminina sobre como antes do ensino médio ele era um cara legal. Essa sequência se passa na cantina da escola em que, no meio de uma de suas inúmeras divagações sobre a perfeição de Stephen, Lizzie (Alix Elizabeth Gitter) vê sua amiga encarando o Lonely Boy, enquanto esse mostra toda sua faceta rebelde cortando uma maçã com uma faca afiada, artigo proibido na escola. O afastamento social acrescido da notável tensão sexual, a maçã, garota inocente versus garoto misterioso… Qualquer semelhança com Crepúsculo (Twilight, 2008) é mera coincidência.
A escola organiza uma viagem de trabalho voluntário para uma ilha do Caribe, na qual Dean foi inserido com muito esforço por parte de seu poderoso pai, que teve de driblar o mal comportamento e as infrações de seu filho. Em um ambiente tropical, com todos se divertindo na piscina, o jovem continua dentro de seu mundo, apenas observando da sacada do hotel, sendo inevitável que seu olhar se cruze com o de Emma — a lei dos opostos se atraem, favorita de muitos dos mais famosos filmes românticos. Após o primeiro dia de trabalho na viagem, em que deveriam construir uma escola para a comunidade, o grupo da aluna modelo se anima com uma festa no barco de um morador local. Apesar de relutar — pelos longos 5 segundos em que sua responsabilidade falou mais alto — a garota acaba cedendo aos gritos de “É HOJE” de Lizzie (que, aliás, tem como maior papel pressionar a protagonista a ser mais ousada).

No iate, Emma se perde do resto de seu squad e, ao procurá-las, encontra Stephen beijando outra moça. O barco é interceptado pela guarda costeira, o que aumenta toda a confusão. Atordoada, ela acaba caindo na água, tendo Dean como única testemunha. Ele não exita e pula em sua direção, alcançando o bote salva-vidas, em que ambos entram rapidamente. Num ímpeto nada inteligente, e já com uma extensa ficha de advertências, Dean corta a corda que liga o bote ao iate, deixando os dois à deriva, com a justificativa de que seria possível eles remarem, seguindo o destino do barco maior.
Após pouquíssimos instantes — mais ou menos 2 segundos — a polícia se afasta e uma tempestade torrencial se inicia, numa sequência que desafia um pouco a inteligência do espectador. Depois dessa sucessão de azares, o casal acorda no meio do oceano, sem nenhum sinal de terra firme próxima. A moça, então, avista uma ilha ao longe e pede para o companheiro remar até lá. Ele alega que não é possível, já que eles contam com apenas um remo, e que a melhor opção era esperar que o bote alcançasse o lugar espontaneamente (o herói masculino não é autor de ideias muito boas, podemos perceber). Em protesto, Emma decide que irá dar um jeito de remar sozinha e é aí que, do mais absoluto nada, Dean resolve pegar aquele remo solitário, que até pouco tempo era inútil, para impedir que a moça tivesse que tomar a frente. Com essa ferramenta e a ajuda das mãos, eles chegam à praia e logo querem procurar algum sinal da civilização.
A essa altura, os pais dos estudantes já estão desesperados com o sumiço e com a irresponsabilidade da escola, que tem como um de seus representantes Mr. Christiansen, um professor interpretado por Christopher Atkins, o Richard, protagonista da primeira versão. As equipes de busca local contam com poucos recursos para fazer operações na área mapeada e, conforme o tempo passa, diminuem-se as expectativas de encontrar os desaparecidos ainda com vida.
O transcorrer do tempo é aliado na aproximação de Dean e Emma, sem deixar de citar, é claro, as tensões trazidas pela situação limite e pelas discordâncias constantes dos dois. Quando expostos ao perigo, as atuações são risíveis. Ter de interagir com espécies selvagens que não estão ali de fato são um desafio para qualquer ator, e esse não é driblado com maestria pela dupla principal. Os gritos soam tão artificiais quanto outros elementos na construção da narrativa. O filme foi feito para a televisão e isso fica perceptível. Por sua duração reduzida, o desenrolar dos fatos parece apressado e raso e a edição tem cortes muito esquisitos, prejudicando a continuidade. Após se verem em roupas íntimas e passarem algumas vezes pelos questionamentos de Emma quanto à continuidade das buscas, os dois ficam juntos e apaixonados. Porém, suas diferenças — ele, com um lado mais prático e mantendo seus momentos introvertidos e ela sendo mais sensível voltam sempre à tona. O problema é que são desentendimentos-relâmpago. Em um piscar de olhos, os dois, que mais parecem estar em lua de mel em vários momentos, voltam às cenas em que mergulham juntos e trocam beijos. O período que passam perdidos se assemelha a um fanservice interminável, em que o casal vive diversos pequenos finais felizes e tem um modelo de relacionamento almejado pelos românticos, em que nada é uma barreira para o amor. Aparentemente, esse sentimento é também capaz de parar os efeitos biológicos, já que depois de tanto tempo em uma ilha deserta, o clima de romance permanece o mesmo, ignorando a ausência de qualquer estrutura de higiene — o que devia causar um incômodo em dois jovens acostumados à vida confortável de primeiro mundo —, ou a alimentação precária, que não mexe nem um pouco na aparência impecável de ambos, que continuam fortes e saudáveis.

A sequência que mais destoa do foco no relacionamento dos dois é a que explica o comportamento antissocial de Dean. Ele e sua mãe se envolveram em um acidente de carro quando ela o buscava em um treino de futebol, após ele decidir fazer uma brincadeira. Com o impacto, ela não resistiu e morreu, deixando a culpa no então garoto e o afastando não só de seu pai como de todas as outras pessoas. Essa perda prévia é também o que ajuda o pai de Dean a tomar uma decisão: após alocar recursos em prol de uma busca particular, ele comunica à mãe de Emma que talvez seja a hora de eles pararem de procurar e aceitar o que perderam, para focar no que ainda têm.
Teoricamente, assim, seriam menores as chances deles serem encontrados. Após mais de três meses, em que as buscas não eram mais de resgate e sim pela recuperação de corpos, elas tinham sido encerradas em definitivo. As dúvidas de Emma quanto ao tempo que poderiam sobreviver em um ambiente inóspito tomavam mais sentido. Dean, desajustado em seu habitat natural, parecia se incomodar menos com a nova realidade, pregando que era uma questão de adaptação. Já Emma parecia cada vez menos satisfeita com a situação, se culpando pelos breves momentos de felicidade e sentindo a falta de sua família e dos seus planos na escola e em seu ciclo social.
Apenas um avião tinha cruzado o caminho da ilha durante mais de 90 dias, até que um helicóptero, providencialmente — antes que fossem necessárias mais momentos dos dois sendo apaixonados na praia — atravessa os ares e os resgata. O processo de resgate e o seu embarque para os EUA são incógnitas, passagens não inclusas no roteiro. Depois que disparam os tiros do sinalizador, a próxima cena já é a da chegada ao aeroporto em terras americanas. Mais bronzeados — um ponto para a coesão, considerando que os personagens passaram muito tempo expostos ao sol sem proteção — eles chegam ao saguão de mãos dadas e parecem assustados com a quantidade de flashes e gritos. Como comentava na ilha, Dean logo viu que a atenção direcionada à Emma se destacava. A maioria dos que recepcionaram gritavam seu nome e a quantidade de abraços que ela recebia logo a separaram dele, que ficou apenas ao lado de seu pai. Em um primeiro momento, nada mais lógico, já que família e amigos consideravam que ambos estivessem mortos, nada mais natural que querer sentir a presença do retorno. Mas, ao voltarem às suas rotinas, eles parecem não saber como inserir as suas novas experiências em sua antiga realidade.
Emma passa a tratar Dean de uma maneira fria, priorizando as pessoas que antes faziam parte de seu círculo social, o que inclui Stephen— sim, aquele Stephen que devia gostar dela mas estava com outra no iate. Vale ressaltar que depois de passar um período bastante considerável com alguém, em uma situação de risco de vida, perder a virgindade com esse alguém, que foi também seu maior companheiro na hora de providenciar comida, enfrentar animais selvagens, entre outras coisas, fingir que nada aconteceu pode não ter sido a atitude mais simpática do mundo.
Mas Dean parece não ter lidado bem com a situação. Ele aparece no meio da noite no quarto de sua companheira de isolamento — lembrando que esta é uma história contemporânea, celulares já existiam — mostrando uma dificuldade de entender as diferenças entre a liberdade irrestrita de outrora e as limitações (sociais, legais e de etiqueta, tornando sua atitude um tanto inoportuna), após voltarem para casa. Além disso, apesar de ter exposto seus conflitos internos para Emma, sua falta de apreço por interação e seu gosto por armas frias permanecem.
Esse embate entre as reações, ambas repletas de erros imaturos, levam Dean a ignorar uma ligação de Emma, que provavelmente iria convidá-lo para o baile de formatura e acaba tendo de levar sua irmã como acompanhante — irmã que também segue o clássico tipo rebelde, para contrastar com a jovem modelo. Em mais um plot twist, mostrando que tensões que se desenrolam realmente não parecem muito valorizadas, o bad lonely boy decide pegar um terno emprestado do pai e ir à festa, em que encontra uma Emma que parecia entediada e arrependida. Claramente, havia tratado mal seu príncipe encantado.
Em um desfecho digno de High School Musical (2006), Dean aguarda por ela do lado de fora do baile, sob uma chuva torrencial. Ele convida a rainha do baile para dançar e ela, mais uma vez negando o título, reafirma: “Eu sou apenas uma garota” (suspiros ou um rolar de olhos? Fica a critério do coração de quem assiste). Um beijo e uma dança lenta: não havia melhor forma de finalizar um puro clichê adolescente.

Lagoa Azul: O Despertar não é um filme com substância e nem um entretenimento de muita qualidade. Se essa história acordou depois de mais de 30 anos, ela é ainda sonolenta e pode trazer tédio àqueles que não se contentam com a premissa água com açúcar das metades inseparáveis.
por Pietra Carvalho
pietra.carpin@hotmail.com