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Sob o olhar de Luca Guadagnino

O diretor faz jus à fama e registra o mundo de forma única
Por Gabriela Nangino (gabi.nangino@usp.br)

Rivais (Challengers, 2024) foi um dos filmes mais aclamados pela crítica em 2024 e transpôs os limites entre romance e esporte. É impossível ter saído da sala de cinema sem querer aprender a jogar tênis — ou, talvez, viver um triângulo amoroso. Luca Guadagnino, diretor do longa, ficou inicialmente conhecido por Me Chame Pelo seu Nome (Call me By Your Name, 2017) e, desde então, vem crescendo no cenário hollywoodiano. 

Com obras emocionantes e polêmicas, Guadagnino já se aventurou no suspense, no horror e no drama, e sempre se apropria da estética como elemento essencial. A arte, os figurinos, a ambientação e a música de suas obras são minuciosamente calculadas para imergir o espectador nas narrativas de seus filmes. 

Larissa Torres, crítica de cinema nas redes sociais, é uma grande apreciadora da obra de Guadagnino e concedeu entrevista ao Cinéfilos sobre o assunto. “Eu acho que ele viaja muito bem entre os gêneros”, afirma.  “Você sabe, quando você vê um filme dele, que é dele. Os roteiros que ele escolhe – muitos ele ajuda a escrever — sempre falam de amor, de alguma forma.”

Guadagnino conta com um Leão de Prata,  três BAFTAs e uma indicação ao Oscar [Imagem: Divulgação/MGM]

O cineasta italiano já trabalhou ao lado de grandes nomes da indústria atual, como Timothée Chalamet, Zendaya e Dakota Johnson. No dia 12 de dezembro de 2024, mais um longa sob sua direção, Queer, chegará aos cinemas brasileiros, estrelando o ator Daniel Craig como protagonista. Mas como ele criou esse universo cinematográfico tão único?

Antes da fama

Filho de pai italiano e mãe argentina, Guadagnino nasceu em Palermo, Itália, em 1971. Na adolescência, iniciou o curso de literatura na Universidade de Palermo, mas sua paixão pela escrita logo o fez se interessar por roteiros de cinema. 

Ele, então, optou por se graduar em História e Crítica do Cinema pela Universidade Sapienza, em Roma — mas, segundo o cineasta, a sua verdadeira “escola de arte” aconteceu através de sua amizade com Laura Betti, renomada atriz da cena italiana que o apresentou a diversas figuras ilustres.

Em 1997, Guadagnino dirigiu sua primeira obra: Qui, um curta de apenas 14 minutos. Em 1999, estreou seu primeiro longa, o thriller Os Protagonistas (The Protagonists, 1999) que contou com a atriz premiada Tilda Swinton, mas não foi bem recebido pela crítica. Na década seguinte, o cineasta continuou dirigindo outros títulos, sem receber grande reconhecimento.

Me Chame Pelo Seu Nome

Seu primeiro filme de sucesso internacional, Me Chame Pelo Seu Nome é a última obra da trilogia “Desire”. Composta por Um Sonho de Amor (Io sono l’amore, 2009) e Um Mergulho no Passado (A Bigger Splash, 2015). Guadagnino trabalha, nessa coletânea, o tema do desejo sob diferentes óticas.

O longa de 2017 é uma adaptação do livro de mesmo nome de André Aciman, publicado em 2007. Ele acompanha a vida monótona de Elio (Timothée Chalamet), um adolescente de 17 anos que vive no interior da Itália. A rotina do jovem é completamente transformada depois que ele se apaixona por Oliver (Armie Hammer), um aluno mais velho que vem para ajudar com a pesquisa de seu pai. 

A obra venceu múltiplos prêmios, entre eles, o Oscar na categoria de Melhor Roteiro Adaptado — mas não é segredo o motivo do hit. “É muito difícil pensar nesse filme sem o Timothée Chalamet”, explica Larissa. “Ele realmente é um dos melhores atores da geração, e foi um grande acerto escolhê-lo.”

Segundo Larissa, a obra foi responsável por lançar Chalamet como um astro do cinema atual — ele foi indicado ao Oscar de melhor ator em 2018 [Imagem: Reprodução / Maximilian Bühn/ Wikimedia Commons]

A trilha sonora inclui duas músicas compostas especialmente para o filme por Sufjan Stevens, que trazem uma suavidade essencial para a atmosfera do longa. Segundo Larissa, o cenário de verão italiano dos anos 80 e a estética pautada por cores leves e cenas introspectivas instiga, apesar da melancolia do protagonista, uma sensação de conforto no espectador. “Tudo traz para você uma nostalgia, mesmo sem ter vivido naquela época.”

Assim como em outras obras de Guadagnino, a vivência LGBTQIA+ é um elemento central do filme. Entretanto, se afastando de uma abordagem política, o longa não retrata nenhum conflito externo em relação à sexualidade, mas exprime uma percepção íntima da descoberta de Elio sobre o amor. “É refrescante ver histórias sobre a comunidade de outros ângulos. Eu acho que o Luca não consegue escrever um personagem que não tenha nenhuma faceta queer, mas ele encontra outras perspectivas para abordá-la”, afirma Larissa.

Tratando da paixão assim como da rejeição, Me Chame Pelo Seu Nome concilia a beleza visual com a beleza da mensagem [Imagem: Divulgação/ Sony Classics]

Para alguns espectadores, a obra é polêmica devido à diferença de idade entre Elio e Oliver. Discute-se que o relacionamento idealizado é problemático, e que o diretor não teve a cautela necessária para registrar o olhar de um jovem vulnerável. 

Para outros, a obra apenas faz jus aos relatos do livro. Segundo Larissa, o narrador, adolescente, não enxerga nada de errado nessa situação, pois está apaixonado. A época da obra também é relevante para entender seu contexto — nos anos 80, a idade não seria uma questão tão relevante.

Suspiria: A Dança do Medo

Remake do filme de 1977 de Dario Argento, o Suspiria: A Dança do Medo (Suspiria, 2018) de Guadagnino conta a história de Suzy (Dakota Johnson). A jovem americana chega na Escola de Dança Helena Markos, comandada pela bruxa Madame Blanc (Tilda Swinton) na Berlim Ocidental.

Vencedor do Prêmio Independent Spirit Robert Altman, Suspiria: A Dança do Medo é uma história espiritual que revela o ritualismo primitivo desse grupo de bruxas. Apesar do teor de drama característico do diretor, o filme destoa de seus demais projetos e é muito carregado pelo terror — feito não para assustar, mas para afligir o espectador. Além de Dakota trazer seu nome para o elenco, a obra também conta com Mia Goth, que mais tarde seria aclamada na cena do horror por protagonizar a trilogia de Maxxxine.

A sensação de “algo está errado” se instaura desde o início do filme, através da trilha sonora composta por Thom Yorke, vocalista do Radiohead, e da progressão crescente das cenas  [Imagem: Reprodução / Youtube / Prime Movies]

Guadagnino contou, em coletiva de imprensa no Festival de Veneza, que a ideia de Suspiria surgiu de sua admiração por Argento. “Amo Dario, todos amamos! Eu não estaria aqui hoje se não fosse por ele. Sou um stalker dos meus mestres, e Dario é um deles.” Sua intenção não foi realizar uma refilmagem do clássico italiano, mas sim homenageá-lo com um olhar mais cínico e macabro sobre a força da maternidade onipresente no longa original. Na versão de Luca, o espectador acompanha uma história que vai desde a gestação até o parto do mal.

 Muitos fãs de Dario Argento ficaram decepcionados com a perda da linguagem cinematográfica da obra de 77, defendendo sua superioridade [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Por sair de sua zona de conforto, Suspiria pode ser a obra mais controversa de Guadagnino. Com 2 horas e 32 minutos, ela tem uma hora a mais de duração do que a original, e dividiu opiniões entre êxito e falha colossal. Alguns críticos consideram a produção presunçosa, pois ela complica, mais do que o necessário, uma proposta simples que já havia sido bem executada. 

Com efeito, o filme de 1977 é um cult difícil de superar. Ele faz parte da “Trilogia das Mães” de Argento, que se completa com A Mansão do Inferno (Inferno, 1980), e O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas (The Mother of Tears, 2007). A inspiração das obras vem da literatura de Thomas De Quincey — escritor inglês do século XIX — cujas obras ficcionalizam a ideia de que o mal está encarnado em três mulheres, responsáveis por todo o sofrimento da humanidade.

Porém, a construção do suspense na narrativa de Guadagnino se dá de forma muito mais sublime, e a experiência é intensificada pela experiência estética do público, mesmo dentro do gore. Para Larissa, “Apesar de mostrar as cenas ‘nojentas’, Guadagnino sempre procura a beleza em tudo”.

Até os Ossos

Baseado em um livro de Camille DeAngelis, Até os Ossos (Bones and All, 2022) explora o canibalismo como uma metáfora para as vivências e o amor dos protagonistas. “O amor passional é tão grande que eu sinto que preciso consumir a sua carne”, interpreta Larissa.  

O canibalismo não é retratado como criminoso, mas como uma necessidade inata com a qual os personagens são obrigados a lidar. Ambos se vêem excluídos da sociedade e encontram, no relacionamento que constroem, uma forma não só de sobreviver, mas de viver. Lee (Timothée Chalamet) ensina a protagonista, Maren (Taylor Russell), a “reconhecer” os demais canibais e a se sentir segura em um mundo que oprime seus desejos. 

Por seu trabalho em Até os Ossos, Guadagnino venceu o Leão de Prata, prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cinema de Veneza em 2022. “O diretor fez o gore e o suspense de Até os Ossos brilhantemente, mostrando a paixão e a estética que ele sempre mostra até em cenas grotescas”, pontua Larissa. “Eu não sei como ele consegue, mas ele não tem interesse em ficar na zona de conforto.”

Timothée Chalamet (left) as Lee and Taylor Russell (right) as Maren in BONES AND ALL, directed by Luca Guadagnino, a Metro Goldwyn Mayer Pictures film.Credit: Yannis Drakoulidis / Metro Goldwyn Mayer Pictures© 2022 Metro-Goldwyn-Mayer Pictures Inc.  All Rights Reserved.
Explorando as complexidades do amor, da identidade e da aceitação, o senso de coming of age pode estar distorcido pelo canibalismo em Até os Ossos, mas a mensagem se transmite com muita sensibilidade [Imagem: Divulgação/ Yannis Drakoulidis / Metro Goldwyn Mayer]

Além da clara metáfora para o amor, o filme pode ser lido como uma representação da vivência da alteridade, daquele que não é bem visto — os protagonistas passam grande parte do filme fugindo de suas cidades e famílias, se sentindo sozinhos e, ao mesmo tempo, completos. Como sempre, o cineasta pauta muitas de suas decisões em sua própria bagagem como uma pessoa LGBTQIA+.

“É um caminho difícil e solitário para nós, não é? Então, por que torná-lo mais solitário? Talvez o amor te liberte.”

Lee (personagem de Até os Ossos)

Rivais

Protagonizado por Zendaya, Rivais (Challengers, 2024) liderou a bilheteria americana, arrecadando 15 milhões de dólares na estreia — e não passou despercebido nas mídias. “A Zendaya é uma estrela contemporânea, e ela está muito diferente dos papéis que faz normalmente, isso chama as pessoas para o cinema”, afirma Larissa. 

A obra é centrada em três tenistas que dedicam suas vidas ao mesmo objetivo, enquanto enfrentam conflitos em suas relações interpessoais. Apesar do intenso triângulo amoroso, a história vai muito além do amor (ou do ódio) dos personagens uns pelos outros, expondo as camadas complexas de cada um. A vivência feminina de Tashi (Zendaya) no esporte, por exemplo, recebe destaque. “Guadagnino dá muito espaço para mulheres nos filmes dele”, comenta Larissa.

A tensão permeia todo o longa, e o resultado de cada disputa é incerto — dentro e fora do esporte [Imagem: Divulgação/MGM]

Para a entrevistada, o maior ponto forte da obra, além do elenco, é o roteiro, de Justin Kuritzkes. “Não existe uma competição óbvia. Os dois homens estão competindo pela Tashi, mas eles também têm uma interação erótica, então talvez eles estejam competindo um pelo outro”, aponta Larissa. “É uma relação muito complexa bem escrita. Os três se amam em instâncias diferentes, e isso é muito novo”, continua. O esporte, carrega metáforas e significados, e torna a construção da narrativa mais interessante.

“O tênis é um relacionamento. (…) Por cerca de quinze segundos, estávamos jogando tênis. E nós nos entendemos completamente. O mesmo aconteceu com todos que estavam assistindo. É como se estivéssemos apaixonadas. Ou como se não existíssemos. Fomos juntas a um lugar muito lindo”

Tashi Donaldson (personagem de Rivais)

O diretor impôs um ritmo atraente na obra, construído através da trilha sonora eletrizante e do posicionamento de câmera intimista e ao mesmo tempo dinâmico — como se acompanhasse cada instante de uma partida de tênis. “Challengers é um filme que não existiria sem aquela trilha”, opina a entrevistada. “Guadagnino sabe colaborar muito bem com artistas musicais.”

Queer

Protagonizado por Daniel Craig, um astro do cinema mundialmente conhecido pelo 007, Queer (2024) é mais uma história inspirada na literatura. O livro homônimo foi publicado em 1985 por William S. Burroughs, e conta a história de William-Lee (Daniel Craig), alter ego do escritor. O lançamento foi extremamente controverso na época, por retratar um relacionamento homoafetivo — e ter sido escrito ainda antes, nos anos 50. 

Um elenco com Craig já é forte, mas o longa conta também com a presença de Drew Starkey, que fez sucesso como o vilão do seriado Outer Banks (2020). A obra estreou no Festival de Veneza no dia três de setembro de 2024 e recebeu nove minutos de aplausos, e chega em dezembro ao Brasil.

Segundo críticos, a fotografia é o ponto forte da obra, mas ela deixa a desejar em relação à esfera emocional [Imagem: Divulgação/The Apartment Pictures]

Situada na Cidade do México, a narrativa tem Craig como um expatriado americano que se apaixona por um militar dispensado na Marinha, pós Segunda Guerra Mundial. “Estou muito interessada no que os dois, como atores, vão trazer para a tela”, comenta Larissa. “Eu acho que vai ser uma história simples em questão de temas, vai obviamente abordar a questão do preconceito”, afirma. Com quase três horas de duração, há expectativas de que o filme provoque debates acerca da representação sexual.

O longa foi escrito por Justin Kuritzkes, o mesmo roteirista de Rivais. “O roteiro de Rivais foi marcante, por isso eu acho que a gente pode ter algumas surpresas nesse sentido”, comenta a entrevistada. A primeira parte da história pretende ser baseada diretamente no livro, enquanto, a segunda, parte mais de uma criação conjunta de Guadagnino e Kuritzes, e busca uma abordagem mais plural de temas secundários, como o vício desenvolvido pelo protagonista.

O diretor também trouxe de volta outros colaboradores, incluindo os compositores Trent Reznor e Atticus Ross e o diretor de fotografia Sayombhu Mukdeeprom, que recebeu elogios em relação à captura visual da Cidade do México dos anos 1940. Segundo a Folha de São Paulo, Guadagnino faz um trabalho mais experimental do que em obras anteriores, sem deixar de lado a sensualidade das performances — mas caberá ao público julgar se essa experimentação teve sucesso. 

Futuro

Atualmente, Luca Guadagnino também está trabalhando na pós-produção de After the Hunt, cujo elenco inclui estrelas como Julia Roberts, Ayo Edebiri e Andrew Garfield, ainda sem data de estreia. Além dos projetos em andamento, informações recentes indicam que o diretor estará envolvido com uma adaptação de destaque — uma nova interpretação do livro American Psycho, de Bret Easton Ellis. O filme terá como produtor executivo Sam Pressman, filho de Edward R. Pressman, produtor do original Psicopata Americano (American Psycho, 2002), por meio de sua empresa Pressman Film.

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