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‘M8 – Quando a Morte Socorre a Vida’ é sobre o não óbvio: quando cessa a vida, para onde vão os corpos?

Ao som de Ponta de Lança, do rapper Rincon Sapiência, Maurício (Juan Paiva), calouro no curso de Medicina, corre contra o tempo para chegar à sua primeira aula de anatomia. O primeiro choque de realidade aconteceria ali. Naquela sala, a música cessa e o jovem, único aluno negro da turma, percebe que todos os três …

‘M8 – Quando a Morte Socorre a Vida’ é sobre o não óbvio: quando cessa a vida, para onde vão os corpos? Leia mais »

Ao som de Ponta de Lança, do rapper Rincon Sapiência, Maurício (Juan Paiva), calouro no curso de Medicina, corre contra o tempo para chegar à sua primeira aula de anatomia. O primeiro choque de realidade aconteceria ali. Naquela sala, a música cessa e o jovem, único aluno negro da turma, percebe que todos os três cadáveres utilizados na aula eram de corpos pretos. Um deles, identificado como M-8, seria aquele que acompanharia Maurício durante o curso.

Vivendo em um ambiente novo, marcado pelo contraste entre um corpo estudantil branco, com seus carros modelo Jeep e Land Rover, Maurício começa a ficar obcecado pelo cadáver. Não pelo M-8 em si, como foi catalogado, e sim pela história da pessoa que habitava aquele corpo. Interpretado pelo ator Raphael Logam — que disse em coletiva de imprensa ter sido essa uma das personagens mais difíceis ao longo de sua carreira —, M-8 passa, de maneira onipresente e surreal, a comunicar-se com o jovem.

Um Maurício delirante passa a se imaginar preso naquele corpo: “Fico pensando se eu não tenho mais a ver com esses corpos, do que com os colegas de turma”. Partindo desse incômodo sobrenatural, M8 – Quando a Morte Socorre a Vida (2019), desenvolve um suspense baseado na estruturação das relações raciais, dirigido por Jeferson De (Bróder, O Amuleto). A sensação ao assistir lembra inclusive um pouco a experiência chocante de Corra! (Get Out, 2017), dirigido por Jordan Peele.

Susana (Giulia Gayoso) e Maurício, em M-8. [Imagem: Divulgação/Paris Filmes]
Ambientado na cidade do Rio de Janeiro, é marcante no filme a presença de pelotões da polícia nas ruas e o grafite — que não passa despercebido — de Marielle Franco na periferia onde o jovem estudante mora com a mãe, Cida (Mariana Nunes).

Ativamente presente na vida do filho, ela trabalha como enfermeira na casa de um homem branco abastado. É uma personagem potente que recarrega suas forças no terreiro de Umbanda, lugar onde o filme mergulha cuidadosa e detalhadamente — sem espaços para estereótipos. Durante toda a produção, Mariana Nunes se destaca pela atuação. Não à toa, as cenas mais emblemáticas ganham forma quando sua personagem contracena com Maurício.

Na trajetória rotineira entre os mundos que transpõem a casa à faculdade, e em meio a conversas constrangedoras que exacerbam as tensões raciais, passa a chamar atenção de Maurício as manifestações diárias de um grupo de mães, negras, que gritam e clamam por justiça aos filhos desaparecidos. Junta-se a isso a obsessão por M-8 e esses eventos vão, aos poucos, conectando-se na história.

[Imagem: Divulgação/Paris Filmes]
Em coletiva de imprensa , o diretor do longa destaca a imensa liberdade de criação que teve para construir a obra. A cena final, inclusive, não estava prescrita no roteiro. Jeferson De diz que ela surgiu de maneira espontânea nos jogos de cena durante as filmagens, marcadas por atuações ilustres de Aílton Graça, Zezé Motta e Lázaro Ramos.

Citando referências cinematográficas como Spike Lee, o diretor comenta sobre a necessidade de realizadores negros estarem em toda a cadeia cinematográfica do audiovisual, como sujeitos na construção das narrativas, e não simplesmente como objetos dela. Esse parece ser um dos objetivos do filme: contar a história de um corpo, registrado como indigente e protocolarmente fadado à “vala comum da prefeitura”, invertendo a lógica de sujeito-objeto.

O diretor Jeferson De, posando ao lado de M-8. [Imagem: Divulgação/Paris Filmes]
A trama, no entanto, acaba se desviando e não adentrando profundamente na história de vida daquela pessoa por trás do rótulo “M-8”. Nem por isso perde seu destaque. Ela se diferencia pelo mistério e pelas alegorias simbólicas que partem de dentro para fora: o filme se dedica intensamente a narrar o turbilhão de angústias internas de um jovem. Mas não só. Sentimentos estes intimamente ligados a uma realidade estruturada pelo racismo, que de velado não tem nada.

Para o espectador, pode parecer que M-8… foi gravado hoje, ontem, ou há décadas. É uma ficção de realidade crua. Ele versa sobre o destino de corpos não passíveis de luto, facilmente transformados em etiquetas que vão parar nas salas de anatomia. Partindo da morte para socorrer uma vida apagada, talvez o mais alarmante do longa seja a atestação do fato de que isso é coisa que parece incomodar a poucos.

Já na tela do computador, o filme é um tapa na cara. Com um visual simbólico marcado pelo contraste de luz entre os corpos no escuro, com as devidas nuances e delicadezas, sua estética deve ganhar proporções certas ao estrear nos cinemas, no dia 03 de dezembro.

Você pode conferir aqui o trailer de M8 – Quando a Morte Socorre a Vida:

*Capa: [Imagem: Divulgação/Paris Filmes]

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