Com pressa, Clark Kent deixa a redação e se dirige à cabine telefônica mais próxima. Assumindo sua identidade como Superman, está pronto para salvar o mundo. Tal imagem é uma das primeiras que aparecem no imaginário popular quanto à representação do jornalismo no cinema. A sétima arte, como fonte capaz de retratar diversas histórias, oferece um leque de opções para o tema. Afinal, o quão tênue é a linha entre representatividade realística e romantização da profissão?
Primeiro caso: o nascimento do Yellow Journalism em Cidadão Kane
Em Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), o mistério envolvendo o significado da palavra “Rosebud”, proferida pelo famoso jornalista Charles Foster Kane (Orson Welles) antes de falecer, atormenta o repórter Jerry Thompson (William Alland). Atemporal, além de abordar temas como ser vs. parecer, o filme retrata a consolidação no jornalismo sensacionalista (Yellow Journalism) nos Estados Unidos de modo preciso. As consequências da utilização da imprensa como arma política também colaboram para sua classificação como um dos melhores filmes já produzidos na história do cinema. O dia-a-dia da profissão é retratado sem extravagâncias através da visão do repórter Thompson, que precisa buscar diversas fontes para reconstruir um quadro mais profundo sobre Kane.
A ética do jornalismo em O Informante
Após o sucesso de Cidadão Kane, duvidou-se da capacidade de outras produções atingirem resultados satisfatórios ao reproduzirem o jornalismo com seriedade. O Informante (The Insider, 1999) foi aclamado pela crítica especializada e comprovou a existência de roteiros com qualidades próximas (ou superiores) ao filme da década de 1940. O longa apresenta dilema ético que envolve a subordinação do jornalismo ao setor financeiro de uma empresa, a qual proíbe a exibição de uma entrevista que poderia prejudicar seus negócios. O filme retrata a relação repórter-fonte com delicadeza e revela os bastidores do jornalismo televisivo com uma mensagem clara: a profissão não pode ser vítima de amarras que impedem sua livre execução — a divulgação de informações em serviço ao público. Uma vez impossibilitada de exercer sua função, a própria população é prejudicada, estando à mercê da escassez de dados, fatos e demais notícias promovedoras de críticas e análises aprofundadas. Uma sociedade sem liberdade de imprensa, portanto, além de adquirir caráter ditatorial, é uma sociedade sem pensamento.
A glamourização do abuso em O Diabo Veste Prada
Popular, O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, 2006) aborda dois campos da profissão: a busca da jornalista Andy Sachs (Anne Hathaway) por emprego no ramo que a faça alcançar novas oportunidades e a produção de uma importante revista de moda. Anna Wintour, editora-chefe da revista Vogue americana — inspiração para a personagem interpretada por Meryl Streep, chefe de Andy — elogiou o filme por revelar o trabalho necessário para a elaboração de uma edição da revista de moda. O filme, porém, falha ao fantasiar um cenário no qual Andy é contratada imediatamente para ser assistente da editora-chefe, projetando uma alternativa fácil para o desemprego dentro da profissão. Ainda, em um contexto mais realístico, a jornalista poderia encontrar meios através dos quais fosse possível denunciar os abusos praticados por sua chefe. A legislação americana, por exemplo, garante proteção à vítima contra retaliação (punição) por denúncias contra abusos. A personagem poderia recorrer a outro supervisor da companhia ou procurar pela Comissão de Iguais Oportunidades de Trabalho, uma organização federal estadunidense, responsável por investigar casos semelhantes.
O jornalismo investigativo em Spotlight
O filme Spotlight: Segredos Revelados (Spotlight, 2015) ganhou na categoria Melhor Filme no Oscar de 2016. Baseado em fatos verídicos, a história aborda a investigação de um grupo de jornalistas sobre abusos sexuais cometidos por mais de noventa padres em Boston. No longa, uma das personagens teme a maior visibilidade da Internet em detrimento do jornalismo clássico. A discussão é pautada em meio a outros temas semelhantes aos abordados em O Infiltrado — uma das razões pelas quais atingiu popularidade — que revolvem a questão ética: ceder ao acordo proposto por um arcebispo para não publicar a matéria? Defender a profissão independente? O jornalismo investigativo conduz a narrativa, expondo ao espectador um setor da profissão que sofreu diversas alterações nos últimos anos e que, no contexto brasileiro, desencadeou uma série de discussões. A obra afirma o propósito e a missão dos profissionais na sociedade enquanto servidores do público: levar conhecimento e esclarecimento à população.
A liberdade de imprensa em The Post
A indústria cinematográfica reproduziu um padrão relacionado à atividade jornalística. Os filmes que obtiveram apreço da crítica especializada e do público abordam questões semelhantes, envolvendo principalmente o sigilo de informações. Se obras que obtiveram maior sucesso são aquelas que lidaram com a Ética, os elogios ao longa The Post: A Guerra Secreta (The Post, 2017), também baseado em uma história real, não surpreenderam. Nele, o editor-chefe do The Washington Post (Tom Hanks) precisa convencer a dona do jornal (Meryl Streep) a publicar matérias que denunciavam a conduta dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, uma vez que foram proibidas de serem publicadas no The New York Times. O enredo, quando comparado aos demais filmes, parece uma fórmula pronta, abordada anteriormente por outros diretores. Entretanto, a direção de Spielberg e as atuações dos atores principais conferem ao longa unicidade.
De modo repetitivo, é evidente que intrigas e conspirações dentro do jornalismo foram abordadas com maior força no cinema, fabricando um tom romanceado que acaba por transmitir somente qualidades super-valorizadas pela profissão, ocultando desafios diários, cargas de trabalho elevadas e outros abusos. Ainda assim, as discussões e a fórmula pronta fornecem uma nova visão ao público diferente do idealizado repórter de redação personificado por Clark Kent.