“Que paixão é essa que o desejo de contar histórias se transforme em algo pelo qual o ser humano seja capaz de morrer?”, questiona o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Tamanho ardor em proclamar esse amor inabalável pela arte da caneta no papel, apesar de não ser exclusivo aos latinoamericanos, certamente os diferencia. A beleza das palavras e a riqueza deliciosa das línguas, somadas àquele impulso tão único do “sentimento do mundo” faz da literatura da América Latina uma das mais ricas do mundo. Com um histórico de lutas sociais que praticamente não poupa nenhum dos países, que enfrentaram colonizações, destruições, guerras e ditaduras, a cultura latinoamericana, em cada país, está sutil e intrinsecamente ligada. Especialmente nos últimos anos, com o aumento lento, mas progressivo, da cooperação latina no continente, ela vem se difundindo mais e ganhando cada vez mais adeptos.
Com uma temática forte e um talento superior, a América Latina foi premiada seis vezes no Nobel de Literatura: a chilena Gabriela Mistral em 1945, o também chileno Pablo Neruda em 1971, o guatemalteco Miguel Ángel Astúrias em 1967, o colombiano Gabriel García Márquez em 1982, o mexicano Octavio Paz em 1990 e, por último, o peruano Mario Vargas Llosa em 2010.
O que hoje é conhecido como “boom” latinoamericano pode ser responsável pelo enorme sucesso que o gênero começou a fazer a partir dos anos 1960 pelo mundo: a ampla divulgação de jovens autores da América Latina, principalmente na Europa, levou as atenções globais a essa nova literatura politizada, desafiadora e pouco usual influenciada pelo modernismo e pelo movimento vanguardista. Entre os principais autores desse período de evidência estão Julio Cortázar, da Argentina, Carlos Fuentes, do México, e os já conhecidos Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez. O crítico estadunidense Gerald Martin, referindo-se ao momento, afirma que “o continente do sul era conhecido por duas coisas acima de todas as outras: a Revolução Cubana e o boom na ficção latinoamericana”.
Esta ficção registra dois séculos de acontecimentos mundiais e continentais em sua memória, que é recriada pela literatura, talvez pela necessidade de superar a nossa solidão de países historicamente dominados (motivador da obra prima de García Márquez, Cem anos de solidão). Especialmente nesta década de 1960, a produção literária coincidiu com o período de revolução política, social, cultural e sexual latentes, em que o indivíduo e a sociedade encontravam-se em plena transformação. A obra latinoamericana vai de encontro a essa necessidade mundial de reintegrar os poderes reprimidos tanto pela ordem social quanto pelos governos ditatoriais.
As guerras mundiais, a guerra civil espanhola, a revolução cubana e as ditaduras militares marcaram profundamente a classe artística, o que promoveu as tais tendências de vanguarda. Nesse momento, surgiu, até, um movimento de “romances da ditadura”, o que perdurou até vários anos em que os regimes já haviam terminado. Cada um desses romances constitui um registro da memória histórica de seus respectivos povos: um perfil de nacionalismo que, através da riqueza linguística, aceita sua identidade e não nega suas raízes nem as marcas das culturas colonizadoras.
por Ana Paula Lourenço
carvalho.ana37@gmail.com