Após um início turbulento da temporada de 2022, quando trouxe o português Paulo Sousa para comandar a equipe depois da derrota para o Palmeiras na final da Libertadores de 2021, o Flamengo se encontrou com a contratação de Dorival Júnior, que ocorreu já com o Campeonato Brasileiro em andamento, em junho. Com o novo treinador, a equipe rubro-negra conseguiu sucesso nas copas e conquistou a Copa do Brasil, contra o Corinthians, nos pênaltis, e a Libertadores, diante do Athletico Paranaense. No Brasileirão, vencido pelo Palmeiras, o time ficou em quinto lugar.
Apesar dos bons resultados, a diretoria flamenguista optou pela troca de comando na passagem de 2022 para 2023 e trouxe um novo português para gerir seu elenco: Vítor Pereira, que treinou o Corinthians em 2022 e saiu de forma conturbada do time alvinegro. Depois de mais de 40 dias de férias, o elenco se reuniu com o novo treinador para o início da temporada de 2023, que incluía, além do Mundial de Clubes, a disputa do Campeonato Carioca e da Supercopa do Brasil. No campeonato estadual, competição de exigência física e técnica mais baixas, o Mengão poupou alguns jogadores e lidera até o momento. Já na Supercopa, primeiro grande teste da temporada, o time foi com força máxima e perdeu por 4 a 3 para o Palmeiras em duelo emocionante e equilibrado.
Pré-jogo: expectativas nas alturas
O Flamengo chegou ao Marrocos para a disputa do Mundial de Clubes com a base do time campeão de 2022. Além da troca de treinador, porém, o clube também perdeu um de seus principais nomes de meio-campo, João Gomes, vendido ao Wolverhampton, da Inglaterra, e o lateral direito Rodinei, que foi para o Olympiacos, da Grécia. Para repor João Gomes, o Mengão promoveu o retorno de Gerson, atleta de características mais técnicas e menos intensas, diferentes das do então camisa 35. Já para a saída do lateral, a escolha foi pela manutenção de jogadores que já estavam no elenco, como o uruguaio Varela e o jovem Matheuzinho.
Apesar das dificuldades, o Mengão chegou com pompa ao Mundial de Clubes após uma participação digna em 2019, quando avançou diante do Al-Hilal na semifinal e só foi derrotado pelo Liverpool na prorrogação da grande final. Após o título da Libertadores, no ano passado, circulou na internet um vídeo do vice-presidente do clube, Marcos Braz, entoando uma música junto ao elenco que dizia “Real Madrid, pode esperar, a sua hora vai chegar” – em referência à final projetada diante da equipe espanhola, atual campeã da Champions League.
O Al-Hilal, clube da capital saudita Riad, por sua vez, venceu a última edição da Liga dos Campeões da Ásia, o que fez com que a equipe conhecida como o “Clube dos Príncipes” se qualificasse pela terceira vez em quatro anos para buscar o título mundial inédito. Dotado de talentos internacionais, o time chegou à semifinal do torneio após vencer o Wydad Casablanca, time da casa, nos pênaltis, após empate por 1 a 1 no tempo normal e na prorrogação. Mohammed Kanno, jogador da seleção saudita e autor do gol da equipe nas quartas de final, foi expulso e ficou de fora da decisão contra o time brasileiro. O time saudita ainda amargou uma punição da Federação Saudita de Futebol O time saudita ainda amargou uma punição da Federação Saudita de Futebol, o que o impediu de atuar no mercado de janeiro. Para o duelo contra o Flamengo, o treinador argentino Ramón Díaz ainda contava com mais seis desfalques.
Primeiro tempo: Flamengo azarado, Al-Hilal fatal.
O jogo começou da pior forma possível para o time brasileiro no Grande Estádio de Tânger, no Marrocos. Com cerca de 2’, o Al-Hilal roubou a bola após pressionar a saída flamenguista. Vietto tabelou com Salem Al-Dawsari e entrou na área. Santos saiu mal do gol, Matheuzinho errou ao tentar interceptar a bola e acabou derrubando o camisa 10 da equipe saudita na área. Pênalti para o Al-Hilal. Salem Al-Dawsari foi para a cobrança e abriu o placar para os sauditas: 1 a 0!
Decisivo. Algoz da Argentina na Copa do Mundo, quando virou o jogo para a seleção da Arábia Saudita, Salem Al-Dawsari já havia marcado diante do Flamengo em 2019, quando o Al-Hilal saiu derrotado por 3 a 1, pelo Mundial de Clubes. Ontem, Salem (foto) tratou de repetir a dose, logo aos 4’. [Foto: Reprodução/Twitter @Alhilal_EN]
Atrás no placar, o Flamengo não conseguia organizar uma pressão no campo de ataque. Com 15’, Gerson caiu na área e pediu pênalti. O árbitro romeno István Kovács interpretou a jogada como simulação e amarelou o meio-campista brasileiro pela atitude. Minutos depois, foi a vez de Gabigol levar o cartão amarelo, desta vez por reclamação. O rubro-negro tinha a posse da bola, mas pouco criava, e a primeira chance veio somente aos 20’. De Arrascaeta recuperou a bola pela esquerda e acionou Éverton Ribeiro, que errou o passe. Na sobra, Matheuzinho encontrou Pedro, que bateu chapado no canto oposto de Al-Mayouf para empatar o jogo. 1 a 1!
Reverência. Pedro marcou pela sexta vez na temporada e colocou o Flamengo de volta na partida, em Tânger. Ele ainda faria o sétimo no final do jogo. [Foto: Reprodução/Twitter @SofascoreBR]
O Mengão melhorou com o gol de empate e passou a criar as principais jogadas no primeiro tempo, dando trabalho para o sistema defensivo saudita, que contava com atletas improvisados, como o peruano Carillo. O gol defendido por Al-Mayouf, no entanto, foi pouco ameaçado. Apesar dos mais de 60% de posse de bola e das 8 finalizações realizadas na primeira etapa, apenas o chute de Pedro acertou o alvo e, já nos acréscimos, o Flamengo foi penalizado pela falta de efetividade em seus ataques: em mais uma jogada tramada entre Salem Al-Dawsari e Vietto, o atacante argentino, que jogava como meia, tentou passar por David Luiz e caiu na área flamenguista. O choque no zagueiro brasileiro foi normal, mas o VAR (Árbitro Assistente de Vídeo) viu um toque de Gerson por trás do jogador rival. O juiz romeno conferiu a jogada, marcou o pênalti e deu o segundo amarelo para Gerson, que foi expulso. Independentemente do que ocorresse na cobrança, o Flamengo jogaria o restante do jogo com um jogador a menos. Al-Dawsari bateu e converteu mais uma vez: 2 a 1!
Segundo tempo: um Al-Hilal perfeito diante de um Flamengo desgovernado
Para a segunda etapa, precisando do resultado, Vítor Pereira sacou o zagueiro Léo Pereira, que fazia bom jogo mas sentiu um desconforto no primeiro tempo. Fabrício Bruno entrou em seu lugar. O treinador português também tirou o principal articulador da equipe, De Arrascaeta, para colocar o volante Erick Pulgar, jogador de menos criatividade e maior combatividade. Seja por questões físicas — afinal De Arrascaeta sofria com uma pubalgia —, seja por opção do treinador, o Flamengo sentiria falta da capacidade de seu camisa 14.
Já o Al-Hilal voltou sem mudanças em nomes, mas com uma postura muito madura de manutenção da posse de bola. O time pouco era incomodado pelo Flamengo e conseguia levar perigo nos contra-ataques, especialmente a partir dos 56’, quando Michael, ex-jogador do rubro-negro, entrou no lugar do nigeriano Ighalo. A alteração deslocou Marega, atacante malinês que atuava improvisado na ponta, para o centro, e permitiu que Michael explorasse a velocidade nas costas de Ayrton Lucas, que fazia boa partida, mas passou a sofrer na defesa — Saud Abdulhamid também ameaçava bastante pelo setor. Com 59’, a maior chance do segundo tempo até então: Marega fez linda jogada da esquerda para o meio, deixou Matheuzinho e Fabrício Bruno para trás e rolou para Khalifah Aldawsari bater. A bola tocou o travessão e foi para fora. O Flamengo estava na roda. Pouco depois, Khalifah foi amarelado e saiu, contundido, para a entrada de Nasser Al-Dawsari.
Aos 63’, Vietto chutou para a defesa de Santos. No minuto seguinte, Matheuzinho se recuperou de erro no domínio da bola e encontrou Gabigol na área, mas o camisa 10 do Mengão testou para fora. Ainda com dificuldades na criação de jogadas, Vítor Pereira decidiu tirar o outro meia do time, Éverton Ribeiro, que sofria com o rodízio de faltas do adversário. O capitão do time deu lugar a Everton Cebolinha, contratação que pouco teve efeito até o momento.
Mal o camisa 11 entrara em campo, o Al-Hilal marcou o terceiro gol: Pulgar, que já estava amarelado e entrou muito mal em campo, perdeu a bola para Vietto. Marega recebeu e tocou para Salem Al-Dawsari. O camisa 29, que já tinha marcado dois gols, decidiu ser garçom e serviu Vietto. O argentino dominou, cortou a marcação e bateu alto, sem chances de defesa para Santos. 3 a 1. A impressão que se tinha era que o Flamengo corria mais do que pensava e que sequer tinha físico para tal, o que facilitava o jogo do time saudita, muito ciente do que tinha que fazer para controlar o resultado.
Letal. O gol de Luciano Vietto retrata muito bem a ótima estratégia do Al-Hilal para controlar o resultado com um jogador a mais na segunda etapa. [Foto: Reprodução/Twitter @TheAFCCL_jp]
O Flamengo parecia entregue. Nos minutos que se sucederam ao gol de Vietto, Thiago Maia, que fez péssimo segundo tempo, também levou o cartão amarelo, e Vítor Pereira colocou em seu lugar Arturo Vidal. O Mengão tinha, agora, dois volantes chilenos para a saída de bola. Acontece que nenhum deles esteve bem em campo, e à sua frente não havia jogadores de criação. Do outro lado, o ex-flamenguista Cuéllar fazia uma partida espetacular. Soberano na partida, o Al-Hilal conseguia recuperar a bola com muita facilidade no campo de ataque, mas acabava errando na conclusão. Com cerca de 75’, já era possível ouvir a torcida saudita gritar “Olé”.
Embora os prognósticos jogassem contra e as mudanças do treinador não tivessem surtido efeito positivo, o Flamengo não desistia, e tinha em seus dois principais finalizadores, Pedro e Gabigol, a esperança por um milagre. E ele veio! Aos 90’+1, após bate-rebate na defesa adversária, Ayrton Lucas rolou para Gabigol, que chutou mascado sobre a marcação. A bola desviou e sobrou para Pedro mandar para as redes. O Mengão precisava de um gol para levar o jogo para a prorrogação restando poucos minutos de acréscimos. Em mais um erro defensivo, porém, Al-Dawsari – eleito melhor em campo – quase fez mais um. Após bonita jogada, ele finalizou mal e Santos fez a defesa, já com seis minutos de acréscimos passados. O Flamengo tentou como pôde, mas a última chance, em uma cabeçada de Fabrício Bruno, foi para fora. Final de jogo: Flamengo 2, Al-Hilal 3, e o sonho do bi-mundial do Flamengo (campeão em 1981 diante do Liverpool) adiado mais uma vez.
Alegria. Ramón Díaz e sua comissão técnica devem estar orgulhosos do desempenho de seus atletas. [Foto: Reprodução/Twitter @Revista1986]
Repercussão: foi vexame?
A eliminação do Flamengo na semifinal do Mundial de Clubes foi a quinta de uma equipe sul-americana nos últimos dez confrontos de semifinais contra equipes da Ásia, da África ou da América do Norte. Dos cinco sul-americanos eliminados, um colombiano (Atlético Nacional, que perdeu para o Kashima Antlers, do Japão, em 2016), um argentino (River Plate, derrotado pelo Al Ain, dos EAU, em 2018) e três brasileiros: Atlético Mineiro (derrotado pelo Raja Casablanca, do Marrocos, em 2013), Palmeiras (que perdeu para o Tigres, do México, em 2020, e ainda foi derrotado na decisão do terceiro lugar, contra o Al-Ahly, do Egito) e o Flamengo de 2022 (o torneio ocorre em 2023 mas é válido para a temporada 2022). Em 2010, o Internacional já havia protagonizado um vexame ao perder para o Mazembe, do Congo, e não chegar à final.
Diante das estatísticas e de 100% de aproveitamento em conquistas para os times europeus desde que o Corinthians venceu o Chelsea na edição de 2012, é difícil caracterizar a eliminação de um time sul-americano como algo acachapante; afinal, estamos muito mais próximos dos egípcios, sauditas e mexicanos, por exemplo, do que dos europeus – diferentemente do que ocorria há algumas décadas. Entretanto, é de se levar em conta o valor de mercado do Flamengo, quatro vezes maior do que o do seu rival do dia 7, todo o investimento que foi feito e a expectativa que foi gerada. Por isso e por todo um ambiente construído em torno do Mengão – e com total apoio de sua diretoria -, esperava-se mais. Ainda que se possa discutir algumas questões de critérios envolvendo a arbitragem da decisão, esse não foi, nem de longe, um aspecto primordial na eliminação rubro-negra.
Após a vitória por 4 a 1 em jogo difícil contra o Al-Ahly, do Egito, Rodrygo, joia do Santos e autor de um dos gols da partida, considerou normal a provocação feita pelos flamenguistas ao Real Madrid, mas admitiu que já esperava pelo Al-Hilal na finalíssima. “Sendo sincero, a gente sabia que era difícil o Flamengo passar. A gente já esperava enfrentar eles [Al-Hilal] na final”, disse o jogador brasileiro.
O técnico Carlo Ancelotti, porém, ressaltou a qualidade técnica do time carioca, atentando para a importância do lado físico que, segundo ele, fez a diferença para a não classificação brasileira: “A eliminação do Flamengo me surpreendeu. No nível individual, o Flamengo poderia levar vantagem. Eles estão em pré-temporada, creio que o nível físico não está top como o das outras equipes, que estão em plena temporada. Creio que pagaram por isso.”
Marcos Braz, que prometera grandes contratações para o time caso viesse a disputar o Mundial, acabou desconversando sobre o assunto e não se arrepende da provocação feita após o título da Libertadores, em novembro: “O futebol está chato. A tristeza que estou hoje é totalmente diferente de um título. É uma brincadeira de um momento”, explicou, em entrevista pós-jogo.
Próximos passos:
O Flamengo enfrenta, agora, o Al-Ahly, pela decisão do terceiro lugar, no sábado (11), às 12h30, também em Tânger. A final ocorre no mesmo dia, às 16h, em Rabat, em duelo entre Al-Hilal e Real Madrid.
*A programação está no Horário de Brasília (UTC/GMT – 03:00)
Flamengo (4-2-2-2): Santos; Matheuzinho, David Luiz, Léo Pereira (Fabrício Bruno, 46’), Ayrton Lucas; Thiago Maia (Vidal, 81’), Gerson; Éverton Ribeiro (Everton, 68’), De Arrascaeta (Pulgar, 46’), Gabi e Pedro. T.: Vítor Pereira. [Arte: Ricardo Thomé]
Al-Hilal (4-2-3-1): Al-Mayouf; Saud Abdulhamid, Jang, Al-Boleahi, Khalifah Aldawsari (Nasser Al-Dawsari, 66’); Cuéllar, Carrillo; Marega, Vietto (Jahfali, 88’), Salem Al Dawsari; Ighalo (Michael, 58’). T.: Ramón Díaz. [Arte: Ricardo Thomé]
Gols: Pedro (Matheuzinho, 20’) e 90’+1) – FLA / Salem Al-Dawsari (4’ (P’) e 45’+9 (P)) e Luciano Vietto (Salem Al-Dawsari, 70’) – HIL
Cartões amarelos: Gerson (15’ e 45’+8), Gabi (17’), David Luiz (42’), Pulgar (56’), Thiago Maia (72’) e Pedro (90’+8) – FLA / Vietto (42’), Khalifah Al-Dawsari (62’) e Jahfali (89’) – HIL
Cartão vermelho: Gerson (45’+8) – FLA
*Imagem de capa: Reprodução/Twitter @FIFAWorldCup