Por Luana Sales Riva (luanariva06@usp.br)
Entre as telas do cinema, a moda encontrou a sua mais perfeita vitrine. Os dois aspectos artísticos trabalham juntos para impressionar seus telespectadores. Ao passo que os figurinos e os enredos dos personagens se unem para contar uma só história, o mundo da moda e a indústria cinematográfica tornam-se essenciais um para o outro.
A construção de um personagem depende de sua caracterização e da disposição dos figurinos como componentes da narrativa deste, uma vez que a roupa que ele veste admite características de como esse personagem é e de como se comporta. Por isso, os figurinos são essenciais para a definição do tom dado no roteiro e os desenvolvimentos ocorridos na trama.
A indústria hollywoodiana foi a maior responsável por externalizar a união entre o mundo da moda e a indústria cinematográfica. Isso aconteceu a partir de seus próprios filmes, em que a produção de figurinos por estilistas renomados tomava lugar de relevância na exibição destes.
O cinema norte-americano lançava moda através de seus longas, assim como a própria moda refletia-se nas grandes produções. Essa realidade pode ser percebida pela existência de ícones das telas que também eram ícones da moda, e por isso ficaram tão marcados na história do cinema, como a atriz americana Marilyn Monroe, reconhecida por sua atuação e influência no vestuário.

Para além do norte-americano, o cinema francês é outro exemplo da sinergia entre moda e filmes. A França é considerada o berço da moda, por trazer relevantes tradições com relação ao design de moda e ao lançamento de tendências que se tornam mundiais. E a indústria cinematográfica francesa carrega esse legado ao valorizar a presença da moda em seus filmes a partir do investimento e criação de figurinos.
Um marco histórico no cinema e também da moda é a comédia romântica Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany ‘s, 1961). Um clássico de ambos os eixos, o filme trouxe uma peça emblemática que transformou o guarda-roupa das mulheres na década de 60: o petit robe noir, ou seja, o vestido tubinho preto.
Quando a atriz Audrey Hepburn aparece nas telas utilizando o modelito, 40 anos antes popularizado por Coco Chanel, inicia-se uma nova era da moda feminina. A peça tornou-se um símbolo icônico da moda e da elegância.

O enredo da moda: filmes que abordam essa temática com relevância
Dentro da indústria do cinema, são muitos os filmes que tratam da moda como questão principal ou que utilizam do guarda-roupa para se expressar além das falas. Um desses exemplos é a obra enigmática Cisne Negro (Black Swan, 2010).
O filme conta a história de Nina (Natalie Portman), uma bailarina que luta contra a pressão em ser perfeita, enquanto é escalada para ser a protagonista no espetáculo de balé “O Lago dos Cisnes”. Ao longo da obra, Nina se perde entre o real e o imaginário, e a busca pela perfeição toma conta de sua personalidade.
A transformação da personalidade da personagem é transmitida pela mudança em sua caracterização. O longa não se pauta na moda em si, mas utiliza dessa como principal elemento para a compreensão da história.
No início do filme, Nina é uma pessoa meiga, com personalidade suave e, por isso, seus figurinos sempre remetem a seu jeito frágil, a partir de roupas com cores claras, com modelos que a infantilizavam e a aproximavam da personalidade do Cisne Branco. Já no decorrer da obra, Nina, tomada pela busca para atingir a perfeição, tem sua fragilidade dominada pela violência, sensualidade e perversidade do Cisne Negro.
É nesse momento que o visual da personagem muda completamente e ela passa a utilizar vestimentas de cores escuras, com recortes sensuais que a aproximam do lado sombrio do Cisne Negro.

Além de Cisne Negro, existem outros clássicos do cinema que trabalham com a moda. Grease — Nos Tempos da Brilhantina (Grease, 1978), O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, 2006), Cruella (2021) e Barbie (2023) são filmes clássicos em que a moda assume papel relevante. Nestes longas, têm-se figurinos marcantes, que fazem com que os telespectadores já identifiquem o filme apenas pelo visual.
Em Grease — Nos Tempos da Brilhantina, o guarda-roupa traz de volta a década de 50. Para os homens, o estilo bad boy com as calças coladas, camisetas baby look e jaqueta de couro. Para as meninas, as saias rodadas, com sapatilha e meia alta e laços nos cabelos.
No filme O Diabo Veste Prada, clássico do cinema e da moda, as roupas de Miranda Priestly (Meryl Streep) marcaram uma geração: empresária e dona de uma revista de moda, o figurino elegante potencializava a personalidade de Miranda.
Já na obra Cruella, os elementos visuais e os recortes criativos das roupas, juntos da estilização do cabelo da personagem, revelam traços da personalidade de Cruella (Emma Stone), que por muito tempo havia sido reprimida.
Em Barbie, o cor-de-rosa tomou conta do visual do filme: figurinos semelhantes às bonecas da Mattel — vestidos rodados, com babados e coloridos — foram os responsáveis por trazer a nostalgia que o filme esperava transmitir, e marcaram toda a promoção do longa.

O cinema brasileiro e a moda
Giselle Gubernikoff, professora dos cursos de Artes Visuais, Artes e Têxtil e Moda, na Universidade de São Paulo, é especialista em Roteiro e Direção Cinematográfica e tem interesse pela área de Moda. Em entrevista ao Cinéfilos, Giselle, afirma que “hoje em dia é uma tendência fazer essa simbiose (cinema e moda) bem visível”.
Para ela, a presença da moda nos filmes “faz parte, inclusive, de uma das questões de evidência, de chamar a atenção de um público mais amplo para o filme”.
Não é apenas o cinema norte-americano que trabalha com a relação entre moda e cinematografia. O cinema brasileiro também utiliza disso na construção de personagens e figuras marcantes. Um desses exemplos são as produções do diretor Glauber Rocha, renomado cineasta brasileiro.
Glauber é um diretor que consegue criar a atmosfera do personagem, da sua história, mesmo com poucos elementos cênicos. Ele, por meio de adornos, vestimentas típicas e adereços, ambienta aquele personagem e cria uma dimensão para a narrativa desse.
O filme Terra em Transe (1967) exemplifica esta habilidade de Glauber. O longa, acompanha um político da direita que “é adornado com um manto real, uma coroa, com aquele cajado que os reis usam na mão” para consolidar a figura dele à ideia de poder, o qual ele quer exercer sobre a população daquele contexto, diz Giselle.
Glauber, constrói um personagem e sua personalidade a partir de poucos elementos, mas que são marcantes, e já carregam consigo uma identidade visual.

Outra obra do diretor que é marcada por seus elementos visuais é O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), em que a temática regionalista é dada pela composição dos figurinos. Basta um olhar para reconhecer que Antônio das Mortes (Maurício do Valle) é cangaceiro.
A combinação entre os elementos do personagem, isto é, capa, chapéu, lenço e uma arma na mão, definem quem é Antônio. Ele tornou-se ícone de representação de personagem internacional.
A estética regionalista é transmitida em filmes principalmente pelos figurinos. Os enredos também contam como importantes aliados disso, uma vez que são os responsáveis por dar o tom regionalista à obra, entretanto a questão “é muito bem ilustrada através de alguns adereços de um guarda-roupa, por exemplo, extremamente colorido”, afirma Giselle.
Os figurinos dos filmes de Glauber revelam a situação brasileira do movimento tropicalista, a partir de visuais alegóricos e coloridos que por si só já contam uma história por trás do filme.
Tudo aquilo que na ditadura militar não podia ser dito, o guarda-roupa composto por elementos tropicais dos personagens de Glauber expressavam. Segundo Giselle, o uso do guarda-roupa remete a um Brasil silenciado, que não podia ser contado, mas que mesmo assim se comunica através desses figurinos.

A moda enquanto elemento essencial para o cinema
O cinema possui uma grande capacidade de expressão, por meio dos personagens, cenografias, músicas, narrativas e fotografias. A moda, enquanto produto publicitário, tem a capacidade de lançar tendências e impressionar por seus modelos extravagantes.
Quando se admite uma relação entre ambos, têm-se o outro lado da moda: o lado da simbologia, da criação de significados por meio de um figurino, não somente a face comercial desta. A moda e o cinema atuam em sinergia.

Os filmes têm a capacidade única de contar uma história e envolver de maneira estética e artística quem assiste, e essa capacidade é permitida pelos figurinos, que assumem, junto com a narrativa, as funções fundamentais de criar significados e construir a história de determinada personagem. A moda é essencial para o cinema, no quesito da utilização de um guarda-roupa que evolua junto com a narrativa.
“Existe uma sintonia entre cenário, figurino e a própria direção de fotografia que dão o tom e criam o estilo do filme”
— Giselle Gubernikoff
De acordo com Giselle, a moda também é um elemento de auto afirmação social. “A partir das escolhas eu reafirmo a minha identidade”, declara a professora. Dentro do campo cinematográfico, a moda assume “função essencial na composição estética do filme”, conclui.
Pensar no cinema sem figurinos é como esvaziar a personalidade de um personagem ou até mesmo de uma produção inteira, pois é exatamente esse o papel do guarda-roupa: assumir uma identidade que ambienta o filme do início ao fim.
Os figurinos têm o compromisso de, segundo Giselle, “tanto caracterizar psicologicamente como reforçar as emoções que o diretor quer dar em relação a quem é esse personagem”.
É impossível separar o cinema do guarda-roupa de seus personagens, afinal como ficariam Miranda Priestly sem seus terninhos empresariais, Holly Golightly (Audrey Hepburn) sem seu tubinho preto e colar de pérolas, Dorothy Gale (Judy Garland) sem seus sapatinhos vermelhos, Antônio das Mortes sem sua capa, chapéu e seu lenço vermelho, e Danny Zuko (John Travolta) sem suas jaquetas de couro e calças coladas?
Para Giselle, o cinema utiliza de variados elementos para emocionar e envolver o público, é como “universos de descobertas estéticas e emocionais”, e a moda possibilita a existência desses outros universos dentro de um só filme, impactando a partir de seus figurinos, que carregam seu próprio roteiro.