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Geração de imagens por IA e suas questões ambientais e ideológicas

A Inteligência Artificial gasta água e energia e cria imagens baseadas em produções humanas, colocando em cheque seu papel na humanidade e seu dom criativo
Por Manuela Trafane (manutraf@usp.br)

Em março de 2025, a Open AI (Empresa americana de Inteligência Artificial) anunciou o lançamento do GPT-4o. Essa nova atualização da inteligência artificial generativa permite acesso a diversas ferramentas, mesmo pelos usuários que não pagam o programa exclusivo.

Dentre os recursos, a possibilidade de gerar imagens  chamou a atenção do público. A habilidade consiste no upload de uma foto pelo user junto com uma descrição do que deve ser feito com ela, seja a remoção de uma pessoa no fundo do cenário ou sua conversão em uma ilustração. Assim nasceu uma trend: transformar fotos em desenhos no estilo do Studio Ghibli, empresa de animação japonesa famosa por filmes como Ponyo e Meu Amigo Totoro. Milhares de imagens foram compartilhadas nas redes sociais: adultos, crianças, memes, até mesmo pets se transformaram em figuras de anime através das telas dos celulares. 

As imagens podem ser de graça para o consumidor, mas o meio ambiente paga o preço — o programa gasta enormes quantidades de  água e demanda muita energia elétrica.

Desenho do Estúdio Ghibli feito com Inteligência artificial
O estúdio Ghibli é conhecido por usar majoritariamente desenhos feitos à mão
[Imagem: reprodução/X]

O que é uma Inteligência Artificial generativa 

No dia a dia usamos diversas IAs, como o autocorretor do teclado ou a separação de emails irrelevantes que são jogados na caixa de spam. A tecnologia usada nesses casos  é a IA tradicional, que detém regras predefinidas em seu código para facilitar uma atividade. Se você digita “nao” sem o til (~), o computador sabe que aquela palavra não existe baseado nas informações ortográficas e gramaticais que ele possui, e corrige imediatamente para “não”.

Enquanto isso, a IA generativa (como o programa da Open AI, o Deep Seek ou o Gemini) não depende exclusivamente do seu código, pois tem a capacidade de aprender um conteúdo e criar músicas, textos ou  imagens. Ela é como um cérebro: um modelo de software que utiliza conexões neurais para interligar fatos e gerar algo novo baseado no que aprendeu.

Esse processo é complexo, porque para ensinar  padrões de qualidade a um programa, ele precisa ser submetido a uma quantidade muito grande de dados, inclusive revisando o mesmo conteúdo várias vezes. De acordo com o professor titular do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, Marcelo Finger, depois de aprender, ela tem que “esquecer” tudo isso. O nome desse processo é refinamento — o  docente descreve que nele “as empresas tentam ensinar IA a não falar coisas que são politicamente incorretas ou que são contra a ideologia de quem é o dono da inteligência artificial gerativa.”

São as organizações de tecnologia que definem o que é “politicamente correto” ou não, e qual a linha de pensamento seguida pelas respostas de seus robôs. Isso leva a respostas tendenciosas e cheias de preconceitos. O problema da IA é que ela não deixa claro essa posição. Cabe ao consumidor analisá-la, por isso muitos levam como verdade uma informação enviesada ou pautada em preconceituosos.

Um exemplo disso foi um caso difundido na internet a respeito do algoritmo da rede social “X”, na época em que ainda era chamada “Twitter”. Quando fotos publicadas no feed eram grandes demais comparadas ao layout das postagens, o programa dava foco a um pedaço, de forma que na tela de início só era possível visualizar essa parte da imagem. Quando a fotografia era de um homem preto e um homem branco, o software focava no branco, indicando um preconceito em sua programação.

Publicação no qual o algoritmo reproduziu uma atitude racista, beneficiando a imagem do homem branco ao invés do homem negro
O nome desse fenômeno é preconceito algorítmico
[Imagem: reprodução/X]

Hoje, essa tendência foi corrigida e os tweets originais não estão mais disponíveis. Mas diversas dessas opiniões permeam pelos codigos de todas as IAs, seja na preferência por um partido político ou na valorização da empresa que a desenvolveu. 

Data Centers

Data center que permite o funcionamento das IAs
Um dos primeiros datacenters foi o”Centro de Processamento de Dados Sempre Ativo” (CPD) da IBM em Poughkeepsie, em Nova York, lançado em 1965
[Imagem: Brett Sayles/pexels]

As informações utilizadas para o processo de apreensão do conteúdo e refinamento são guardadas em Data Centers, que ficam a dispor dos softwares. Todo o conteúdo é codificado, transformado em dados numéricos e armazenado para posterior decodificação, que pode gerar textos e imagens direcionados ao leitor  (ou até mesmo uma imagem do seu gato como anime).

Milhares de computadores são reunidos em uma sala, com informações armazenadas de toda a internet, para que a IA generativa consiga gerar respostas específicas em qualquer formato desejado para atender o pedido do usuário. 

Porém, durante o processamento, os aparelhos podem superaquecer. “A demanda de energia é muito alta, e se todas essas máquinas ficam em temperaturas muito elevadas, elas entram em fusão”, afirma Finger. Por isso, é necessário resfriar os computadores. “A máquina é feita para funcionar em uma temperatura, então elas precisam  ficar sob resfriamento com o risco do hardware parar de funcionar e fundir”, continua o Doutor em Computação. Essa é a água para o resfriamento gasta no processo da combustão.

De acordo com matéria publicada pela CNN são gastos em média 500 ml de água a cada 20 a 50 perguntas. Uma imagem, equivaleria a 20 respostas de texto da IA, logo uma foto pode gastar até 500 ml do líquido. A reportagem acrescentou que, quando essa ferramenta “estourou” mais de 3 milhões de imagens foram geradas em uma hora, o que significaria em média 75 mil litros de H2O gastos.

Marcelo explica ainda que o resfriamento pode ocorrer em sistema aberto ou fechado. No aberto, a água é utilizada nos ar condicionados; no fechado, o líquido passa pelas proximidades do circuito para resfriar. O confinamento do líquido que poderia estar sendo usado para outros propósitos como abastecimento de cidades, implica que mesmo demorando mais para ser gasto (o calor a faz evaporar eventualmente), o recurso está sendo privado do uso social, ou seja, sendo desperdiçado.

Mas não só de água vive um robô. Para garantir o funcionamento dos ar condicionados e das demais tecnologias, a IA também precisa de energia elétrica. Um acordo entre a Microsoft e a Constellation Energy (empresa americana de energia elétrica) determinou a reativação de uma usina nuclear nos Estados Unidos para nutrir sua IA, o que evidencia a enorme demanda de energia. Em pesquisa da Folha de S. Paulo o veículo afirmou que um Data Center pode consumir a energia de uma cidade de 30 mil habitantes, e com o crescimento da demanda por IA, deve aumentar ainda mais. Eles explicam que um gabinete usado para Inteligência Artificial gasta cinco vezes mais que os utilizados no mercado de tecnologia da informação (TI) comum. 

Na visão do Professor da ECA/USP Luli Radfahrer, diretor do laboratório de pesquisa acadêmica IDEIA (Interfaces Digitais, Experiências e Inteligências Artificiais), isso não é um problema das IAs, mas dos modos de produção energética dos países que as abrigam. 

“Os Estados Unidos tem uma pira com combustível fóssil e com central nuclear”

Luli Radfahrer

Uma forma de reduzir os malefícios para o meio ambiente, segundo o entrevistado, seria alimentar  os data centers por usinas hidrelétricas ou solares, já que as fontes renováveis emitem uma quantidade mínima de dióxido de carbono durante a sua operação.

A Geração de imagens

Imagem do Estúdio Ghibli feita com inteligência artificial
Diversos filmes abordam as questões que diferenciam máquinas e humanos e levantam questionamentos pertinentes à pauta IA, um dos mais famosos é Eu, Robô de 2004 [Imagem: OpenAI]

Os códigos armazenados  são utilizados para a formar ilustrações novas, como as fotos no estilo de animação do Estúdio Ghibli. 

Mas então, se o Chat GPT pega criações humanas e as recombina para gerar outras imagens, isso não é uma violação das leis de direitos autorais? De acordo com a PL 2338/2023,  “A falta de regulamentação faz com que, hoje, empresas de IA cometam ao menos cinco violações da lei de direitos autorais por cada obra incluída em seus sistemas”. A lei começou a ser discutida no final de 2024, antes mesmo do GPT-4o revolucionar a criação de fotos. Para Luli Radfahrer, é necessário questionar se este “cerceamento” faz sentido. 

“O que é copiar? Tudo é copiar. Quando eu leio Walter Benjamin e faço um comentário que não é diretamente citando as palavras dele, eu, de certa forma, estou copiando Walter Benjamin. Quando Walter Benjamin coloca um livro a público, ele sabe que essa ideia vai ser copiada. […] Então copiar em si não é ruim.”

– Luli Radfahrer

Quando um escritor começa um livro, ele utiliza toda uma bagagem cultural que desenvolveu ao longo da vida para escrevê-lo.  Antes de um ilustrador descobrir seu estilo de desenho, ele treina copiando o estilo de outros artistas. No ponto de vista do entrevistado, muitas questões acerca do trabalho da IA ainda não foram definidas e explicitadas da maneira adequada. Talvez se um desenhista humano começasse a vender pinturas no estilo do Estúdio Ghibli, não seria acusado de roubo de propriedade intelectual, e não seria cobrado direitos autorais. 

É necessário determinar o ponto em que cópia e inspiração começam a se diferenciar, e como a criação humana diverge da construção da máquina. Segundo Radfahrer, a Inteligência Artificial não é criativa por si só, mas alimenta a criatividade humana. Se definirmos inteligência como coleta de dados, robôs são mais inteligentes que homens mas lhes falta uma coisa: a habilidade necessária para a invenção.

Ele entende que existe uma espécie de esperteza que vai além de decorar dados, uma habilidade exclusivamente humana que leva à criação. A IA não cria nada, apenas recombina concepções da sociedade.

Para explicar melhor, o professor faz uma metáfora: “imagine que você foi contratado pela geóloga de um museu para separar pedras. Mesmo sem saber nada a respeito delas, você as divide em caixas. Assim, quando a geóloga precisar de alguma rocha para estudo, ela te pedirá a caixa com ametistas ou topázios. Seu trabalho é o do chat GPT: você não entende as pedras de verdade, mas sabe separá-las para auxiliar o trabalho da geóloga”. Nessa perspectiva, a IA deve ser tratada como uma ferramenta para impulsionar a criatividade, não uma forma de estancá-la.

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