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A Vanguarda dos Desenhos Animados: o que as animações podem nos ensinar sobre amor e saúde mental

As animações infantis estão sujeitas às mudanças de pensamento da sociedade e afetam o imaginário das novas gerações
Por Luiza Sanches (luizasanches.ribeiro@usp.br)

Desde sua criação, as animações voltadas para crianças frequentemente passam mensagens que orientam a forma de pensar do público, valorizando temas como amizade e respeito aos mais velhos. Essas mensagens indicam que as ideias e representações presentes na indústria do entretenimento infantil refletem as ideologias e os valores, em constante mudança da sociedade. 

Em Gato de Botas 2: O Último Pedido, o protagonista enfrenta um episódio de crise de pânico [Imagem: Reprodução/ Twitter/ @basutosu] 

O filme Gato de Botas 2: O Último Pedido (2022) foi um exemplo dessa transformação na indústria. O longa apresenta um personagem já conhecido pelo público, mas inova ao representá-lo com um novo olhar aprofundado sobre saúde mental e condições emocionais, como o transtorno do pânico. Trata-se de um filme voltado para crianças e adolescentes, contudo, muitos adultos foram surpreendidos pela menção a tópicos sensíveis, visto que questões relacionadas à saúde mental ainda são cercadas de estigmas e raramente são representadas no cinema. Com a mudança de pensamento da coletividade, a indústria cultural tem se adaptado à nova forma de pensar, e o filme do gato de botas é apenas um exemplo em meio a diversas animações que passaram a abordar temas estigmatizados, que vão desde homossexualidade até saúde mental.

O Choque de Gerações 

Ao comparar os desenhos animados antigos com os atuais, há um nítido contraste na forma de se trabalhar um personagem. No século 20, os protagonistas exaltavam valores como heroísmo e bravura, e possuíam  raso desenvolvimento de questões emocionais, sentimentais e, até mesmo, sexuais. Um bom exemplo é o clássico He-Man (1983), o qual o protagonista tem sua personalidade resumida em força e bravura.  Em contrapartida, as animações mais recentes retratam personagens mais vulneráveis e emocionalmente complexos, seja pelo enfrentamento  de ansiedade e depressão, por exemplo, seja por conflitos na vida amorosa e sexual, entre outros desafios característicos da infância e da adolescência.

       

He-man (1983), possuía protagonistas essencialmente fortes e valentes, não havendo brecha para fragilidades emocionais  [Imagem: divulgação/IMDb]

A nova forma de produzir desenhos animados está cada vez mais sólida, e ficou muito popular entre o público infanto-juvenil em produções como Hora de Aventura (2010-2018) e Steven Universo (2013-2019). Esses seriados inovaram a indústria cinematográfica ao introduzir personagens verossímeis com o público mais jovem, por meio de tramas que abordam questões relacionadas à infância e à adolescência, de uma forma sensível e inteligível ao telespectador.

Sobre emoções e relacionamentos

Na série Steven Universo, o espectador acompanha o crescimento de Steven, um menino criado por seu pai e pelas amigas de sua falecida mãe. Ao longo da trama, o protagonista enfrenta os desafios de superar seus traumas, a dor da perda, a sensação de não saber quem ele é e qual seu propósito, o estresse, a tristeza e a raiva, entre outros conflitos em suas amizades e em seus relacionamentos amorosos. Além disso, tais tópicos, apesar de complexos, são tratados de forma delicada e sutil, por meio de metáforas e alusões à magia e à fantasia para tornar os temas mais palatáveis ao público infantil. Segundo o diretor e roteirista especializado em animações, Cleverson Saremba, os jovens ainda têm pouco discernimento de pautas relacionadas ao psicológico e, logo, animações infantis devem abordar esses temas sempre de forma leve e descontraída, se atentando à faixa etária do público-alvo. 

Em Steven Universo, Garnet ensina sobre confrontar as emoções e sentimentos negativos [Imagem: Divulgação/Twitter/@Steph_I_Will] 

Um episódio de Steven Universo que mostra uma lição sobre saúde mental é o episódio quatro da quarta temporada, “Mindful Education”. Nele, Steven e sua amiga Connie enfrentam um desequilíbrio emocional, o que os atrapalha no treinamento. Garnet, mentora do protagonista, então, se oferece para ensiná-los uma forma de meditar para confrontarem e entenderem seus conflitos emocionais, o que os permite compreender a dor um do outro e, dessa forma, realizarem a fusão (uma prática mística no universo da animação que exige sincronia das emoções dos seres fundidos). O episódio ensina sobre a importância da autorreflexão e da comunicação como caminho para solucionar questões emocionais; dentro e fora dos relacionamentos. 

         

No desenho Hora de Aventura, Marceline e Princesa Jujuba formam um dos primeiros casais abertamente homoafetivos do mundo das animações  [Imagem: Divulgação/Twitter/@sapphicslike]

Outro tema polêmico que vem sendo retratado nos desenhos animados de forma mais ampla é a sexualidade dos personagens, e Hora de Aventura é um ótimo exemplo de como abordar o assunto de forma natural e sutil. Na animação, os protagonistas enfrentam questões nos relacionamentos românticos e, a partir disso, surgem discussões sobre tipos de amor, como amar de forma saudável e como lidar com os sentimentos dos outros. Acima disso, o desenho retrata personagens homoafetivos de forma orgânica, rompendo com o estigma que envolve a homossexualidade e ampliando os conceitos do público mais novo sobre os tipos de amor. 

Essa nova forma de romper com estigmas, introduzindo novas pautas às novas gerações por meio de animações infantis, muitas vezes choca os pais e responsáveis, que temem que os temas sejam muito maduros ou densos para o entendimento dos mais novos. Há também o receio de que a representação dessas pautas seja uma forma de doutrinação dos jovens, e  que os desenhos estariam coibindo determinada forma de pensar ou de agir nas crianças. 

Para Cleverson Saremba, as novas maneiras de representar a saúde mental e a sexualidade não têm o intuito de induzir uma ideologia ou pensamento na mente das crianças, mas sim, de apresentar visões de mundo mais tolerantes e inclusivas: “Desenho animado está lá muito mais para ensinar coisas do que para levantar bandeiras”. A representação de personagens que sofrem de doenças mentais ou se identificam como homossexuais, segundo o diretor, pode contribuir para formar um público mais empático e inclusivo, além de gerar o sentimento de pertencimento nas crianças que se identificam com os protagonistas.

A psicologia também vem debatendo a influência das pautas abordadas nos desenhos animados na mente das crianças e adolescentes. Para a psicóloga Karla Valente, é importante que a indústria do entretenimento proporcione o acesso do público jovem às mudanças do pensamento social, o que contribui para a formação de uma juventude com maior inteligência emocional, empatia e maior senso autocrítico: “Tenho observado uma geração muito diferente na forma de dialogar, na forma de construir e de debater ideias”. 

A reação dos pais e responsáveis muitas vezes é de preocupação com os conteúdos absorvidos pelos jovens, mas Karla reforça a importância da participação da família e dos profissionais da educação no debate: “É importante que as famílias participem, assistam às animações junto com o filho e comecem a quebrar os preconceitos que elas trazem”. Inicialmente, há um choque geracional entre pais e filhos, mas, pouco a pouco, as famílias vão notar a formação de jovens mais saudáveis, felizes, com menos neuroses e comportamentos agressivos e que aceitam melhor as diferenças, conta a psicóloga. 

Educação emocional é a ideia chave quando falamos de tópicos estigmatizados nos desenhos animados, e é uma das maiores ferramentas que temos para educar o público a ser mais respeitoso e empático. Aceitar as fragilidades e diferenças intrínsecas a cada indivíduo, é o que os desenhos animados tem buscado ensinar à nova geração, que promete ser uma das mais humanas que já existiu. 

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