O Recepcionista (The Night Clerk, 2020), filme dirigido e escrito por Michael Cristofer, narra o universo particular de Bart Bromley (Tye Sheridan), um recepcionista de hotel, voyeurista e que está dentro do espectro autista, por 90 minutos. O jovem tem o hábito de observar a vida dos hóspedes através de câmeras secretas instaladas nos quartos, mas esse costume, até então inofensivo para ele, torna-se prejudicial quando Bart presencia uma mulher sendo assassinada por seu amante e não encontra meios de ajudar a resolver o caso sem ser incriminado.
A história segue pela inserção de personagens planas e aleatórias, tais quais o homicida e a vítima. Andrea Rivera (Ana de Armas) é um desses casos, ela torna-se uma nova hóspede e o novo foco de atenção secreta de Bart. Porém, é claro que ela seria diferente das outras pessoas que cruzam o caminho do recepcionista, afinal, por já ter tido um irmão com Asperger, ela compreende as dificuldades interacionais dele, o que é um das muitas coincidências inverossímeis que a trama de O Recepcionista nos impõe.
É complicado fazer uma diferenciação precisa entre personagens principais e secundários em O Recepcionista. Além dos já citados, há o detetive Espada (John Leguizamo) que investiga o crime e acusa o recepcionista; o amante (Johnathon Schaech) e a mãe de Bart, Ethel Bromley, interpretada por Helen Hunt, cujo potencial cênico foi extremamente subaproveitado na trama. Não foi conferida a nenhum deles a profundidade necessária para torná-los atraentes ou evocar a mínima simpatização do público.
Além disso, a escalação para o papel de Bart Bromley é problemática. Tye Sheridan é um ator estadunidense neurotípico, ou seja, não está inserido no espectro autista. Portanto, sua atuação é artificial e imita, de modo ofensivo, quem possui esse transtorno, o que beira a ridicularização, não contribui para a representatividade desse grupo, sugere a inexistência de talentosos atores com funcionamento psíquico diferente e insinua que ser autista é uma fantasia que pode ser temporariamente usada por qualquer um.
Nos finalmentes de O Recepcionista, ainda há a sensação de que subitamente seremos recompensados pelas enfadonhas reviravoltas, pelo tédio dos incontáveis minutos anteriores e pela desrespeitosa e genérica representação autista, todavia o longa continua insosso e termina de modo frustrante, sem ter tido sequer um momento de tensão.
Por fim, O Recepcionista nos deixa revoltados por termos perdido preciosos minutos de vida diante da tela assistindo a algo esquecível e com roteiro supérfluo, mas também nos permite sentir um pouco de gratidão, afinal ele ao menos cumpre o que promete ser: uma trama de mistério, pois é de fato um enigma como um filme poderia dar tão errado.
O Recepcionista está disponível para os assinantes da Netflix. Confira o trailer:
*Imagem da capa: Divulgação/Saban Films
Parabéns Rebeca pela forma clara e transparente que você expõe a análise crítica do filme O Recepcionista, principalmente comparando com outros similares e a forma reducionista que por décadas a indústria cinematográfica insiste em mostrar o Autismo de forma tão caricata.