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Observatório | Banco Central define novo patamar para a taxa Selic – a maior em quase 20 anos

Aumento para 14,75% busca controlar a inflação, mas encarece empréstimos, freia investimentos e retarda o poder de consumo da população
Presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, assiste debate na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Por Gustavo Santos (gustalima1306@usp.br), Letícia Longo (letlongo2006@usp.br) e Pedro de Santana (pdsantanasilva@usp.br)

O Banco Central (BC) anunciou no último dia 07 de maio a elevação da taxa básica de juros, a Selic, para 14,75% ao ano, uma elevação de 0,50 pontos percentuais em comparação com a anterior, de 14,25%, definida no mês de março. A taxa atingiu o maior nível desde julho de 2006, quando chegou a 15,25%. Essa medida representa a tentativa do BC de desacelerar a economia e controlar a crescente inflação que importuna o bolso dos brasileiros. A decisão foi tomada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), grupo formado pelo presidente, Gabriel Galípolo, e por 8 diretores do Banco Central, que se reúnem a cada 45 dias para discutir novos patamares da taxa. 

Essa iniciativa, que resultou na elevação da Selic para o maior nível em duas décadas, não afeta apenas os bancos e investidores — ela atinge em cheio o cotidiano das mais diversas camadas sociais. Pode parecer um movimento mais técnico ou burocrático para grande parte da população, mas interfere diretamente em situações comuns como: o preço das parcelas de um celular, o financiamento do carro, na feira da semana, compra do mês e até mesmo no valor do aluguel. Com a taxa nesse patamar, surgem questionamentos sobre a real eficácia dessa política monetária no combate à inflação e seus efeitos colaterais na economia brasileira. 

O que é a taxa Selic e por que ela aumentou tanto?

Selic é a sigla para Sistema Especial de Liquidação e Custódia e refere-se à taxa básica de juros da economia brasileira. Ela serve como referência para todos os outros juros do país, como as taxas de empréstimos, financiamentos e investimentos, o que justifica sua importância. O Copom, a fim de garantir que a inflação não passe a meta de 1,50% a 4,50% pontos novamente, estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), realiza operações de compra e venda de títulos públicos no mercado financeiro, principalmente por meio das chamadas “operações compromissadas”, transações de compra e venda de títulos públicos com o compromisso de recompra no futuro — geralmente de curto prazo. 

O aumento da Selic ocorre quando o Banco Central nota que a inflação vai fugir do controle – ou seja, que o preço de todos os produtos da economia está subindo, em conjunto, rápido demais – ultrapassando o limite definido pelo CMN. Para conter esse crescimento, o BC propositalmente deixa o crédito mais caro, o que desacelera o consumo e esfria a economia. 

Mas o motivo da alta nem sempre acontece por questões internas. De acordo com a Ata do Copom, um dos principais motivos da recente elevação da taxa básica foi a incerteza na economia dos Estados Unidos, principalmente devido à guerra comercial travada entre o governo de Donald Trump e a China. Esse cenário de instabilidade no mercado gera pressões  sobre o real, o que faz com que as autoridades financeiras sejam mais cautelosas. 

A preocupação do Comitê com os gastos governamentais também é uma das justificativas para o aumento. O grupo afirma que o governo dificulta o controle da inflação ao fazer políticas econômicas instáveis ou confusas. A valorização artificial do real e alta carga tributária e burocrática são exemplos de medidas que tendem a afastar investidores estrangeiros. Este contexto cria uma preocupação para o BC quanto à insegurança que essas políticas  econômicas desenvolvem no imaginário do mercado em relação à estabilidade financeira do Brasil. 

Existem dois conceitos-chave ligados à taxa. A Selic Meta é a estipulada pelo Copom que representa os objetivos do BC e serve como base para a economia, ela é a responsável pelo aumento ou diminuição das demais taxas de juros. Já a Selic Over reflete a taxa aplicada na prática e é a média ponderada das operações apoiadas em títulos de curto prazo entre bancos, que servem como garantia dos empréstimos.

Comitê de Política Monetária reunido para discutir os rumos da taxa [Imagem: Divulgação/Raphael Ribeiro/Banco Central]

Para aumentar a Selic e desacelerar a economia, o Banco Central disponibiliza uma maior quantidade de títulos públicos à venda para bancos e outras instituições financeiras, o que retira de circulação o dinheiro utilizado pelos investidores. Com menos moeda disponível, as entidades financeiras enfrentam dificuldades para a realização de empréstimos, o que aumenta as taxas de juros sob os créditos e torna o consumo menos atrativo. Assim, o BC consegue manter os índices de inflação sob controle.  

Quando o Banco Central quer diminuir a Selic e estimular a economia, o processo se inverte: ele compra os títulos que estão nas mãos das instituições financeiras, colocando mais dinheiro em circulação. Com uma liquidez maior, os bancos oferecem créditos e empréstimos com juros menores. Isso estimula a população a consumir mais e as empresas a investirem nos diferentes setores da economia.

Gráfico da taxa anualizada de inflação em 2025; Em Abril, a taxa alcançou 5,53%, completando o sétimo mês seguido fora do intervalo de 1,5% a 4,5% estabelecido pela meta [Imagem: Reprodução/Banco Central]
Gráfico da Meta Selic; geralmente, uma  Selic acima de 10% já é considerada alta, e uma Selic de 14% sendo considerada muito alta [Imagem: Reprodução/Banco Central]

No que isso afeta os brasileiros?

Sem conhecimento sobre os títulos ou ligação ao mercado financeiro, o brasileiro comum é uma das partes mais afetadas pelo aumento da taxa Selic. Ivone Silva, vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (CUT-SP), destaca: “Na prática, a prestação da geladeira ou do carro fica mais cara. O comércio vende menos e demite. O pequeno negócio não consegue crédito”. 

Com juros mais altos os empréstimos  ficam mais caros, o que dificulta o parcelamento de compras e financiamento de imóveis. Além disso, trabalhadores pertencentes às classes sociais mais baixas sofrem com a diminuição de seu poder de compra, que prejudica a aquisição de bens de consumo básico, como a alimentação e o pagamento das despesas domésticas, como gás, energia elétrica e saneamento básico.

O aumento da taxa básica de juros também impacta significativamente o mercado de trabalho. Com menos dinheiro em circulação, as empresas ficam mais cautelosas e evitam novas contratações e investimentos, podendo até mesmo congelar vagas e demitir  trabalhadores já contratados, o que contribui diretamente para a intensificação  do desemprego. 

Essa combinação entre encarecimento do crédito, redução do poder de compra e congelamento do consumo impulsiona  os riscos de inadimplência, uma vez que as empresas e pessoas passam a enfrentar  maiores obstáculos  para quitar as dívidas existentes. Dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) indicam que, em abril de 2025, 42,36% dos brasileiros estavam negativados e segundo previsões essa porcentagem deve aumentar nos meses seguintes como consequência da elevação na Selic.

Em geral, com o aumento da Taxa Selic, a dívida pública brasileira também tende a crescer . Isso porque o Banco Central precisa quitar  uma maior taxa de juros para investidores de títulos de renda fixa, ou seja, títulos em que os juros pagos são definidos no momento da compra. Ivone afirma ainda que o aumento da taxa Selic acaba por beneficiar mais os empresários e investidores do que a população no geral. Ela chama esse mecanismo de “Robin Hood às avessas”.

“Quem é pobre paga juros quando pega empréstimo, compra no crediário, ou atrasa contas. Quem é rico ganha juros investindo em títulos públicos e aplicações financeiras.”
Ivone Silva

De acordo com Luiz Guilherme de Oliveira, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), o aumento da Selic até consegue render alguns investimentos populares, como a poupança. Entretanto, seu fator compensatório é desprezível quando comparado à compra de outros títulos mais caros, como CDI ou CDB.

Eficácia do aumento e perspectivas para o futuro

Ivone argumenta que boa parte da inflação do Brasil vem de fatores como a alta do dólar, o preço da comida, as questões climáticas e as de produção. A socióloga também pontua que  o aumento da Selic não é o método mais vantajoso para o controle da inflação. Segundo ela, há outros caminhos possíveis para a resolução desse problema, como o estoque de alimentos e o investimento na produção nacional de bens essenciais.

Já Luiz Guilherme afirma que, em relação à função do Banco Central de controle da inflação, a elevação  da Taxa Selic acaba sendo eficaz, mesmo que o consumo excessivo não seja o principal motivo para o aumento inflacionário. No entanto, em relação ao crescimento da economia brasileira, há um prejuízo, visto que há o crescimento da dívida pública e do desemprego.

“Um empresário, por exemplo, compra títulos do governo com mais facilidade, ao mesmo tempo que investe menos em mão de obra. Para a renda do país, isso é prejudicial.”
Luiz Guilherme

“Acredito  que a tendência é de estabilizar, nem aumentar, nem diminuir” aponta Luiz a respeito dos futuros ajustes na taxa Selic.  “A taxa está muito alta, um aumento maior seria desproporcional ao aumento da inflação e causaria ainda mais prejuízos à população.”, conclui.

Os efeitos do aumento da Selic sobre a inflação não são sentidos de imediato, mas no dia-a-dia da população brasileira, as mudanças nos hábitos já são perceptíveis: com o crédito mais caro, a família comum adia a compra ou a troca de bens duráveis como eletrodomésticos e automóveis, evita fazer compras com muitas parcelas e corta os gastos considerados “não essenciais”, como viagens para rever parentes, atividades de lazer ou jantar fora de casa. Os pequenos negócios também sentem muito as consequências pois, com menos dinheiro circulando, o faturamento cai — o que pode levá-los a fecharem as portas. A alta da taxa básica de juros não é apenas mais uma decisão burocrática do governo, ela é uma medida que mexe com a rotina de milhões de brasileiros.

[Imagem de capa: Reprodução/Raphael Ribeiro/Banco Central]

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