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A revolução da Inteligência Artificial no cinema

Após a nova tecnologia entrar no mundo da arte, quais são os desafios e o futuro dessa inédita forma de fazer cinema?
Capa IA no cinema
Por Bernardo Medeiros (bernardo10medeiros@usp.br)

A premiação do Oscar 2025 foi única. O Brasil levou a sua primeira estatueta por Ainda Estou Aqui (2024), assim como a Letônia, pequeno país do leste europeu,  por Flow (2024). Outro feito inédito foi a primeira indicação de uma pessoa trans pela Academia: a atriz Karla Sofía Gáscon, pelo seu trabalho em Emília Pérez (2024). No entanto, uma novidade foi ofuscada no meio de tantas surpresas, mas acabou levando a melhor na premiação. Foi o programa Respeecher, uma inteligência artificial que participou da pós-produção de dois filmes vencedores: Emília Pérez, por melhor canção original, e O Brutalista (2024), por melhor ator.

O programa ucraniano surgiu em 2018 e já conta com diversos projetos em Hollywood. É o caso dos dois longas-metragens citados, mas também de Alien Romulus (2024), Better Man (2024) e Aqui (Here, 2024). Embora já esteja bem integrado no universo cinematográfico, a sua participação é recente e faz parte de uma invasão dos novos programas de Inteligência Artificial (IA) na indústria. Da concepção criativa à distribuição do filme, essas novas tecnologias estão se tornando cada vez mais comuns nos galpões dos grandes estúdios americanos e podem representar uma renovação — ou um risco — para o setor.

Logo do programa Respeecher [Imagem: Divulgação/Respeecher]

Como toda novidade, o uso das ferramentas de inteligência artificial está dividindo opiniões no mercado audiovisual. Para alguns, a nova tecnologia representa um avanço na área e uma oportunidade de crescimento ao oferecer facilidades e oportunidades. Para outros, ela significa um retrocesso e uma ameaça que pode acabar com a sétima arte ao trocar a criatividade humana pela computação robótica. Essa divergência se mostra ainda mais notável por meio de questões como a ética envolvendo o uso das IAs e a qualidade do produto final. Ainda assim, muitos não sabem como e nem onde essa tecnologia é usada no processo de produção cinematográfica, o que impossibilita que a discussão avance além dos embates ideológicos.

Como a Inteligência Artificial é usada?

Os usos da Inteligência Artificial variam, mas podem estar presentes em todas as etapas da produção de um filme. Exemplo disso foi a greve dos roteiristas, realizada em 2023, em que uma das demandas dos protestantes era a regulamentação do uso de ferramentas de IA no seu trabalho. Portanto, essas novas ferramentas não estão somente presentes em softwares de edição, mas podem fazer parte de todo processo cinematográfico, seja na roteirização ou mesmo na distribuição das obras. Os aplicativos de entretenimento, por exemplo, como Netflix, Prime Video e HBO, usam algoritmos para recomendar produções a partir do gosto do cliente.

É como destaca o cineasta Marcelo Müller, roteirista de sucessos como Infância Clandestina (2012) e Do Outro Lado do Paraíso (2016), ao Cinéfilos: “A Inteligência Artificial, essa forma de usar os computadores para fazer atividade cognitiva, tem uma variedade de aplicações vasta. É isso que eu acho mais incrível: uma mesma técnica, com variações, consegue ser aplicada de uma maneira gigantesca”. O recém-titulado professor da Universidade de São Paulo (USP) é um especialista na área e tenta entender os impactos que as IAs estão causando na indústria do cinema.

De acordo com o acadêmico, essas novas tecnologias entram no universo cinematográfico em duas frentes. A primeira é pela análise de informações. Ele cita o produtor centenário Irving Thalberg, que fez sucesso nos anos 20 ao prever temas e filmes que seriam sucessos de bilheteria. De forma semelhante, as IAs estão sendo implementadas no mercado audiovisual como forma de sistematizar e processar reações do público, a fim de criar produtos mais rentáveis e populares. A segunda é pelo caminho das inteligências artificiais generativas, que se popularizaram recentemente e se destacam pela capacidade de criar imagens, vídeos ou textos pela descrição do usuário.

Autorretrato do professor Marcelo Müller feito a partir de Inteligência Artificial, com banco de imagens próprio [Imagem: Marcelo Müller/Acervo pessoal]

Seja no processo criativo, na produção e pós-produção ou na entrega do filme, são muitas as oportunidades para o uso dessa nova tecnologia no audiovisual. Porém, a realização de um longa-metragem feito unicamente a partir de IA parece ser uma realidade longínqua. De acordo com o professor, “não dá para pensar, pelo menos por enquanto, em uma Inteligência Artificial que possa fazer tudo sozinha”. Os usos se limitam às novas tecnologias que estão à disposição do produtor. “As pessoas que antes usavam determinadas ferramentas estão usando ferramentas com inteligência artificial, e isso tem empoderado elas de alguma maneira”, comenta Müller.

Limitações éticas

Desde a ascensão e popularização de novas tecnologias de Inteligência Artificial, imposições éticas vêm se construindo ao seu redor. Fato notável, por exemplo, recai no uso dos deep fakes, técnicas que conseguem inserir o rosto de alguém no corpo de outra pessoa. Essas barreiras também se colocam no caminho dos cineastas entusiasmados com a nova tecnologia. “O uso da IA para manipular ou alterar os trejeitos de um indivíduo sem a sua permissão explícita traz preocupações éticas quanto à privacidade, consentimento e dano potencial à reputação do indivíduo ou o seu bem-estar”, afirma o doutor em filosofia Khasan Oripov, em seu artigo publicado em 2023.

Além dos deep fakes, o principal problema ético está ligado à propriedade intelectual. Durante o processo de geração das Inteligências Artificiais, são usadas imagens ou vídeos em um banco de dados, que serve como o material bruto com que a ferramenta trabalha. O professor esclarece que uma rede neural aprende a partir da mídias prontas: “É como se eu achasse que eu fosse ensinar os alunos a fazerem filmes apenas vendo filmes”. Esse processo gera controvérsias, pois, em meio à base de dados que uma IA possui, ela pode acabar usando um filme autoral para gerar outra obra artificialmente. A utilização dessa mídia sem a devida autorização é qualificada como roubo.

Outra preocupação ética envolve a manutenção dos empregos dentro dos estúdios. Como toda nova tecnologia, a Inteligência Artificial ameaça a extinção de certos trabalhos, especialmente aqueles que envolvem a edição e a pós-produção dos filmes. Os posicionamentos na questão variam: alguns afirmam que as IAs irão reduzir drasticamente o número de funcionários e trabalhadores humanos, outros argumentam que as novas ferramentas terão que ser operadas por novos cargos mais qualificados. A situação é incerta.

“É um momento em que o mercado de trabalho sente uma certa insegurança que é difícil de sanar se não houver um debate amplo sobre o assunto”, afirma Marcelo Müller. Para ele, as inovações técnicas costumam gerar um prejuízo trabalhista, como destaca ao relembrar as antigas salas de rotoscopia, que contavam com quinze a vinte funcionários e hoje não existem mais. Ele ressalta que deve haver um debate entre sindicatos, produtoras e governo para achar uma saída nesse embate.

Antiga máquina de rotoscopia [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Qualidade: a Inteligência Artificial é mesmo competente?

Em meio a protestos contra e a favor da IA, surge o questionamento de se o seu uso realmente vale a pena, de uma maneira estética e racional. Para a oposição, o raciocínio maquinal retira as qualidades artística e criativa, que apenas a criação humana pode reproduzir. Também argumentam que, no estado atual, é evidente quando uma obra é produzida por essa tecnologia, tendo em vista que ela não é suficientemente aprimorada tecnicamente. No entanto, é inegável que a ferramenta vem ajudando a agilizar e reduzir custos na produção cinematográfica, chegando a ser usada em blockbusters e vencedores do Oscar.

Mesmo com avanços tecnológicos, ainda não se tem a perspectiva de criar uma máquina que seja totalmente autônoma no aspecto cognitivo. Diferente do cérebro humano, as Inteligências Artificiais são incapazes de gerar alguma forma ou pensamento abstrato, que não se baseie totalmente em um banco de dados ou imagens. Nesse sentido, pode-se tentar produzir um filme inteiro unicamente com essa nova tecnologia, mas, de fato, não será uma ideia completamente original. Todavia, é importante lembrar que as IAs estão sendo usadas como instrumentos, participantes do processo de produção, mas não protagonistas.

Atrás da ferramenta utilizada está a mente criativa de quem a usa. É como afirma o professor: “Quem está usando essa ferramenta para produzir novos objetos é uma pessoa, e a articulação que essa pessoa faz para produzir uma nova imagem ou um novo texto pode propor conexões que são inovadoras”. Ainda em sua fala, ele aborda o problema do refinamento estético do que é produzido pelas Inteligências Artificiais. “O que eu consigo fazer com a geração de imagens com IA é plenamente satisfatório para a necessidade que eu tenho, e eu não conseguia fazer isso há quatro anos atrás”, afirma. “Quanto à qualidade do que está sendo gerado, é melhor, muito melhor. Se comparar o de hoje com o de dois anos atrás, é um salto. Imagine o que pode ser daqui dois anos”. 

As novas tecnologias também permitem que a produção audiovisual se torne mais ágil, dinâmica e barata. Os softwares de edição que se baseiam nas IAs tornam processos antes complicados em processos simples, que se resolvem apertando um botão. Também permitem que roteiristas desenvolvam os seus projetos e criem storyboards sem a necessidade de procurar ou pagar um artista. O diretor James Cameron afirmou, em entrevista ao The Hollywood Reporter, que “se quisermos continuar a ver os tipos de filmes que eu sempre amei e que gosto de fazer, grandes filmes de efeitos pesados, temos que descobrir como cortar os custos pela metade”.

Além de ajudar na produção desses blockbusters, a redução de custos e a eficiência de tempo é ainda mais essencial para produtoras independentes, nivelando desigualdades entre a indústria multibilionária de Hollywood e a indústria do cinema indie. No entanto, a dinamização desses processos vêm com um custo: a redução burocrática envolve a redução nas equipes de produção. O principal questionamento ético retorna e continua sem uma solução definida.

O futuro da IA no cinema

Desde o nascimento de um novo projeto até chegar na tela do consumidor, a Inteligência Artificial é utilizada cada vez mais pela indústria do cinema. Existem aqueles que se entusiasmam com as novas possibilidades de criação, mas também aqueles que têm receio quanto à expansão das tecnologias generativas. Inegável é que o ritmo do mercado tende a consumir cada vez mais essa novidade e implementar as suas diferentes formas em diferentes estágios da produção cinematográfica.

É necessário estudar essas novas técnicas, não somente para utilizá-las, mas também para resolver questões que se tornarão cada vez mais relevantes, como a questão do direito autoral e da geração de empregos. Por enquanto, o seu uso ainda está crescendo e é limitado a softwares e ferramentas. Mas o futuro é amplo, e novas possibilidades também significam novas discussões e mudanças para manter a sétima arte de pé.

Para o professor Marcelo, a aliança entre o cinema e a IA é promissora, mas ainda é uma indústria a se criar e possui um longo caminho pela frente. “Acho que o audiovisual é uma das profissões que mais vai crescer nos próximos anos, e vai ter uma mudança na maneira de se produzir. Mas o incremento de produção tende a ser tão grande que o mercado vai se expandir muito mais”.

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