A questão da beleza negra e o preconceito existente por parte da sociedade transcendem os limiares do mundo da moda
Por Nairim Liz Bernardo (nairimlizbernardo@gmail.com)

Depois que a atriz Lupita Nyong’o foi eleita pela revista People como a mulher mais bonita do ano, não só ela, mas a beleza negra como um todo ganhou enorme destaque na mídia. O fato de uma mulher negra conseguir tamanha visibilidade deveria ser algo normal e corriqueiro, mas na verdade tem um impacto direto sobre a vida de várias pessoas. Uma menina chegou a escrever uma carta para a atriz, “‘Querida Lupita, acho que você tem muita sorte por ter tanto sucesso em Hollywood mesmo sendo tão negra. Eu estava a ponto de comprar o creme Whitenicious da Dencia para clarear minha pele quando você apareceu no meu mundo e me salvou”; o discurso de Lupita sobre o tema emocionou a todos no evento Black Women in Hollywood, organizado pela revista Essence e continua tocando e influenciando à todos que o assistem.
A negra na moda
Assim como a atriz serve hoje como inspiração para muita gente, ela própria menciona a modelo Alek Wek como a sua. Alek Wek nasceu no Sudão, em 1977, e se mudou para a Inglaterra aos 14 anos. Estreou no mundo da moda quatro anos depois, participou de campanhas para Victoria’s Secret, Calvin Klein e outras grandes grifes e hoje faz parte do U.S. Committee for Refugees’ Advisory Council, ajudando a chamar atenção para a situação crítica dos refugiados do Sudão.

Mesmo com o reconhecimento e sucesso de modelos como Donyale Luna, Liya Kebede e Naomi Campbell, as negras ainda tem que lutar e muito para conseguir um lugar nas passarelas ou à frente das lentes de uma câmera. O Ministério Público determinou que a organização da SPFW sugira as marcas que em cada desfile haja no mínimo 10% de modelos negros, afrodescendentes ou indígenas, algo proporcionalmente insuficiente uma vez que dados do IBGE demostram que 51,3% da população brasileira é composta por negros e pardos.
Não são raros os casos de preconceito racial no mundo da moda, modelos negras chegaram a declarar que ao procurar uma grife pela qual desfilar eram informadas de que a marca já possuía uma modelo com suas características, como se esse número fosse o suficiente. Outro caso desconfortante aconteceu no desfile da coleção verão 2014, de Ronaldo Fraga, na São Paulo Fashion Week; as peças, que possuíam inspiração no futebol e na cultura negra, foram apresentadas por modelos que vestiam perucas feitas com palha de aço, revelando uma visão preconceituosa do cabelo afro.
Uma questão cabeluda
No que diz respeito a cabelo, as opiniões são muitas. Enquanto alguns criticam a “ditadura da chapinha” e defendem o cabelo natural, como é o caso da cantora Vanessa da Mata através da música Joãozinho, outros são a favor de que cada um faça o que quiser com suas madeixas e chegam a mencionar uma possível e prejudicial “ditadura do cabelo afro”. Mas, afinal, seria ou não o cabelo afro uma forma de autoafirmação ?

Antigamente, o cabelo afro era visto como uma fragilidade dos negros e símbolo de sujeira, os tratamentos específicos eram inexistentes e o preconceito associado com apelidos pejorativos era enorme. Criou-se, então, o hábito e a “necessidade” de alisá-los para conquistar o sentimento de aceitação e pertencimento na sociedade, até que na década de 70 ganhou destaque o movimento negro, que entre muitas lutas incentivava as pessoas a ter orgulho de sua negritude, incluindo os fios crespos. Hoje, uma certa volta as raízes africanas também acontece, principalmente através do turbante e das estampas tribal ou étnica.
Quem tem cabelo crespo sabe que o cuidado não é fácil e quem deseja dar um ‘up’ nos cachos também encontra dificuldades, o mercado de cosméticos não ajuda muito. “Há uma grande falta de produtos de qualidade para permanentes no mercado brasileiro. Os produtos para alisar são melhores e mais atuais”, disse o cabeleireiro Fernando Paolo, do Studio Fernando Fernandes, especializado em cabelo crespo. Segundo ele, o preconceito em relação aos cabelos, mesmo que não tenha acabado, diminuiu, uma vez que a diversidade está melhor inserida na mídia. A mulher que assume e gosta de seus cabelos naturais tem uma liberdade muito maior, mas a vontade de alisar, que deve acima de tudo partir de um desejo pessoal e não de imposição do sistema, também deve ser respeitada. E para mostrar como a mídia influencia as pessoas (para o bem ou para o mal), os cabelos mais desejados e pedidos no salão são das atrizes Sharon Menezes, Taís Araújo e Patrícia de Jesus, todas do primeiro time de funcionários da Rede Globo.
Muitas mulheres, principalmente crianças, acabam recorrendo a tratamentos químicos de alisamento não só por achar os fios lisos mais bonitos ou pelo resquício de preconceito presente na sociedade, mas por encontrar uma enorme dificuldade, e até mesmo dor na hora do cuidado, tudo isso por não saber a forma correta de cuidar dos fios . Pensando nisso, o projeto “Pérolas Negras”, da ONG Casa Cultural do Morrona. na cidade mineira de Viçosa, incentiva crianças a valorizarem a cultura negra, além de ensiná-las a cuidar de seus cabelos de forma natural. Porém, sua idealizadora revelou que um menino cortou, sem a vontade dela, um pedaço de seu rabo de cavalo.

Uma outra boa iniciativa acontece na cidade de Cali, Colômbia, trata-se de um concurso criativo de penteados afro. A tradição desses penteados vem do tempo da escravidão, quando escravas trançavam os cabelos de suas filhas após o trabalho. O concurso é uma forma de preservar a cultura negra no país. As mídias digitais também são usadas na disseminação da cultura afro, blogs e páginas em redes sociais dedicados ao assuntos chegam a milhares e postagens sobre ativismo, moda e beleza conseguem incentivar e melhorar a autoestima de pessoas ao redor do mundo.
Valorizar e incentivar os cabelos naturais é essencial, mas fazê-lo parecer obrigatório não. Segundo a colaboradora do Núcleo de Consciência Negra da USP, Cristiane Avelar, designar ao cabelo a tarefa de auto afirmar a pessoa negra não é o certo, “o cabelo crespo é visto como símbolo de resistência política. Muitas pessoas assumem o cabelo natural única e exclusivamente para se mostrarem politizadas, principalmente em um ambiente universitário como a USP, onde o pensamento dominante é: ‘se não uso cabelo natural não sou politizado, e sim alienado’. Frases em redes sociais como ‘Em terra de chapinha quem tem black é rainha’ são comuns e geram um outro tipo de preconceito. Não é o cabelo que define a mulher negra, ela pode colocar um aplique liso de cabelo japonês que eu vou continuar a vê-la como mulher negra”.
O poder negro não está na cor forte da pele, nos traços fortes do rosto e nem mesmo no cabelo black power, o verdadeiro poder negro está na aceitação e orgulho de ser, de ser humano, de ser negro, de ser alguém que tem uma beleza especial como todas as outras, de ser uma pessoa que apesar do preconceito não abaixa a cabeça, que se respeita e luta para que seja respeitada, alguém que se olha no espelho e fica feliz com o que é.
Uau! Gostei muito dessa publicação, parabéns gente… Arrasaram!
Achei linda essa parte: “O poder negro não está na cor forte da pele, nos traços fortes do rosto e nem mesmo no cabelo black power, o verdadeiro poder negro está na aceitação e orgulho de ser, de ser humano, de ser negro, de ser alguém que tem uma beleza especial como todas as outras, de ser uma pessoa que apesar do preconceito não abaixa a cabeça, que se respeita e luta para que seja respeitada, alguém que se olha no espelho e fica feliz com o que é.”