Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Cartas Brasileiras e a pessoalidade no passado

Imagem: Companhia das Letras / Reprodução  Por Mariah Lollato | mariah.lollato@gmail.com   “Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles pousaram.” A carta de Pero Vaz de Caminha …

Cartas Brasileiras e a pessoalidade no passado Leia mais »

Imagem: Companhia das Letras / Reprodução 

Por Mariah Lollato | mariah.lollato@gmail.com

 

“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles pousaram.” A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal é uma das mais conhecidas da história do Brasil e, ainda assim, uma das menos lidas, diz o livro. Dessa maneira, o escrivão narra o primeiro contato da tripulação com os que habitavam a terra encontrada. Caminha descreve como os índios, antes desconfiados como “animais monteses”, mostravam-se, aos poucos, cada vez mais confortáveis com a presença portuguesa — a ponto de não mais levantarem seus arcos. Encerra afirmando que a maior riqueza que a Coroa encontraria ali seria a catequização daquele povo.

Este é um dos textos presentes em Cartas Brasileiras (Companhia das Letras, 2018). Organizado por Sérgio Rodrigues, o livro reúne 80 correspondências enviadas do Brasil ao longo de cinco séculos e é convite a um novo olhar sobre a história. As cartas tratam de temas de cunho ora histórico, ora pessoal, e têm como autores músicos, escritores, artistas, políticos e figuras ordinárias. “Ordinário”: palavra cujo uso perde sentido ao final do livro; implicitamente afirma-se: há tanto de extraordinário em qualquer existência que ouse cruzar este mundo.

O livro abriga, ainda, fotografias, ilustrações e fac-símiles (reproduções exatas das cartas originais) que ajudam a compor a viagem no tempo. Além do texto, a caligrafia, a cor da tinta e o espaçamento entre as palavras carregam informação. Pode-se perceber também a mudança na linguagem de uma época à outra e a variação no grau de formalidade com que se tratam os missivistas: por vezes, a primeira torna a leitura mais árdua. O cenário é completado por uma pequena descrição que antecede cada carta. Ela é breve e não sana todas as dúvidas sobre os personagens, mas é suficiente para que se estabeleçam conexões entre o momento em que a carta foi escrita e seu conteúdo.

Em 1786, José Joaquim Maria, um jovem estudante brasileiro, pediu a Thomas Jefferson que os Estados Unidos se aliassem ao Brasil na busca pela independência. Em 1939, Arcelina Helena Publio escreveu a JK, requisitando que este lhe enviasse informações sobre a construção de Brasília para concluir um trabalho de escola. Em 1974, César Benjamin enviou uma carta a seu irmão, em que relatava a luta diária pela sanidade na solitária onde encontrava-se preso havia três anos, durante a ditadura militar.

Assim, ao decorrer de cada página, o livro leva o leitor a questionar sua visão de passado. Subjetividade e dados históricos se misturam, até que se tornam um.

Há um paralelo entre a coletânea de cartas e o documentário brasileiro Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos (1998), de Marcelo Masagão. Nele, afirma-se: “Numa guerra não se matam milhares de pessoas. Mata-se alguém que adora espaguete, outro que é gay, outro que tem uma namorada. Uma acumulação de pequenas memórias…” Bem como à guerra, os seres que compuseram o passado não se limitaram a um feito cravado na história. Foram também seus filhos, as pessoas que amaram, o que comeram num café da manhã qualquer de um dia ensolarado. Finalizado o livro, a sensação deixada ao leitor é de intimidade e afeto entre ele e grandes figuras históricas, agora reduzidas — melhor dito, elevadas — a seres humanos comuns.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima