Por Henrique Giacomin (henrique.giacomin@usp.br)
No mais recente livro de Raphael Montes, Uma família feliz (Companhia das Letras, 2024), uma família da classe média carioca, que vive uma vida aparentemente perfeita, é o grupo principal da trama. Desde o começo do livro — que começa no último capítulo — já sabemos o desfecho da história, contada por Eva, a protagonista. Sabe-se o resultado final: a morte de uma de suas filhas e a batida de carro que a personagem provocará. São os fatos que antecedem a tragédia que interessam; eles confundem, levam a suspeitas e desconfianças e surpreendem com um final capaz de enganar até os leitores mais familiarizados com os romances policiais.
Eva é uma moça de origem humilde, que se apaixona e casa-se com Vicente, um advogado viúvo e pai de gêmeas. Logo no início da história, é informada a gravidez da protagonista de um filho homem. O sonho de Vicente de ter um menino é recebido de forma diferente por Eva, e logo a gestação da criança acumula desconfortos, o que se torna um pesadelo após o nascimento do filho.
Conforme o cansaço com os cuidados da família surge e a dificuldade em conciliar a nova vida com o trabalho se acumula, a vida de Eva muda de rumo. Em meio aos novos sentimentos e responsabilidades, um acontecimento inesperado — uma violência sem culpado contra seu recém-nascido —, desencadeia a desconfiança da moça sobre aqueles que a circundam e fazem parte de sua vida.
Uma sequência de acontecimentos estranhos e sem respostas trazem problemas do passado à tona, despertam ciclos de desconfiança e fazem Eva duvidar da própria sanidade.
As narrativas de Raphael Montes
Por meio de uma história envolvente, Raphael Montes é capaz de fazer o leitor refletir sobre o peso das responsabilidades das mulheres no ambiente familiar. Além disso, mostra-se como informações sem fundamento são capazes de se espalhar de maneira rápida, as quais podem destruir não só a imagem, mas muitas vezes a vida da pessoa atingida.
O autor é famoso pelas histórias de suspense, seja nos livros ou nas telas. Fã declarado de Agatha Christie e Quentin Tarantino, é evidente a influência estética dos dois na obra do autor; seja na forma como lida com o mistério do livro, seja nas descrições das localidades e comportamentos das personagens. O estilo gera histórias que brincam com as expectativas e criam acontecimentos improváveis, mas possíveis. Raphael se destaca na forma como se aproveita de cenários conhecidos — boa parte de suas histórias, incluindo essa, tomam lugar na cidade do Rio de Janeiro — que fornece um pano de fundo reconhecível e que se articula com a história.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@raphael_montes]
Para os fãs, o livro é a reafirmação da habilidade de Raphael Montes em escrever histórias de suspense. A obra é concisa e não apresenta falhas que tragam descrença ao enredo. Aos novos leitores, Uma família feliz é uma introdução mais leve às histórias do autor.
A narrativa se passa dentro do ambiente familiar e seus personagens, pela primeira vez, são pessoas que ao menos tentam levar uma vida correta, fugindo dos personagens loucos e totalmente suspeitos de Raphael. Isso de forma alguma diminui a qualidade da obra, e além de adicionar um toque de veracidade, pode torná-la mais aceitável para os pais e responsáveis de jovens leitores.
A história escala bem a tensão e entrega aos poucos informações que criam um ambiente de desconfiança e curiosidade. Embora se resolva muito rápido no segmento final, Uma família feliz é envolvente, deixa o leitor sempre ansioso pelo próximo capítulo, pela próxima descoberta e pela nova suspeita.
*[Imagem da capa: Henrique Giacomin/Acervo pessoal]