Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

2025: ano das mulheres na mecânica quântica

Unesco celebra o centenário da mecânica quântica também sob a perspectiva feminina
Por Natália Stucki (nataliastucki@usp.br)

Nos dias 4 e 5 de fevereiro de 2025, em Paris, a  Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) realizou a cerimônia de abertura do Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas (IYQ). O evento celebra os cem anos do desenvolvimento da física quântica, uma revolução na maneira de observar o Universo. Seu objetivo principal é despertar a atenção do público em geral para a importância e o impacto dessa ciência, bem como suas aplicações em todos os aspectos da vida

Evento da Unesco em Paris, homenageando a mecânica quântica
A abertura em Paris dá início a uma série de eventos que celebram a mecânica quântica em todo o mundo 
[Imagem: Reprodução/Instagram/quantumyear2025_] 

Desde seu nascimento incerto, no início do século 20, a mecânica quântica tem alcançado imenso sucesso em explicar fenômenos que a mecânica clássica de Isaac Newton não conseguia compreender, desde os elementos fundamentais da matéria em escala subatômica até eventos astrofísicos e cosmológicos. Esse campo da física é responsável por grande parte da tecnologia atual: as telas de LED dos celulares, os sistemas de  localização por GPS, os processadores de computadores e até mesmo a inteligência artificial.

O IYQ não só celebra essas tecnologias, mas também promove sua acessibilidade para todos. O evento se alinha aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) – entre eles, a redução das desigualdades de gênero. Isso demonstra uma preocupação em nível global em destacar o centenário sob uma perspectiva mais inclusiva, que vá além da visão tradicional, majoritariamente masculina.

De figuras históricas, como Lise Meitner, até as mulheres que hoje lideram iniciativas de inclusão ou pesquisas em tecnologia quântica, a participação feminina tem se tornado cada vez mais expressiva e rompe estereótipos de gênero antigos.

A história tradicional: por que 1925?

No início do século 19 a física parecia estar acabada. Cientistas acreditavam que os grandes pilares da chamada Física Clássica – a mecânica newtoniana, o eletromagnetismo e a termodinâmica –  seriam capazes de explicar e prever todos os fenômenos naturais. Um expoente da época, o físico norte-americano Albert Michelson, afirmou em um artigo da Universidade de Chicago: “As leis e os fatos fundamentais mais importantes da física já foram todos descobertos”.

Deve ter sido um grande choque pra ele descobrir que essas teorias falhavam em explicar o comportamento dos átomos, por exemplo. Por volta de 1900, o físico Max Planck introduziu a ideia de quantização da energia, na qual os átomos só poderiam receber ou emitir energia em quantidades pequenas, os quanta. Com isso, ele deu início ao desenvolvimento de uma nova física, que rompia com as leis clássicas e adotava princípios contraintuitivos  para descrever com precisão os fenômenos subatômicos. A partir de então, grandes nomes da física, como Einstein, Bohr e de Broglie deram suas contribuições.

Em 1925, Werner Heisenberg publicou um artigo intitulado, em tradução livre, “Sobre a reinterpretação teórica quântica das relações cinemáticas e mecânicas”, considerado um marco no nascimento da teoria quântica. Décadas depois, o americano Steven Weinberg o classificou como “pura magia”, pois Heisenberg descrevia grandezas físicas como posição e momentum por meio da álgebra de matrizes, estudo que Max Born e Pascual Jordan ajudaram a aperfeiçoar posteriormente.

Hensenberg, cientista premiado por desenvolver a teoria que deu origem a mecânica quântica
Em 1932, Heisenberg recebeu o Prêmio Nobel de Física por tal teoria que deu origem à mecânica quântica
[Imagem: Reprodução/Wikimedia]

O caso de Lise Meitner

Algumas figuras dessa história não tiveram tanto destaque. A professora do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) Renata Funchal, durante sua participação na série de colóquios abertos “Convite à física”, promovida pelo próprio Instituto, ressalta que muitas mulheres cientistas continuam desconhecidas ou pouco celebradas, apesar de suas contribuições relevantes.

O caso mais emblemático de figuras ignoradas pela academia é o da física austríaca Lise Meitner. “Essa é completamente absurda”, comenta Renata, em entrevista concedida à Jornalismo Júnior, “porque ela não só fez descobertas importantes, ela é a pessoa que entendeu a fissão nuclear”.

Física austríaca Lise Meitner e orientador
Hahn e Lise em 1912 [Imagem: Reprodução/Wikimedia]

Em uma época em que o acesso à universidade era muito restrito, Lise lutou por seus estudos. Em 1901, passou pelo Matura, exame vestibular rigoroso, e ingressou  na Universidade de Viena, onde foi aluna de Ludwig Boltzmann. Mais tarde, fez seu doutorado sob orientação de Franz Exner. Mudou-se para Berlim e trabalhou no Instituto Kaiser Wilhelm e, em 1922, tornou-se a primeira professora de física da cidade.

Renata conta que Lise publicou 169 trabalhos ao longo de sua carreira científica, um número bastante expressivo. Em um deles, descobriu o elemento químico 91 da tabela periódica, o protactínio. Em outro trabalho, descobriu o efeito Auger, que recebeu o nome do cientista francês que o descobriu novamente um ano e meio mais tarde, Pierre Auger.

Lise é considerada a “mãe da bomba atômica” por sua descoberta da fissão nuclear. No entanto, quem recebeu o Nobel por isso foi Otto Hahn, em 1944. Ela foi indicada 49 vezes ao Prêmio Nobel, 30 vezes em física e 19 vezes em química, mas morreu sem ser laureada.

Outras figuras ocultas

Ao longo do século, diversas outras cientistas tiveram que traçar seu próprio caminho, ultrapassar barreiras e lutar contra preconceitos. Renata, ao mencioná-las em seu colóquio, que tratava das “Figuras ocultas na mecânica quântica”, inicia com a fala:

“Faço isso na esperança de que elas possam vir a ser uma espécie de inspiração, para que tenhamos a coragem, muito necessária, para acreditar que a ciência ainda pode proporcionar um mundo melhor.”

Renata Funchal

Uma delas, Hertha Sponer, foi pioneira em espectroscopia molecular. Ao longo de sua carreira, teve cerca de 80 artigos nas áreas de  física e química, mas se destacou por sua aplicação da mecânica quântica à física molecular. Em uma carta de recomendação à Universidade de Duke, nos Estados Unidos, o físico Robert Millikan sugeriu que ela não fosse contratada. A atitude mostrou um distinto preconceito contra mulheres cientistas. Felizmente, a universidade não seguiu seu conselho, pois recebeu contribuições muito importantes de Hertha.

Hertha Sponer, pioneira nos estudos de espectroscopia molecular
Hertha foi uma das primeiras mulheres a receber o doutorado em física na Alemanha e a habilitação, título que possibilita dar aulas.
[Imagem:Reprodução/Wikimedia]

A física e matemática Grete Hermann, por sua vez, refutou uma prova matemática de John Von Neumann que afirmava não  existir variáveis ocultas na mecânica quântica, 30 anos antes de John Bell ser creditado pela mesma crítica. Essa teoria tentava explicar a natureza probabilística da quântica por métodos mais determinísticos: se as variáveis ocultas fossem conhecidas, seria possível prever exatamente o resultado de medições quânticas.

O trabalho de von Neumann era incompleto e considerava apenas um caso específico. Hermann percebeu isso antes de qualquer um. E, assim, ajudou a construir o entendimento atual de que a quântica é baseada em probabilidades.

Grete Hermann, refutou uma prova matemática de que não haviam variáveis ocultas na quântica
O trabalho de Hermann foi fundamental para o desenvolvimento da teoria quântica [Imagem:Reprodução/Mujeres con ciencia]

Até mesmo o emaranhamento, conceito-chave para o desenvolvimento atual da computação quântica, foi observado pela primeira vez por uma mulher – a chinesa Chien-Shiung Wu. O próprio artigo sobre o paradoxo de Einstein, Podolsky e Rosen (EPR), em que o termo “emaranhamento” foi cunhado, utilizou dados do experimento de Wu, que demonstravam o estado emaranhado das partículas – em que a medição de uma interfere na outra em qualquer lugar do Universo.

Chien-Shiung Wu, observou pela primeira vez o conceito de emaranhamento, essencial na computação quântica
O experimento de Wu mudou a física para sempre
[Imagem: Reprodução/Wikimedia]

“Se uma menina vê uma cientista,  acho que passa pela cabeça dela que também pode ser cientista. Então, é uma ação importante que as crianças sejam expostas a exemplos de sucesso”, afirma Renata.

Física é para meninas

Cem anos atrás, as mulheres eram minoria e lutavam por seu espaço no ambiente acadêmico. Atualmente, diversas iniciativas continuam essa luta, ao oferecer inspiração e oportunidades para que jovens meninas se interessem pela física. 

Uma delas é o Torneio de Física para Meninas (TFM), que já conta com duas edições. A professora Maria Luiza Miguez, coordenadora do projeto, conta em entrevista à Jornalismo Júnior que a iniciativa surgiu por causa do baixo número de meninas premiadas em olimpíadas científicas de física no Ensino Médio, em comparação com o Ensino Fundamental. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Física (SBF), o número de meninas premiadas chega a quase 30% no 8º ano, mas cai para menos de 10% na 3º série.

Gráfico retratando a queda no interesse por física entre mulheres no ensino médio
O percentual decrescente de meninas premiadas (laranja) mostra os impactos da falta de representatividade feminina; em roxo, o perecentual de meninos
[Imagem:Reprodução/Grupo de Trabalho sobre Questões de Gênero da SBF]

“O que faz as meninas deixarem de evoluir, ou deixarem de se estimular com física?”

Maria Luiza Miguez

De acordo com a professora, que trabalhou com turmas preparatórias para essas olimpíadas, em cinco anos houve pouquíssimas estudantes nessas turmas mais avançadas. Muitas desistiram por diversos motivos, mas principalmente  por serem minoria e, muitas vezes, estarem isoladas.

Em sua própria jornada acadêmica ela percebeu essas dificuldades. Ela diz que a falta de exemplos é realmente o que mais gera desgastes. “Eu estou convencida de que a maior barreira é a falta de representatividade e iniciativas que buscam impulsionar mais mulheres na física”.

Sua iniciativa, o TFM, surgiu com o principal objetivo de criar um ecossistema nas escolas, para as meninas se motivarem e não se sentirem sozinhas. Já participaram mais de 5.000 alunas e cerca de 440 delas foram premiadas com medalhas de bronze, prata e ouro. Além da competição, os coordenadores oferecem treinamentos para as etapas nacionais que selecionam para competições internacionais.

Logo do Torneio de Física para Meninas, homenageando Lisa Meintner, renomada física
Logo do TFM, homenageando Lise Meitner [Imagem: Reprodução/Movimento Meninas Olímpicas]

Segundo Maria Luiza, esse esforço já trouxe resultados expressivos, como a única menina premiada com medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Física (OBF), no 2º ano do Ensino Médio, em 2024. Ela percebe também um aumento no número de meninas estudando física em diversos lugares do Brasil, o que incentiva também outras a ocuparem lugares de destaque dentro da área.

Na primeira edição do TFM, a figura homenageada foi a cientista Lise Meitner. Assim como o colóquio de Renata, o torneio reconhece a importância de contar a história de mulheres inspiradoras, para que meninas possam entender que a física foi construída por mais do que os mesmos homens famosos. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima