David Lee, cearense que honra a tecelagem manual e leva o crochê para os holofotes, aprimorou e renovou sua marca registrada para trazê-la à N56 da São Paulo Fashion Week. Barlavento, nome da coleção, significa o lado de onde sopra o vento. Originário de Fortaleza, David quis trazer as suas experiências na cidade natal para a passarela. A geografia cearense, com muita ventania, favorece empinar pipas e a prática de kitesurf, esporte praticado no mar, e até mesmo a produção de energia eólica. Tudo isso é aplicado em muito crochê e no jeanswear pela marca.
O frescor da coleção se dá principalmente pelo crochê, usado em algumas peças: shorts curtos, não tão curtos como visto em semanas internacionais de moda, ou em suéteres. O vazamento das peças feita a partir dessa técnica de tecelagem é ideal para a neutralidade diante das estações. Seja na ventania de Fortaleza ou na teórica garoa de São Paulo, o crochê de Lee vai muito bem.
Uma tendência em especial apareceu em alguns desfiles da semana e não foi diferente com Barlavento, na qual tudo é felpudo. Do início ao fim, as papetes têm essa característica e são práticas, no bom estilo de apenas calçar e andar. Elas ganham ainda mais destaque quando dividem espaço com outros tecidos na confecção de camisetas oversized, shorts e alguns suéteres.
A descombinação de nylon, jeans e crochê, todos em cores vibrantes, propõe um estudo da feiura, que quebra os parâmetros do belo e expande as possibilidades do vestir. Sob a proteção das toucas de natação, a adoção dos equipamentos esportivos vai da cabeça aos pés. Além dos chinelos praianos Rider, a nova coleção de Lee bebe do utilitarismo: os bolsos, regulagens e cordões trazem conforto e funcionalidade prática. Os materiais resistentes e emborrachados mesclam sobrevivência e diversão. Com muito mais requinte, “Barlavento acena à micro-tendência parachute pants, as calças esportivas que viralizaram graças ao retorno dos anos 2000 na moda. Na N55 da SPFW, os modelos performavam alienígenas com peles prateadas; dessa vez, as figuras exploradoras caem de paraquedas na cidade grande, onde encontram o jeans.
Ao apresentar seu barlavento, David Lee pretende tornar o sopro do ar visível. Ele se inspira no filme Tornado (2010), do belga Francis Alÿs, construído ao longo dos dez anos em que o artista gravava furacões mexicanos. Na obra, o estar no olho do furacão é registrado pelas lentes arenosas da câmera; na passarela, a pesquisa têxtil de Lee é que traduz a adrenalina.
A N56 se divide entre os desfiles no Iguatemi São Paulo, shopping de alta classe, e os no Komplexo Tempo, espaço atravessado por uma linha ferroviária ativa no bairro da Mooca. A disparidade dos ambientes condiz com o abismo entre uma Semana de Moda comercial e importadora de tendências, e uma que renasce com as tradições têxteis regionais, como um festival cultural. Ao lado de Lee, nomes ascendentes da moda nacional usaram o evento para celebrar as origens nordestinas: é o caso do piauiense Weider Silveiro, que leva à passarela a tecelagem popular com o fuxico (flores de tecido) e a tapeçaria fio-de-malha, feita com amarrações e crochê. Além da sustentabilidade e originalidade, essas marcas também têm em comum a valorização da moda lenta. É o caso da emergente Dendezeiro, marca baiana de roupas agênero que marcou presença na edição.