Teria o skateboard perdido sua essência? Mesmo com sua repercussão positiva e crescente no engajamento, seria a Olimpíada um evento contraditório a respeito de tudo o que o skate cultivou, por anos, desde os Z-Boys até as margens de Tóquio? Ainda resta contracultura no que se chama de skate? Antes de iniciarmos efetivamente, cabe uma breve contextualização do que as Olimpíadas representam, culturalmente, para o skate. O maior evento esportivo do planeta, nos últimos anos, tem buscado se aproximar das camadas mais jovens da população mundial — questão básica de audiência e capitalização por meio das transmissões. No seu último esforço, o Comitê Olímpico Internacional (COI) conseguiu anunciar — ao lado do surfe, karatê, escalada, beisebol e softbol — o skate como a mais nova modalidade olímpica. Essa decisão resgatou uma série de declarações polêmicas que envolveram alguns astros do skateboard mundial.
![Skate confirmado como o mais novo esporte olímpico. [Imagem: Reprodução/André Durão]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-8.png)
No entanto, o tempo passou, Tóquio foi confirmada como sede dos Jogos de 2020 e, no dia 3 de agosto de 2016, por unanimidade, o skate foi adicionado ao cronograma olímpico. E tem mais. Apenas um ano após a confirmação do skateboard como novidade em Tóquio, Bob Burnquist foi eleito presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSk). Seis anos foram o suficiente para separar o polêmico discurso de Bob da sua assunção no cargo responsável por traçar o caminho do ramo brasileiro até a Olimpíada. De lá pra cá, as proposições de Burnquist a respeito dos Jogos se adaptaram. Em 2018, adotou uma postura defensiva e prometeu que “a Olimpíada não vai tirar a nossa identidade”. Um ano depois, já alterava um pouco sua ótica. Agora, “a Olimpíada é oportunidade de crescer”, ela começava a ser interpretada como uma vitrine para a exposição do skateboard em âmbito global.

Outra polêmica quanto à Olimpíada são as roupas que teriam “uniformizado o skate”. Através da pré-atribuição de roupas para os skatistas de cada delegação, o COI sufocou a expressão individual tão característica no skateboard. Restaram, para contar história, somente a traseira dos shapes, a base dos skates, que se mantém personalizadas e cheias de vida. Em termos gerais, foi a padronização do skate como esporte pelo Comitê Olímpico que tanto assustou e revoltou skatistas Brasil afora.
![Membros das delegações estadunidense, brasileira e francesa de skate uniformizados para os Jogos Olímpicos. [Imagem: Reprodução/Divulgação/Nike]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-7.png)
O ilustrador, designer gráfico e amante do skate Everaldo “Ratones” Marques enxerga como inevitável que o skate chegasse à margem de uma Olimpíada. No entanto, ele busca destacar que “não é o meu skate, não o que eu conheci”. Ele destaca que “o skate cresceu muito justamente por ser fora de qualquer padrão”, algo contrariado pelas imposições do COI. Entretanto, quando perguntado se a presença do skate nas Olimpíadas contrariava a essência do mesmo, Ratones prontamente negou. Sua justificativa apoia-se no argumento de que gerações diferentes o enxergam de maneira assimétrica. Logo, não seria justo comparar o pensamento de alguém que iniciou sua caminhada há mais de 30 anos com o de um garoto que nasceu num contexto onde existem pistas para todo lado, material acessível, skate na tv e diversas referências no cenário competitivo. O inegável é dizer que o skate mudou.
![O ilustrador e designer gráfico, Everaldo “Ratones”. [Imagem: Reprodução/Ratones Art]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-6.png)
O fundador do site e programa Grito da Rua, Badeco Dardenne, é outro exemplo de skatista old-school que manobra nessa estrada há mais de 30 anos. Como Burnquist, ele também alterou seu ponto de vista conforme o passar dos anos. O antigo apresentador confirma, sem hesitar, que a maneira como o skate é tratado realmente mudou muito da sua juventude de surfe e muita calçada no Leblon (Rio de Janeiro) aos olimpianos dias de hoje. Um destaque na entrevista foi a interpretação de Badeco quanto à reação daqueles que enxergam as Olimpíadas como o ponto final na história do skate. O carioca entende essa atitude totalmente exagerada, como um ato de egoísmo. Segundo ele, essas pessoas erram ao repetir que “acabaram com o skate delas”. O skate é algo universal. Portanto, não há necessidade de chorar por isso. O skate de cada pessoa continuará vivo, com ou sem Olimpíada.
![Fundador do programa Grito da Rua, o jornalista Badeco Dardenne. [Imagem: Reprodução/Twitter]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-5.png)
Uma das precursoras do skateboard feminino no Brasil, Monica Polistchuk é mais uma das que escolhe a palavra “esporte” para definir o curioso skate. É, também, uma que enxerga o destino olímpico do skate como algo inevitável e necessário. Segundo a skatista, “nada fica parado, logo, seria energia perdida caso o skate não progredisse em direção ao seu engrandecimento”, que é olímpico. Ademais, Monica busca explorar a questão do tempo. O contexto que se vive o skate hoje “é muito diferente de quando tudo foi criado“. Há muito mais investimento, apoio e competitividade. O skateboard nas Olimpíadas chegou no tempo certo para ampliar o leque de oportunidades que poderão, com esse advento, ser atingidas pelos skatistas.
![A experiente skatista, Monica Polistchuk. [Imagem: Reprodução/Twitter]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-4.png)
O colunista e fundador do site Trocando Manobras, Filipe Maia, gosta de definir o skate como “só um pretexto”, ou seja, não como o agente, mas sim como um meio pelo qual praticantes se relacionam. Sua opinião é interessante para quem defende tanto o skate em sua “essência”. Para ele, “o skate olímpico não despadroniza ou descaracteriza o skateboard”. Como justificativa, Filipe recorre à moda e dá o exemplo do skatista e snowboarder Trevor Andrew, que aliou-se à alta costura e lançou, junto a Gucci, uma linha de roupas e acessórios.
![O colunista e fundador do site Trocando Manobras, Filipe Maia. [Imagem: Reprodução/YouTube]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-3-1.png)
Para consolidar estes argumentos, Filipe tratou um pouco sobre sua relação afetiva com o shape e dispôs de alguns benefícios que o skate nos Jogos Olímpicos traz para sua própria cultura. Quanto ao vínculo com o skateboard, o colunista destaca o sentimento que alguns skatistas de rua tiveram logo após o anúncio do cronograma olímpico para Tóquio 2020. “Quando foi confirmado como esporte olímpico, a gente ficou com medo das pessoas começarem a tratar o skate somente como esporte, e não como qualquer outra coisa”.
Esse misto de medo e indignação fez com que Filipe, tempos depois, com o anúncio oficial dos uniformes para a competição olímpica, escrevesse uma matéria — que hoje não concorda mais — intitulada “A morte da individualidade no skate”. O título, um pouco exagerado, fazia algum sentido, visto que, para o colunista, o skatista deve ser retratado como um ser único e expressivo. Por essa série de fatores, Filipe Maia afirmou concordar com a polêmica frase de Tony Hawk — repetida por Bob Burnquist — de que “a Olimpíada precisa mais do skate do que o skate precisa da Olimpíada”. Todavia, assim como fez Bob, Filipe conseguiu enxergar o sentido por trás do advento da modalidade nas Olimpíadas.
![A popularidade e respeito ao skate apenas cresceu após as grandes performances na Olimpíada, como a prata de Rayssa Leal. [Imagem Reprodução/CBSk]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-2-1.png)
No final das contas, Filipe prefere concordar com o ponto de vista do skatista canadense e agora atleta olímpico, Andy Anderson, que justifica sua presença nos Jogos Olímpicos como uma maneira de promover o progresso do skate, para mostrar ao mundo todo o mérito de quem anda e respira o shape. O que restou foi dizer que as preocupações que envolveram o anúncio do skate olímpico não avançaram com o passar dos anos. O skate ainda é enxergado como um fenômeno complexo. O skateboard de rua sobrevive. A individualidade não está perdida.
![O skatista olímpico canadense, Andy Anderson, em frente ao bowl de Tóquio. [Imagem Reprodução/COC]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/09/unnamed-1-1.png)
Há quem o ama como esporte. Há quem o ama como estilo de vida. Há quem o ama como tudo o que representa. E há quem o ama como só um pretexto para que então se possa curtir a vida. Certo é dizer que há muita gente que o ama. Por isso essa preocupação olímpica. Não haveria desespero, raiva, frustração ou alegria caso o skateboard não fosse uma cultura, acima de tudo, agregadora e apaixonante. A transformação assusta. E quando falamos sobre skate, estamos nos referindo à mais transparente transformação. Trata-se de um elemento que transgrediu, revolucionou, marginalizou-se, expandiu e hoje chegou ao Olimpo. Se for possível encaixar as palavras “conclusão” e “skate” na mesma sentença, diria que se conclui que o skate chegou às Olimpíadas.