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Todo militante universitário é de esquerda?

Em pequenos números, militantes da direita tentam se firmar na universidade, ainda pouco organizados Por Ruan de Sousa Gabriel (ruandesousagabriel@hotmail.com) Da “Passeata dos Cem Mil” em 1968 aos protestos que pediam o impeachment de Fernando Collor no início da década de 1990. Das “Diretas Já” à confecção das carteiras de meia-entrada que garantem um desconto …

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Em pequenos números, militantes da direita tentam se firmar na universidade, ainda pouco organizados

Por Ruan de Sousa Gabriel (ruandesousagabriel@hotmail.com)

Da “Passeata dos Cem Mil” em 1968 aos protestos que pediam o impeachment de Fernando Collor no início da década de 1990. Das “Diretas Já” à confecção das carteiras de meia-entrada que garantem um desconto de 50% aos estudantes na aquisição de ingressos nos eventos culturais. Principalmente a partir da segunda metade do século passado, o movimento estudantil ganhou força e participou ativamente da vida política nacional. Historicamente associados a movimentos sociais e a partidos de esquerda, os estudantes que se engajam politicamente são, até hoje, muitas vezes enquadrados no estereótipo do “universitário comunista”.

No entanto, ainda que as entidades estudantis de maior articulação estejam ligadas a movimentos de esquerda, como a UNE (União Nacional dos Estudantes) presidida por chapa ligada ao PCdoB, no interior das universidades, os partidos mais à direita no espectro político começam a se organizar. Defensores de certo afastamento entre as entidades estudantis e os movimentos sociais, estudantes filiados, em sua maioria, ao PSDB e outros tantos apartidários unem-se em chapas para disputar a direção dos centros acadêmicos (CAs) e discutir alternativas ao que chamam de “radicalismo” da esquerda. Tentamos conversar com alguns desses estudantes para saber mais sobre suas posições perante a organização estudantil e sobre suas próprias contradições, as quais nenhum movimento político consegue fugir.

Estudantes se dividem entre posições de esquerda e de direita em busca de melhorias para a condição universitária. (Foto: Divulgação)
Estudantes se dividem entre posições de esquerda e de direita em busca de melhorias para a condição universitária. (Foto: Divulgação)

A oposição como opção

Paulo Mathias Tarso cursa Direito na PUC de São Paulo e acumula dois cargos políticos: o de presidente estadual da Juventude do PSDB (JPSDB) e o de vice-presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto, a entidade representativa dos alunos da Faculdade de Direito da PUC. Paulo, que se filiou ao PSDB em 2008, diz sempre ter se identificado com o partido por causa de suas lideranças, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador de São Paulo e ex-candidato a Presidência da República José Serra. “Comecei a militar, militar, ganhar espaço, e acabei sendo eleito, agora em maio, presidente estadual da Juventude do PSDB” conta.

Ano passado, quando ingressou na universidade, Paulo organizou um núcleo político para disputar a eleição para o centro acadêmico. A chapa, que ganhou o nome de Áporo (como o poema de Carlos Drummond de Andrade), agrega pessedebistas e estudantes sem filiação política.

Áporo venceu a eleição contra a chapa Construção Coletiva, então no poder e ligada ao PSOL. Segundo Paulo, um dos grandes problemas da PUC era a falta de participação do aluno no centro acadêmico. Entre as estratégias do grupo Áporo para aproximar o corpo discente do CA está a realização de palestras que sua direção considera mais atrativas que as propostas pela antiga gestão. No ano passado, a Construção Coletiva promoveu palestras com militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) durante a semana de comemorações do aniversário da faculdade, “assuntos totalmente da esquerda”, segundo Paulo. “Eu acho que é importante mostrar a diversidade, deixar o aluno escolher, acho que essa é a função do CA. Esse ano nós vamos trazer ministros do STF, secretários de Estado, militantes do MST, trazer de tudo, para que o aluno possa escolher. A principal proposta que a gente tinha era mostrar tudo. A gente tem [essa] obrigação como entidade estudantil”, exemplifica.

O presidente estadual da JPSDB não poupa críticas ao movimento estudantil ligado a partidos governistas que, segundo ele, cria um movimento estudantil sem articulação, incapaz de agregar e elaborar propostas. “Eu estive no encontro da OEE (Organização Estadual dos Estudantes) em que todos estavam vangloriando [o ministro da Educação] Fernando Haddad. Como pode um congresso de estudantes não falar dos erros que teve o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ano passado? A entidade estudantil tem como função criticar as atitudes do governo que prejudicam os estudantes” afirma.

Tucanato uspiano

A oposição não está tão organizada na Universidade de São Paulo (USP) quanto na PUC-SP e consiste em grupos em processo de reestruturação. Fernando Henrique de Souza, 24 anos, membro da JPSDB desde os 18, deixa claro que seu nome não é uma homenagem ao ex-presidente e líder tucano. O estudante de Letras (Fernando também é formado em Administração de Empresas) conta que o TucanUSP, antigo ninho pessebista na universidade, já acabou há tempos e que uma das causas foi o fato do núcleo não ter sido capaz de fazer frente às agremiações de esquerda ligadas a partidos como PT e PSTU. “Uma das causas do TucanUSP ter acabado foi justamente a articulação desses movimentos [de esquerda] que hoje dominam a universidade” afirma.

Fernando está trabalhando, juntamente com outros estudantes, na reorganização da Reconquista, uma antiga chapa que, apesar de não possuir um viés político definido, fazia oposição aos grupos que tradicionalmente vencem as eleições para os centros acadêmicos e para o Diretório Central dos Estudantes (DCE).

Já o estudante de Ciências Sociais, Vinícius Oliveira do Carmo, participa da estruturação de um grupo que é herdeiro direto da antiga chapa Liberdade. O núcleo ainda não tem um nome e congrega cerca de 30 pessoas entre antigos militantes da Liberdade, pessedebistas e apartidários.

Carmo, como é mais conhecido, explica que o movimento de oposição dentro da universidade está “muito debandado” e que seu grupo pretende montar uma chapa capaz de representar os estudantes que compactuam com as ideias defendidas pelos militantes tucanos. “Nós representamos muita gente que pensa igual à gente, mas não tem em quem votar. A gente quer representar essas pessoas” esclarece.

Leandro Queiroz Leite, formado em Relações Internacionais pela Unesp, hoje é secretário de formação política da juventude tucana, mas já foi presidente do Conselho Municipal da Juventude de Franca, sua cidade natal, no interior de São Paulo. Segundo ele, o movimento estudantil ligado ao PSDB está se reestruturando com o apoio da nova executiva estadual e que a disputa por mais espaço nos meios universitários ajudaria a melhorar a imagem do partido, visto frequentemente como elitista: “Teria um impacto simbólico a JPSDB estar mais inserida, mais ativa, porque nós nunca ocupamos esse espaço”.

As bandeiras escolhidas por esses estudantes

“O movimento estudantil tem que se preocupar com o movimento estudantil, senão os estudantes, como classe, ficam esquecidos” afirma Paulo, que, assim como outros líderes universitários de oposição, não veem com bons olhos a aproximação das entidades estudantis com os movimentos sociais. Leandro, por exemplo, acredita que “a universidade já tem problemas de sobra para ficar se preocupando com temas externos”.

Quantos às políticas sociais implantadas pelo governo Lula, as lideranças se dividem em suas opiniões. Paulo se declara completamente a favor de programas como o ProUni e o Bolsa Família, mas faz questão de reivindicar a autoria de algumas propostas para a gestão FHC.

Assim como Carmo, Paulo se diz a favor da reserva de vagas para alunos de baixa renda nas universidades públicas, mas é contra as cotas raciais, que, segundo ele: “geram um preconceito completamente desnecessário”. Leandro não compartilha da mesma opinião. O secretário de formação política se opõe a qualquer forma de reserva de vagas: “Sou a favor da meritocracia absoluta”, afirma.

Um ponto em que as opiniões convergem é a questão das greves dos funcionários das universidades, que geralmente recebem o apoio da esquerda estudantil. De acordo com Fernando, as greves e manifestações dentro da USP atrapalham as aulas e “piquete não é uma coisa legal de se fazer dentro da universidade, eu acho que existem outros meios de dialogar”. Quando perguntado sobre como os funcionários deveriam agir para reivindicar melhores condições de trabalho, o estudante de Letras responde dizendo que acredita não ser tão difícil ter acesso a representantes da reitoria e que “todo tipo de organização tem o seu valor”.

Ao explicar as ideias que sua chapa, ainda em formação, defenderá, Carmo declara que “Nós seremos contra a maioria das greves, porque a maioria delas só serve para levantar os estudantes contra a reitoria. Queremos representar os estudantes, o que não quer dizer que temos que ficar contra a reitoria sempre”.

Uma visão à esquerda

O estudante de Relações Internacionais, Thales Carpi, é diretor do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo (DCE Livre-USP) e não é filiado a nenhum partido político. Membro da chapa Todas as Vozes, considera-se esquerdista.

Como representante do movimento estudantil de esquerda, Thales expressa opiniões muitas vezes contrárias àquelas dos líderes da oposição universitária, ligados a partidos de direita. Ele defende, por exemplo, a aproximação entre as entidades de representação estudantil e os movimentos sociais, argumentando que a universidade deve estar atenta às demandas da sociedade. “A universidade pública tem uma função social que é trazer um maior bem-estar para a sociedade, para a coletividade como um todo” afirma.

Para o universitário, que defende a reserva de vagas em instituições públicas de ensino superior para estudantes negros e de baixa renda, as cotas são medidas a curto e médio prazo para combater o preconceito já enraizado na sociedade brasileira e garantir o acesso mais democrático à universidade. “Lógico que a gente não pode se esquecer de medidas a longo prazo que garantam a ampliação e universalização do ensino superior”, completa.

Como diretor do DCE, Thales acredita que o movimento estudantil deve ter um caráter cotidiano, ser construído no dia-a-dia e não apenas em épocas de eleição para os centros acadêmicos. Quanto a ser chamado de radical por núcleos estudantis ligados à oposição, ele responde: “A oposição, por ser oposição, independente de que lado ela esteja, ela tem tendência a afirmar que o outro lado é radical”.

A recusa pela nomição “de direita”

Ao mesmo tempo em que a oposição se organiza no interior das universidades, ela perde força no Congresso Nacional diante da imensa base governista, composta por partidos de esquerda, centro e outros que são adeptos de fisiologias e são desprovidos de cartilha ideológica.

Leandro tem formação em gestão pública e entende que o PSDB e seus aliados (DEM e PPS) estão fragilizados no congresso. “As eleições de 2010 foram muito ruins para as oposições em nível federal”, confessa fazendo referência às cadeiras que os oposicionistas perderam na Câmara e no Senado.

Quanto à posição ideológica, os líderes estudantis recusam rotular-se como “de direita”. Tanto Fernando, quanto Carmo e Leandro classificam-se como “social-democratas”. Já Paulo, ao comentar sua oposição ideológica, parafraseia a ex-senadora e ex-candidata à Presidência da República Marina Silva: “Nem à direita, nem à esquerda, mas à frente”. O estudante de Direito ainda aproveita para criticar o fisiologismo da política brasileira, exemplificado por partidos como o PMDB, que flertam ora com a direita, ora com a esquerda. “Eu não sou contra a esquerda, pelo contrário, eu acho que a esquerda tem uma importância muito grande porque ela propõe discussões muito positivas. Sou contra o fisiologismo”.

Posições contraditórias e novas possibilidades

O cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, André Singer, afirma que é difícil classificar o PSDB dentro do espectro ideológico, pois, desde sua formação, o partido já apresentava certa inclinação ao liberalismo, apesar de se dizer de centro-esquerda. Em 1989, por exemplo, quando candidato à Presidência da República, o tucano Mário Covas falava da necessidade do Brasil ter um “choque de capitalismo”, que representaria a modernização do país com maior presença do mercado e menor presença do estado, concorrência mais forte entre os empreendedores, maior liberdade para a iniciativa privada e menos burocracia.

O PSDB deslocou-se no espectro político, migrando da centro-esquerda e colocando-se atualmente entre o centro e a centro-direita. “O PSDB se descolou da esquerda para a direita do PMDB” exemplifica o professor citando o PMDB, tradicional partido de centro fisiológico de onde saíram dissidentes que formariam o PSDB. Singer ainda lembra que, apesar de defenderem as ideias da social-democracia, no governo FHC os tucanos aliaram-se ao antigo PFL (Partido da Frente Liberal, atual Democratas), maior representante da direita brasileira, para implantarem o programa neoliberal no Brasil.

Estudioso do comportamento eleitoral, Singer aponta o crescimento de uma nova ideologia de direita no país que pode exercer influência nos núcleos universitários que não se identificam com as propostas da esquerda: “Estamos observando a formação de uma direita ideológica no Brasil que não existia e é curioso que ele tenha surgido quando você tem um governo que adota bandeiras de esquerda. É uma decorrência desse fenômeno relativamente novo no Brasil que é um governo federal com posições mais a esquerda.”.

O professor ainda destaca que esta pluralidade ideológica é benéfica para a democracia: “A democracia supõe que é positivo que você tenha um debate democrático, racional para as pessoas ouvirem e ponderar argumentos”.

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