“Posso morrer pelo meu time. Se ele perder, que dor, imenso crime. Posso chorar se ele não ganhar, mas se ele ganha, não adianta, não há garganta que pare de berrar.” A canção “É uma partida de futebol” foi lançada nos anos 1990 pela banda Skank, mas até hoje é um hino para os amantes do esporte, pois retrata exatamente o que se passa no coração de um torcedor.
No entanto, a mistura de sentimentos – que pode ir da euforia até a frustração em um curto período de tempo – não é uma particularidade da torcida. Muito pelo contrário. É importante lembrar que os protagonistas e responsáveis por toda essa intensidade nas arquibancadas são os jogadores. Dentro da duração de pelo menos uma hora e meia em uma partida, suas emoções podem oscilar tanto quanto as de seu público. Nessa reportagem do Arquibancada, você irá entender quais são as diferenças entre os sentimentos de quem está dentro e fora de campo.
Torcer, jogar e seus respectivos comportamentos
Para compreender melhor como um torcedor age e quais situações o levam a cada atitude, o Arquibancada realizou uma pesquisa relacionada a sua postura dentro dos estádios.
A opinião, quase unânime, de que os jogos clássicos são os mais emocionantes é algo que, segundo Acácio Moreira, profissional de Educação Física e doutorando em radiologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC da USP), está diretamente relacionado ao comportamento do torcedor. Nota-se que ele tem o duplo poder na arquibancada: o de incentivar e o de desmotivar os jogadores que estão em campo.
“Quando o time precisa fazer o gol, a torcida irá dar uma espécie de ‘empurrão’, mas quando algum jogador está indo mal, ela começa a vaiar e ele vai passar a errar mais durante a partida. Tudo isso pode alterar as conexões do cérebro do jogador e o psicológico dele, tanto positivo quanto negativo”, explica.
Acácio ainda ressalta que tal situação é resultado da interpretação do cérebro humano a diferentes situações. Cada uma delas pode interferir nas conexões entre as suas regiões, as quais são extremamente velozes e têm um peso muito grande para o corpo do indivíduo. No caso do atleta, diante de um placar de 3 a 0 para o time adversário, por exemplo, as conexões serão realizadas entre as áreas responsáveis pelo humor. Dessa forma, ele passará a se sentir desmotivado e, somando isso às possíveis vaias e outras reprovações da torcida, todo esse contexto afeta seu desempenho.
Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?
No entanto, a performance de um jogador de futebol pode ser afetada por fatores que vão além da pressão da torcida. Não são poucos os casos de discussão com a arbitragem da partida, de brigas com os adversários ou até mesmo com os companheiros de time. Nas mais extremas situações, os desentendimentos ultrapassam os limites verbais e partem para a agressão física, o que torna a atmosfera dentro de campo extremamente mais pesada para o jogador.
Em relação aos efeitos no sistema cardiovascular do atleta, o cardiologista do esporte Dr. Gustavo Ida afirma que tanto as emoções positivas quanto as negativas produzem respostas similares. Contudo, a diferença entre ambas não é um mero detalhe: “As emoções negativas são mais comuns, intensas e prolongadas, enquanto as positivas são também são intensas, mas são menos comuns e mais efêmeras”, explica.
A partir disso, é mais simples entender como situações frustrantes que podem ocorrer nos jogos são determinantes para os resultados finais. Afinal, sem o devido preparo físico e – principalmente – mental, o desempenho dos atletas torna-se mais frágil. Considerando que o futebol baseia-se em uma dinâmica de equipe, a menor faísca liberada pelos nervos à flor da pele de qualquer um dos indivíduos em campo pode desencadear uma espécie de efeito dominó no ambiente.
O nervosismo e a positividade podem sair de sua origem e contagiar cada um dos presentes ali no time. Qual é o resultado final? No melhor dos casos, a motivação coletiva. No pior deles, a frustração em massa. Contudo, o Dr. Gustavo tranquiliza que, por mais que o desempenho psicológico ou cognitivo do jogador possa ser comprometido por tais situações, o desempenho cardiovascular não é alterado.
“Emoções podem ajudar ou atrapalhar vários aspectos como atenção, concentração, planejamento, coordenação, resistência a dor, sensação de fadiga, sede e etc. Entretanto, não há comprovação de perda da função cardíaca diante desse tipo de estresse dentro de campo”, disserta.
Apesar disso, o cardiologista alerta que o acompanhamento contínuo a um profissional do futebol é imprescindível para quem trabalha com a área. Além de ser um ponto chave na preparação do sistema cardiovascular do indivíduo para a duração do jogo, há também a prevenção contra qualquer irregularidade que possa potencializar o desenvolvimento de hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, obesidade e síndrome metabólica. “Saúde mental e física estão interligadas, sendo necessário cuidar de ambas. Não é por acaso que jogadores com bom desempenho físico também tenham boa saúde mental”, reflete.
Dito isso, o acompanhamento psicológico, segundo Acácio, também não fica para trás: “Nós temos casos recentes de jogadores com depressão, e também existe o profissional específico para isso: o psicólogo do esporte. Ele é o responsável por fazer esse meio-campo entre o sentimento do jogador e seu desempenho”, ressalta.
Que emocionante é uma partida de futebol
É inegável que esse esporte seja um dos melhores programas de lazer para seu público. No entanto, se engana quem pensa que o cuidado com a saúde física e mental deve ser exclusividade dos que se encontram dentro de campo. Sem controle dos limites que as emoções podem chegar, o que era para ser um momento de diversão pode se tornar um momento crítico e delicado para a torcida.
Em julho do ano passado, em uma partida clássica entre o Cruzeiro e o Atlético Mineiro, Luciano Oliveira Palhares, torcedor atleticano, sofreu um infarto durante o jogo e foi socorrido ainda no estádio. Contudo, no caminho para o Hospital João XVIII em Belo Horizonte, ele não resistiu.
Infelizmente, tragédias como essa não ocorrem apenas nas arquibancadas. Meses depois, na grande final da Libertadores entre Flamengo e River Plate-ARG, o empresário Washington Vasconcelos foi vítima de uma arritmia cardíaca em casa no momento em que assistiu ao time carioca marcar o gol da virada minutos antes do fim do jogo. Assim como Luciano, ele foi levado às pressas para os cuidados médicos necessários em uma unidade de saúde, mas também não resistiu.
Em entrevista ao G1, a cunhada de Washington diz que ele era saudável e praticava exercícios físicos, mas, na época, havia marcado consulta com um cardiologista para averiguar um desconforto. Ao descrever o ocorrido no atestado de óbito, o médico responsável afirmou se tratar de uma “fatalidade”.
Por mais que o contexto em que se deram esses acontecimentos seja incomum, o Dr. Gustavo afirma que mortes por infarto e arritmias seguem a lógica contrária: “Do ponto de vista cardiológico, isso pode acontecer devido à isquemia relativa (desbalanço entre oferta e consumo de oxigênio) após o elevado trabalho cardíaco causado pela elevação da frequência cardíaca, aumento da força de contração cardíaca e aumento da pressão arterial”, explica. Fora essas, ele também descreve outras possibilidades como o espasmo da artéria coronária e cardiomiopatia induzida por estresse, simulando um infarto.
Baseando-se nisso, o cardiologista afirma que o contato entre torcida e time, seja direto ou indireto, pode ou não ser benéfico: “Em relação à saúde física, a influência dessa interação vai depender do tipo e da intensidade de relação entre eles assim como medicamentos e alimentos, por exemplo, podem trazer consequências positivas ou negativas a depender do tipo e da quantidade ingerida”, exemplifica.
Acácio mantém a mesma linha de raciocínio que Dr. Gustavo: “Se você tem um indivíduo que já sofre de problemas cardíacos, como ansiedade, e sabe que o jogo lhe faz mal, é necessário reconsiderar se vale a pena assisti-lo”, afirma. Além disso, ele também chama a atenção para os casos de brigas internas nas arquibancadas, as quais sem qualquer ponderação acerca dos prejuízos que podem causar, muitas vezes levam a óbito.
Por outro lado, o profissional de Educação Física também aborda o lado positivo desse contato: “Ao analisar as regiões do cérebro que são ativadas quando o indivíduo demonstra o gosto por futebol, nota-se são as mesmas que estão relacionadas ao altruísmo e sensação de pertencer a um grupo”, explica. De acordo com ele, essa postura altruísta é potencializada justamente por conta do engajamento em massa, muito comum nas torcidas organizadas, e pautado na paixão em torcer.
Visto isso, ele adiciona que a postura da torcida em relação ao time que está em campo, é fator determinante a sua performance: “Nela você tem comportamentos de apoio e comportamentos altruístas, ao mesmo tempo que, dependendo da pessoa, enquanto ela está engajada por aquele grupo específico, ela pode ficar triste ou nervosa”, explica. Dessa forma, dependendo da resposta que se tem de seu público, os atletas podem ser beneficiados ou prejudicados. Em ambas as situações, as consequências serão sentidas diretamente nos resultados finais.
“Mas o esporte não vive sem a torcida, ainda mais o futebol. A torcida tem o papel fundamental, tanto que os times que jogam em casa costumam ter bons desempenhos, por conta de seu apoio. É até interessante ver como vai ser o retorno dos jogos de futebol sem as torcidas, e como que a pandemia está afetando o desempenho dos jogadores e o psicológico dos torcedores, porque o futebol, para quem está assistindo, é lazer”, conclui, refletindo a respeito do “novo normal” que os estádios adotaram em precaução à pandemia de Covid-19, no qual as arquibancadas passaram a ser em casa.