Por André Calderolli
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Você começa a assistir o filme e se surpreende com a semelhança daqueles atores: só podem ser gêmeos idênticos! Não necessariamente. É muito comum um ator ou atriz interpretar mais de um personagem em um mesmo filme. Em inglês, isso é chamado “double role” ou “dual role”, cuja tradução literal é “papel duplo”. Muitas vezes, esse tipo de construção é feita de forma deliberada, soma ao enredo, à história, e captura melhor a essência daquilo com o que o diretor gostaria de trabalhar. Outras vezes, entretanto, a utilização de um mesmo ator para mais de um personagem se deve ao curto orçamento. Em qualquer caso, pegamo-nos indagando “como essa cena foi feita?” ou divagando “essa atriz deve ter tido trabalho para encarnar essas duas personagens tão distintas”.
Por que motivos um diretor ia querer que um ator interpretasse dois personagens? A primeira resposta que provavelmente nos vem à mente é “porque ele precisa de gêmeos idênticos” e, talvez, contratar gêmeos de verdade não fosse o suficiente. É o caso do filme Operação Cupido (The parent trap, 1961), nele, a atriz Hayley Mills interpreta as irmãs Susan e Sharon. O filme fez tanto sucesso que ganhou uma segunda versão de mesmo nome em 1998, na qual Lindsay Lohan dá vida às irmãs Annie e Hallie. Os filmes contam a história de duas garotas de aparência idêntica que se conhecem em um acampamento, descobrem que são irmãs e decidem trocar de lugar. Após o fim do acampamento, Annie vai para a casa de Hallie, e Hallie, para a casa de Annie. Nesse contexto, era realmente necessário que as personagens fossem idênticas, caso contrário, talvez o fato de os pais das meninas não notarem a troca soasse ainda menos convincente ao espectador e prejudicasse o envolvimento com o enredo.
O processo para gravar uma cena em que os personagens interpretados pelo mesmo ator contracenam pode parecer complexo, mas na verdade é bem simples. Quando há contato físico, geralmente apenas o rosto de um dos personagens aparece, o outro, de costas, é um dublê. A cena é gravada mais de uma vez de vários ângulos diferentes e ator e dublê trocam de lugares de forma que o rosto do ator sempre apareça. Cenas em que ambos personagens aparecem lado a lado são, na verdade, duas ou mais cenas sobrepostas de forma a compor somente uma. O processo já foi complicado e envolvia, por exemplo, transformar duas tiras de filme em uma única, mas com o avanço da tecnologia e dos programas de edição, essa se tornou a menor das dificuldades em um filme. Hoje, inclusive, existem filmes em que somente o rosto do dublê é substituído pelo do ator, como é o caso dos gêmeos Winklevoss em A Rede Social (The Social Network, 2010). Durante a filmagem, o ator pode conversar com o dublê, ou, às vezes, com gravações de sua própria voz, de forma a demarcar o tempo do diálogo.
Em De Volta Para o Futuro II (Back to the future part II, 1989), o ator Michael J. Fox interpreta tanto o protagonista, Marty McFly, como seus filhos no futuro e seu antepassado no velho oeste. Nesse filme, é evidente que a opção por utilizar o mesmo ator teve motivos cômicos e não acrescentam à história. É também o caso de diversos filmes protagonizados por Eddie Murphy, como O Professor Aloprado (The Nutty Professor, 1996), em que o ator interpreta sete personagens. A construção de tais personagens é marcada por muita maquiagem e figurinos caricatos. Fica claro, entretanto, que a maquiagem no “dual role” não é privilégio das comédias. Ao longo dos filmes do Harry Potter, o ator Warwick Davis interpretou o Professor Flitwick, o duende Grampo, e ainda outros duendes do Banco de Gringotes. Graças também à maquiagem e ao figurino, nós não notamos, ao ver o filme, que esses personagens foram interpretados pela mesma pessoa.
É fácil entender por quê o “dual role” é uma opção adorada nas comédias, mas há muitos dramas e suspenses construídos dessa mesma forma. Baseado no livro homônimo de José Saramago, O Homem Duplicado (Enemy, 2013) conta a história de um homem que, após ver um ator de aparência igual à sua em um filme, passa a persegui-lo. Descobrimos, então, que são pessoas de perfis quase opostos. Em O Grande Truque (The Prestige, 2006), Christian Bale interpreta gêmeos que, em nome do sucesso de seus truques de mágica, compartilham uma única vida. Ninguém sabe que eles são dois, mas quanto à personalidade, possuem traços diferentes que acabam nos levando a distingui-los. É incrível imaginar a dificuldade que esses atores tiveram para encarnar mais de um personagem ao mesmo tempo. Em entrevista, Lindsay Lohan afirmou ser muito difícil conseguir coordenar as características de cada uma das gêmeas na hora da troca. A magia da duplicação tem o apoio da tecnologia, mas a parte do envolvimento e convencimento depende somente da habilidade dos artistas.