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‘Wandinha’: quando o macabro encontra o clichê

Em versão para público adolescente, Wandinha entretém entre toques de sucesso da família Addams e clichês

“— Wednesday está numa idade muito especial, quando
as garotas só pensam numa coisa.
— Garotos?
— Homicídio.”
A Família Addams, 1993

Sem medo de falar o que pensa, Wandinha, a filha mais velha da Família Addams, retorna às telas com sua personalidade excêntrica e seu humor mórbido. Dessa vez, a personagem ganhou sua própria série, com alguns episódios dirigidos por Tim Burton. Convidado para dirigir o filme da Família Addams lançado em 1991, o cineasta finalmente conseguiu somar a família à sua longa carreira de produções com estilo macabro e gótico.

A série apresenta uma nova versão da personagem clássica ao retratar Wandinha como uma adolescente prestes a entrar em um internato para “excluídos”, a Escola Nunca Mais, localizada na cidade de Jericho. A instituição, onde Gomez e Morticia também estudaram, abriga alunos singulares — vampiros, lobisomens, górgonas e sereias.

Em meio a conflitos familiares e a descoberta de habilidades psíquicas herdadas de sua mãe, a primogênita dos Addams se envolve na investigação de assassinatos com aspectos sobrenaturais enquanto tenta se adaptar ao novo ambiente escolar. A produção foi lançada pela Netflix no final de novembro e já se tornou a série de língua inglesa mais vista em sua semana de estreia, com 341,2 milhões de horas assistidas.

O retorno dos personagens da família à televisão — mais especificamente, ao streaming — é o principal atrativo da série. Na verdade, sem eles, Wandinha seria apenas mais uma série adolescente clichê.

A Família Addams foi desenhada pela primeira vez em 1932 pelo cartunista Charles Addams. A partir de 1938, começou a ser publicada no The New Yorker até que, em 1964, ganhou sua primeira adaptação como série na televisão norte-americana.

Os personagens sombrios satirizavam as famílias de classe média da época, se opondo ao “sonho americano” com hábitos macabros, valores questionáveis e ironia. O humor — e os conflitos — se davam justamente pelo contraste da família com as pessoas do mundo exterior. E essa essência, a protagonista de Wandinha mantém, especialmente nos primeiros episódios.

Criado por Miles Millar e Alfred Gough, a série foca na personagem de mesmo nome, mas também é uma oportunidade para rever outros integrantes da família. No entanto, para os fãs do filme de 1991, dirigido por Barry Sonnenfeld, esse encontro pode decepcionar. Gomez (Luiz Guzman) está menos imponente e mais amável e carinhoso do que antes; Morticia (Catherine Zeta-Jones) mantém a presença e o charme da personagem, mas a verdade é que falta mais estranheza aos membros da família.

O visual de Gomez na série foi baseado na aparência original do personagem nos primeiros desenhos. Imagens: [Reprodução/Twitter/@mefellipe] [Reprodução/Netflix]

Jenna Ortega, que interpreta Wandinha, compensa a representação do casal Addams com sua atuação brilhante. A atriz se encaixa perfeitamente com a personagem e faz jus à sua personalidade mórbida e humor ácido. Mas, ela também traz um novo olhar — mais atual e jovem — para a clássica Wandinha. Mesmo com mudanças no visual, como a inclusão de uma franja e o uso de roupas mais modernas, a característica cômica e macabra da garota é preservada. 

A singularidade de Wandinha é mostrada por meio de suas falas, olhares afiados e seu estilo. Diferentemente dos outros estudantes, a protagonista é a única que usa um uniforme totalmente preto. Esse contraste é mantido durante toda narrativa e ajuda a reforçar a ideia de que a Addams é diferente e mais desajustada do que os demais. Mesmo rodeada de outras pessoas consideradas estranhas pelos moradores da cidade de Jericho, a personagem ainda se destaca.

“Eu nunca pensei que fosse possível ser um excluído numa escola cheia de excluídos.” Wandinha, 2022

No início do primeiro episódio, Morticia explica o estilo fúnebre da personagem principal: “Por favor, me desculpe pela Wandinha, ela é… alérgica à cores.” [Imagem: Reprodução/Netflix]

Ao retratar a protagonista com 15 anos, se adaptando a uma nova escola e vivendo dilemas dessa fase, o roteiro de Wandinha se torna previsível com conflitos iguais aos de outras séries adolescentes de sucesso da própria Netflix. O triângulo amoroso vivido por Wandinha, Tyler (Hunter Doohan) e Xavier (Percy Hynes White), não combina com o jeito de Addams, longe de se importar e de querer enfrentar os dilemas típicos de pessoas da sua idade.

A rivalidade feminina com Bianca (Joy Sunday), a menina mais popular de Nunca Mais, também é estranha à personagem, pois Wandinha defende os “excluídos” e luta contra injustiças. A tensão entre as duas parece ter sido acrescentada no roteiro apenas para dar mais enredo para o triângulo amoroso, já que Bianca é ex-namorada de Xavier.

Outros pontos, no entanto, foram bem-vindos. A amizade de Wandinha com Eugene (Moosa Mostafa) e com a colorida colega de quarto Enid (Emma Myers), de personalidades completamente opostas, enriqueceram a trama e contribuíram para o desenvolvimento da protagonista ao longo dos episódios.

Aos poucos, o lado humano da personagem foi revelado por meio das interações com Enid, com Eugene, com Mãozinha, personagem clássico da Família Addams, e até mesmo com seu irmão, alvo de suas torturas. Por trás das falas sombrias e do gosto pela morte, existem sentimentos. Em um ponto da trama, Feioso ainda diz à irmã: “Para de ser legal, não combina.” Mas, essa “humanização” não estraga a personagem, na verdade, só a torna mais real. 

Para além da importância narrativa, a diferença de cores entre Enid e Wandinha confere lindos visuais à série. A ambientação na escola Nunca Mais, com cenas gravadas na Romênia, ajuda a construir o ar de mistério e os aspectos sinistros que envolvem o lugar. Inclusive, o nome da instituição é inspirado no poema O Corvo de Edgar Allan Poe, citado como um ex-aluno de Nunca Mais. As referências presentes no roteiro são elementos que divertem, como a intertextualidade com Carrie, a Estranha, de Stephen King.

Tim Burton combina com a estética macabra da Família Addams. Ele dirige os primeiros quatro episódios, em que a estranheza é a marca da série. Nos demais, dirigidos por James Marshall e Gandja Monteiro, esse tom mais macabro se perde, cada vez mais, para os conflitos adolescentes.

No elenco, além de Jenna Ortega, Gwendoline Christie, como a diretora Larissa Weem com jeito ambíguo, também está primorosa. O Mãozinha também confere bons toques de humor e, além disso, Christina Ricci, a Wandinha no filme de 1991, é um ponto alto como Marilyn Thornhill, a professora normal entre os excluídos de Nunca Mais.

Por incrível que pareça, Mãozinha é uma mão real. Victor Dorobantu, ilusionista, foi o ator responsável por dar vida ao personagem. [Imagem: Reprodução/Netflix]

A produção peca pelo desenvolvimento raso de outros personagens secundários, como Xavier e Ajax, ambos podendo ser descritos apenas como possíveis pares românticos de Wandinha e Enid, respectivamente. Felizmente, Bianca e a colega de quarto de Wandinha recebem mais profundidade devido aos seus dramas familiares. A primeira garota não pode ser descrita como uma típica “vilã” de séries adolescentes. Ainda que essa possa ser a primeira percepção do público, sua complexidade se desenrola à medida que vemos uma relação complicada com a mãe, um passado desconhecido e problemas para lidar com o seu poder. 

Ainda não há informações sobre o lançamento de uma segunda temporada, no entanto, ganchos como a relação de Bianca com seu passado e questionamentos puxados pela protagonista abrem caminho para mais história e para poder, mais uma vez, se estranhar – de forma positiva ou não – com Wandinha.

https://www.youtube.com/watch?v=jC1UClvq9i8

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