Após o surto de microcefalia no Brasil, cientistas de todo o país se mobilizaram para descobrir a origem do vírus zika e os meios para combatê-lo
Por: Lázaro Campos Junior (lazarocamposjunior@gmail.com)

Em dezembro de 2015, foi formada uma força-tarefa por meio da integração entre laboratórios do estado de São Paulo, chamada de “Rede Zika”. O esforço conjunto em pesquisa começou logo após a emergência do surto de microcefalia no Brasil, que atingiu principalmente na região nordestina. A microcefalia é uma malformação congênita em que o recém-nascido não é totalmente desenvolvido. Os bebês que apresentam essa anomalia nascem com perímetro de suas cabeças menores do que 33 centímetros. O retardo mental é uma das principais consequências dessa má formação. A recente circulação do vírus zika pelo país gerou a correlação das ocorrências. O Laboratório conversou com o pesquisador virologista do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo, Dr. Daniel Lima Neto para entender o que se sabe até agora sobre o Zika.
O vírus herdou o nome do local onde foi descoberto, na Floresta Zika, na Uganda, país africano. Encontrado em 1947, no sangue de primata, o zika sofreu mutações quando percorreu a Ásia e alcançou o Brasil em 2015. “O fato é que o zika entrou no território brasileiro e encontrou uma população totalmente virgem para esse vírus”, comenta o virologista.
Duas espécies virais diferentes vieram a existir devido a essas mutações. O pesquisador explica que essas diferenças têm consequências: “Um estudo feito aqui pelo grupo [do ICB] mostrou que a cepa (isto é, a linhagem) asiática adquiriu a capacidade de se replicar melhor no hospedeiro humano devido a características dessas mutações. E isso tem levado a hipóteses de que o vírus tenha adquirido habilidades indesejáveis, não vistas até então na cepa africana. Então os estudos feitos só com a cepa africana podem levar a conclusões erradas caso se confirme que essas mutações estejam realmente associadas”.
Dr. Lima faz parte do grupo de pesquisadores do Professor Dr. Zanotto, coordenador da Rede Zika. Ele explica que um dos focos do grupo é estudar as diferenças entre as duas cepas. Através da análise da infecção básica (ou seja, cultivo em laboratório), o objetivo é aprofundar para compreender o que se passa dentro das células. Em relação às suas pesquisas, o virologista diz também que tem como objetivo agregar o maior número de informações com as ferramentas disponíveis quanto à biologia viral e as respostas dos hospedeiros. Esse conhecimento poderá ser utilizado para produção de vacina, possibilidades de tratamento e também pretende estabelecer parâmetros diante das próximas epidemias.
Microcefalia e Guillain-Barré, preocupantes complicações

A transmissão do zika é feita pelo mesmo vetor da dengue e da febre chikungunya, o mosquito Aedes aegypti. Porém, a infecção por zika, em si, não apresenta quadros clínicos tão graves quanto as outras duas doenças. A literatura aponta que cerca de 80% dos infectados não apresentam os sintomas — febre baixa, dor de cabeça, dores leves nas articulações, entre outros. Além disso, segundo informações do Ministério da Saúde, as manifestações duram entre 3 a 7 dias; apenas as dores nas articulações podem perdurar por até um mês. No entanto, são as complicações causadas pela infecção por zika que preocupam, dentre elas, a ocorrência da Síndrome de Guillain-Barré e de microcefalia.
A Síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune, ou seja, isso significa que o sistema de defesa do corpo se volta contra o próprio organismo. Lima avalia que a relação desse tipo de doença com o zika dependerá de estudos mais abrangentes aqui no Brasil que consigam tratar do perfil imunológico da nossa população.
Já a relação com a microcefalia teve a possibilidade confirmada pelo Ministério da Saúde ainda em novembro de 2015. A comprovação de que o vírus causa a malformação veio em maio de 2016, a partir do estudo “The Brazilian Zika virus strain causes birth defects in experimental models” (O zika vírus brasileiro causa doença congênita em modelos experimentais), publicado na revista Nature. Segundo o Ministério da Saúde, até 17 de setembro, no acumulado entre 2015 e 2016, foram confirmados 1.949 casos de microcefalia no Brasil por infecção congênita (da mãe para o bebê, durante a gravidez), possivelmente relacionados com o zika vírus.
Perguntando sobre o que se sabe do período de gestação em relação ao zika e microcefalia, o pesquisador responde que há ainda muitas conjecturas. Sabe-se, através de estudos com camundongos, que a infecção causada no primeiro trimestre de gestação tende a levar o feto ao óbito. Já o segundo e terceiro trimestres são os principais períodos para a ocorrência de microcefalia. “Estudos com humanos vão levar mais tempo. Temos cortes grandes no Brasil, muitas coisas estão sendo produzidas nesse sentido. Os dados ainda precisam ser provados e comprovados por muitas pessoas”, diz.
A importância da pesquisa
Ademais, quanto à ocorrência de microcefalia, estuda-se a possibilidade de envolvimento de fatores genéticos. Lima vê importância em estudos nessa área: “É muito importante que a gente comece a fazer um mapeamento do perfil genético da população brasileira em termos de resposta imunológica. Existem formas de saber de que maneira a população responde às infecções. Esse mapeamento e a distribuição desses alelos [genes que determinam características] na população brasileira pode ser muito relevante para associar os casos de microcefalia a esses tipos de respostas. Do ponto de vista de infecções generalizadas e epidemias, nós não temos esse perfil traçado da população. É difícil estimar isso e é muito caro. Não são estudos baratos, mas se mostram cada vez mais relevantes principalmente para tentar associar isso a um grupo específico de respostas da população brasileira”.
Outra questão importante é a dos exames de detecção do vírus. A algum tempo existe o teste denominado PCR (reação em cadeia da polimerase). Segundo o virologista, apesar da eficiência do teste, há um questionamento clínico. Isso se dá porque, uma vez que é feita a detecção, não é necessariamente prova de que estava se replicando lá, ou seja, o material genético pode ser encontrado mesmo depois da infecção ter terminado. Outro teste foi desenvolvido no ICB em que é possível diferenciar as infecções por dengue e por zika.
Além disso, a possibilidade de transmissão não apenas pelo vetor Aedes aegypti, mas também por meio das relações sexuais preocupa. Sobre o tema, Lima considera essa a questão que todos querem responder. Ele explica: “Em termos laboratoriais, a quantidade de vírus que se encontra no sangue em comparação à urina e ao sêmen fez a pesquisa clínica ser deslocada para o diagnóstico nessas duas substâncias. Isso é recente, com a dengue não é feito dessa forma, e com a febre amarela também não. O fato de encontrar muito vírus na urina ou no sêmen sugere essa possibilidade de transmissão. Ainda não é nada sólido, mas os estudos estão sendo direcionados nesse sentido”.
Diante da gravidade dos problemas trazidos pelo zika, tem sido feito um esforço em direção da busca de uma vacina contra o vírus. No Brasil, o Instituto Butantan está envolvido em alguns projetos de desenvolvimento de vacinas para o zika. Perto de ser testada em humanos, há uma vacina que se utiliza de proteínas do vírus para obter respostas imunológicas. Noutro projeto, o Instituto recebeu o apoio financeiro da Biomedical Advenced Research and Devolopment Authority — Autoridade Biomédica de Pesquisa Avançada e Desenvolvimento (BARDA), ligado ao Ministério da Saúde norte-americano. Essa vacina deverá utilizar-se do vírus inativado. Nos EUA, as vacinas estão também na fase de testes.
Uma vez que o Brasil sofre com o surto de microcefalia e com epidemia de zika, a ciência do país recebeu ainda mais atenção. O pesquisador também comenta em que lugar a pesquisa brasileira se põe diante do cenário internacional, quando o assunto é zika vírus: “O Brasil se coloca numa posição de liderança, principalmente por conta da Rede Zika e do esforço conjunto de todos esses pesquisadores. Além da infraestrutura que existe lá fora, existe o aporte financeiro muito grande. O Brasil passa hoje por uma crise sem precedentes, então os recursos para pesquisas, sejam básicas ou clínicas, estão escassos. Mas os resultados que têm sido produzidos, que os grupos da USP e mesmo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e outros centros têm publicado, têm um impacto tremendo. A qualidade dessa ciência, apesar de ainda não reconhecida financeiramente pelo governo como o algo que venha a ser incentivado constantemente, produz frutos. Assim que as fronteiras financeiras forem baixadas, a ciência brasileira vai ‘explodir’. Nós não temos diferenças intelectuais com eles [pesquisadores estrangeiros, principalmente dos EUA]. O que falta realmente é infraestrutura e condições de trabalho”.
Prevenção
Na ausência de uma vacina para população, o importante agora é a prevenção. “O mosquito é um dos principais inimigos do homem até hoje. Faz 30 anos que estamos perdendo uma guerra para dengue e agora veio só mais reforço para eles. Então o foco tem que ser o mosquito. Independente de pesquisa básica, aplicada ou clínica, o controle vetorial é fundamental”, diz o virologista.
O pesquisador também reforça a importância da responsabilidade de cada um fazer o levantamento de possíveis focos em casa: “Veja possíveis focos na própria casa. Terminada na sua casa, veja [os possíveis focos] no vizinho do lado. Se cada um fizer isso, já teremos uma cobertura muito boa”. Segundo ele, agora a preocupação é o zika, mas há também a ameaça do vírus chikungunya, que têm quadro clínico mais grave e deixa preocupantes sequelas. Para além da prevenção, Lima destaca que a disseminação da informação por ferramentas também contribui na luta contra o mosquito. “É importante que todo mundo possa participar de alguma forma”, conclui.