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Ainda assim, ele se ergue

Por Pietra Carvalho Era 2008, Grande Prêmio do Brasil. O país parava diante da televisão para assistir a um possível título de Felipe Massa. Para alguns fãs do automobilismo, poderia ser a volta de um vitorioso brasileiro nas pistas. Mas, estupefato, Felipe viu o título ser tomado de suas mãos na última volta da corrida, …

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Por Pietra Carvalho

Era 2008, Grande Prêmio do Brasil. O país parava diante da televisão para assistir a um possível título de Felipe Massa. Para alguns fãs do automobilismo, poderia ser a volta de um vitorioso brasileiro nas pistas. Mas, estupefato, Felipe viu o título ser tomado de suas mãos na última volta da corrida, quando Timo Glock, um alemão — terra de alguns dos maiores — foi ultrapassado pelo inglês Lewis Hamilton. Com 23 anos, sendo até então o mais jovem a ganhar o título mundial, o então piloto da McLaren era consagrado na chuva. Por momentos, uma grande aliada do seu maior ícone na Fórmula 1, Ayrton Senna.

Cresci com minha mãe contando e recontando, em todo “Dia do Trabalhador”, sobre como tinha desenvolvido sua devoção por Senna. Sobre como sua morte abriu um vazio no encanto pelo automobilismo. Naquele 01 de maio, ela, que sempre levantava de madrugada para assistir às corridas, dormiu demais. Acordou com a notícia do acidente. E, ao observar a cabeça do ídolo tombar, tinha uma certeza: era sério.

Graças ao luto, a presença das corridas na sala de casa era mera coadjuvante em esporádicas manhãs de domingo, quando os fusos horários coincidiam com as horas preguiçosas. Mas, naquela tarde, um símbolo daquela mesma paixão que cativara minha mãe nasceu para mim. Controverso e impetuoso já naqueles anos, o novo campeão era guiado pela paixão por correr e superar, a si mesmo e aos outros.

Hamilton celebra seu primeiro título mundial. 2008, Interlagos. (Imagem: Sutton/Formula1.com)

Foi então que a programação dos finais de semana passou a ser sincronizada ao calendário da FIA, e, com o passar das temporadas, Hamilton ganhou auras simbólicas que não abrangem apenas o LH44 das pistas. Recentemente, ele declarou que um tanto de seu amor pela velocidade tinha sido apagado pelo domínio da engenharia, em que a superioridade dos carros diz muito sobre quem vai vencer. O discurso aponta uma certa desilusão, mas sua língua continua afiada e a postura confiante e contestativa.

Há dez anos correndo na F1, Hamilton continua sendo a figura “ame ou odeie” do grid, questionando atitudes de seus colegas nos briefings após as corridas e respondendo de maneira atravessada a certos questionamentos.

Recém chegado às categorias profissionais de um esporte naturalmente muito segmentado, Lewis disse se sentir como no filme Jamaica Abaixo de Zero, em que, ao chegar ao topo da colina, os atletas jamaicanos são encarados por caucasianos boquiabertos. Sempre ao lado de seu pai, Anthony Hamilton, ele sentiu o peso de ser o primeiro piloto negro a conquistar sucesso na elite do automobilismo. Ainda criança, quando competia no Kart, dizia ter aprendido a ignorar as provocações.

Calar-se diante do enfrentamento sempre pareceu destoante de suas falas impulsivas, as quais, por vezes, o colocaram em posições ruins. Contrastando com essa rotina, Hamilton vem dando entrevistas mais contundentes acerca do assunto, não impassível diante dos inúmeros casos de racismo que permeiam o mundo esportivo. Foi na entrevista após o recém conquistado tetracampeonato que versou sobre seu inicial estranhamento ao ser inserido no mundo da Fórmula 1. Hamilton já não mais ignora o que o faz único, tentando se misturar a todos. Ele assumiu ser inédito, mesmo que, por vezes, isso pareça vir acompanhado de um certo isolamento.

Lewis e seu pai, Anthony Hamilton. Empresário do piloto por muitos anos, sua influência na vida do inglês ainda é evidente. (Imagem: CNN)

E ser um lobo solitário não parece inquieta-lo. Lutar. Resistir. Persistir. São verbos os quais repete à exaustão em entrevistas. Se mantendo no topo por muito tempo, ele faz de si um argumento ambulante na luta pela inclusão dos pilotos da Fórmula 1 como atletas de elite (esportistas que tem o próprio corpo como ferramenta de performance).

Após uma década de carreira, Hamilton largou da última posição no GP de Interlagos do ano passado. Aqueles que conhecem o potencial do maior campeão britânico da categoria aguardavam por sua recuperação, principalmente em condições adversas. Mas mesmo que a chuva não tenha aparecido, em um dia quente, com o asfalto formando bolhas em seus pneus, ele alcançou o quarto lugar na corrida, ao pé do pódio. Quebrando recordes de velocidade e impondo um grande esforço para a Ferrari de Kimi Raikkonen se manter no top 3.

Uma de suas maiores corridas, a do Canadá em 2007, apenas três meses após sua estreia na principal categoria do automobilismo, foi um pontapé inicial nessa jornada repleta de surpreendentes recuperações. Sua primeira pole position e vitória, a prova em Montreal foi marcada por um grave acidente envolvendo Robert Kubica, diversas desclassificações por descumprimento de regras —- incluindo a de Felipe Massa — e quatro entradas do Safety Car, que desafiaram sua liderança.

Lewis Hamilton após a vitória no GP de Montreal, 2007. A primeira de sua carreira na Fórmula 1 (Imagem: f1fanatic.uk)

Realizando sua pretensão antiga de correr pela McLaren — com o dono da equipe, Ron Dennis, acompanhando sua carreira por toda a década anterior —, ele superou seu companheiro Fernando Alonso, e no entanto ainda tinha que comprovar que a prova não tinha sido apenas uma “loteria”, como declarou o espanhol.

A maturidade, que até hoje lhe falta em algumas situações fora do cockpit, continua a lhe sobrar durante as corridas. E pode ser uma explicação para arrancadas como a do último ano.

Na temporada de 2017, Hamilton também sofreu vários reveses. Entre eles, o rádio que deixou de funcionar no GP da Hungria, interrompendo sua comunicação com a equipe da Mercedes, e a perda de posições na classificação da Áustria, com a troca da caixa de câmbio.

O título de Sebastian Vettel parecia encaminhado até a pausa de verão, período seguido de uma arrancada de Lewis. Foi quando o inglês declarou que a reconciliação entre ele e seu carro tinha sido intermediada pela teimosia de ambos. Nem mesmo um insosso nono lugar no México tirou o brilho da conquista de seu quarto campeonato. Simbólico, dada sua afinidade com o número quatro.

Lewis Hamilton se concentra antes da prova de Yas Marina, Abu Dhabi, em 2015. (Imagem: f1fanatic.uk)

Também na temporada em questão, o piloto fez uma grande mudança em seu estilo de vida, aderindo ao veganismo. A F1 exige adaptação de quem participa, demandando corpos esguios que se encaixem nos carros. Por diversas temporadas, perder peso em um curto período de tempo era a rotina de Lewis Hamilton. Desafio que diz agora enfrentar com maior facilidade.

Estar em uma relação de paz com a própria saúde é necessário a um vitorioso, enfrentando condições extenuantes em certos circuitos. Na corrida da Espanha, Hamilton perdeu 2kg, que valeram a redução de sua desvantagem em relação ao líder Vettel para apenas cinco pontos. O embate entre os dois rendeu até um bater de rodas, com a supremacia do inglês, decepcionando os ferraristas.

Independente das opiniões sobre sua figura, Lewis traz visibilidade a um esporte que, apesar de movimentar quantias astronômicas, sempre teve um alcance limitado se comparado a outras modalidades. Através de um círculo de amizades repleto de atletas e artistas famosos, e um estilo de vida extravagante, bastante afeito a badalação, Hamilton se aproximou de um público mais amplo, com uma aura de popstar.

Entre as suas companhias, muitos são do mundo do rap. O que não é mera coincidência, já que o estilo exerce grande influência na vida do piloto. Em suas costas, um grande espaço é ocupado por uma única tatuagem. Nela se lê: “Still I Rise” ou “Ainda Assim Me Ergo”. Uma referência à canção homônima de 2Pac, o qual, por sua vez, se inspirou no icônico poema da ativista americana Maya Angelou.

Lewis Hamilton comemora a conquista do seu quarto GP da Inglaterra. Silverstone, 2017. (Imagem: Sky Sports)

Ao enxergar o esporte como plataforma para discursos de relevância política e social, se conectando a essas referências, LH reduz em algum nível a exclusão da Fórmula 1 de um contexto mais amplo. Ele demonstrou seu apoio ao movimento “Take a Knee”, que tomou conta da NFL, e criticou abertamente a postura agressiva de Donald Trump, de criminalizar e estimular o banimento dos que protestaram.

Mas, ao mesmo tempo, preferiu se manter discreto durante todas as conferências e também após sua vitória no GP de Austin, no Texas. O que parece pouco coeso com sua postura mais assertiva antes da viagem aos Estados Unidos, é bastante condizente com os anos em que Hamilton apoiou a filosofia de que correr bem era tudo o que importava para se fazer respeitado.

Mais contundente que as palavras ou ações que deixa de assumir, sua representatividade mora no topo dos pódios que conquista. Em que o primeiro piloto negro da história levanta taças, cercado de rostos muito parecidos com todos aqueles que já passaram na F1: brancos.

Na letra que inspirou Lewis, Tupac dizia: “Sonhos são sonhos, e a realidade parece o único lugar para o qual posso ir. O único lugar para nós”. Hamilton, vindo de Stevenage, como sempre gosta de frisar, fez dos seus sonhos realidade. Realidade sem muito romance, cercada de críticas e olhares tortos. Mas sejam quais forem as motivações da rejeição, ele se levanta. Independente das falhas que se imponham, ele continua a se erguer.

“É uma metáfora que todos podemos aplicar na vida. Se você tem um dia ruim no escritório, você levanta no dia seguinte e tenta superar. É sobre superar suas falhas, superar os tempos difíceis, é sobre sempre ter uma atitude mental positiva. Ainda assim me ergo”. – Lewis Hamilton, em entrevista ao canal da Mercedes no YouTube.

“Das choças dessa história escandalosa

Eu Me Ergo

De um passado que se ancora doloroso

Eu Me Ergo

Sou um oceano negro, vasto e irrequieto

Indo e vindo contra as marés eu me elevo

Esquecendo noites de terror e medo

Eu Me Ergo

Numa luz incomumente clara de manhã cedo

Eu Me Ergo”

                                                             Maya Angelou

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